A indicação de Paulo Bernardo como ministro da Comunicações não define com clareza o tratamento que será dado ao debate da mudança do marco regulatório das comunicações no novo governo. A pauta está hoje sob a coordenação de Franklin Martins, ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social, que é favorável a um projeto que estabeleça um rompimento com a atual estrutura do ministério. Embora concorde com a necessidade de reestruturação do órgão, Paulo Bernardo prefere primeiro cuidar das tarefas que o levaram pra lá, ou seja, Correios e Programas de Inclusão Digital, incluindo o Plano Nacional de Banda Larga.
Dependendo da composição do segundo e terceiro escalão, o tema do marco regulatório pode terminar órfão. As escolhas de quem vai ocupar a Secretaria Executiva e de quem vai coordenar a Secretaria de Serviços de Comunicação Social Eletrônica (SSCSE) parecem ser decisivas para apontar os rumos do debate.
O secretário aventado pela imprensa para a SSCSE, André Barbosa Filho, pode não estar interessado em levar adiante uma discussão da qual pouco participou. Atual assessor da Casa Civil para radiodifusão, Barbosa se aproximou do setor nos últimos anos por causa da TV digital e poderia não se dispor a comprar as brigas inevitáveis em um processo como este. Este Observatório buscou contato com o assessor, mas foi informado de que ele se encontra em férias.
César Alvarez, assessor da Presidência da República atualmente responsável pelos programas de inclusão digital, trabalha para levar sua equipe para o Ministério das Comunicações, mas ainda não definiu com o novo ministro onde eles ficariam abrigados.
Conflitos entre as empresas
Entre os radiodifusores, há posições distintas sobre o assunto. Enquanto a Abert, que reúne Globo, Record e SBT, fala apenas na necessidade de ajustes na legislação, com mínima interferência estatal, outras emissoras, como a Bandeirantes e RedeTV, reunidas na Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA), colocam-se a favor de transformações mais profundas. ‘O marco regulatório demanda uma grande revisão para garantir a pluralidade das fontes de informação e a repressão ao abuso do poder econômico que hoje acontece’, afirma Walter Ceneviva, vice-presidente executivo do Grupo Bandeirantes de Comunicação.
Durante a I Conferência Nacional de Comunicação, da qual participou ativamente, a ABRA apresentou uma proposta que limita em 50% a proporção de ingressos publicitários de qualquer emissora no mercado de televisão. A proposta foi aprovada e está entre as 633 resoluções da Conferência. Ceneviva ressalta, contudo, que não adiantam mudanças se não houver exigência do cumprimento da lei. ‘É preciso que as leis atuais e as do futuro sejam cumpridas. Hoje há uma tolerância com a ilegalidade muito negativa para todos’, ressalta.
Mesmo entre os associados da Abert há divergências relevantes. O SBT publicou comunicado oficial no dia 14 em que afirma que ‘para estimular a competição e garantir a pluralidade da informação e dos conteúdos é necessário que existam mecanismos para o controle, de fato, da propriedade cruzada, especialmente para evitar formação de monopólios e/ou oligopólios’. O alvo é claro, e a declaração é um sinal de que a discussão do novo marco regulatório pode acirrar essas diferenças internas à associação.
Reforço da pauta
Entre os atores da sociedade civil interessados na mudança do marco regulatório, a expectativa é que o debate avance em 2011 e provoque mudanças concretas no setor. Para Celso Schröder, Coordenador-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o marco regulatório precisa ser ousado e não pode se configurar como uma acomodação de pressões de corporações e organizações patrimonialistas. ‘O novo ministro e sua equipe devem se dedicar a articular essa política para o futuro, tratando a comunicação como política de Estado’, diz Schröder. ‘O novo marco regulatório é a oportunidade para fazer isso. O governo tem legitimidade, ambiente e as ferramentas necessárias e precisa enfrentar esse debate’, completa.
Em novembro, a Secretaria de Comunicação Social realizou um seminário sobre convergência de mídias comparada que demonstrou a existência de regulação de conteúdo na maioria das democracias europeias. ‘O seminário desmontou o discurso contra a regulação’, diz Schröder. O evento comparou as diferentes estratégias que estão sendo usadas para tratar o tema das comunicações, e demonstrou uma tendência de se tratar conjuntamente telecomunicações e radiodifusão. De fato, as fronteiras entre esses dois setores estão cada vez mais turvas tanto para o mercado quanto para o usuário.
Para Jonas Valente, do coletivo Intervozes, a condução da reforma do marco regulatório ‘é uma tarefa central e deve ser encarada, a exemplo do que aconteceu na Argentina, dentro de um amplo processo de consulta pública e mobilização’. Valente destaca ainda o desafio de re-estatizar o Ministério das Comunicações, parafraseando o professor da Universidade de Brasília, Murilo Ramos. ‘Isso significa torná-lo novamente um instrumento do Estado, e não das empresas, para formular o conjunto das políticas do setor, bem como para implantar parte substancial dela’. Schröder aponta na mesma direção. ‘O Ministério das Comunicações não pode ser um ministério menor, apenas com funções cartoriais’, diz o coordenador do FNDC.