O Diário Oficial do Estado do Pará de 30/8 trouxe três portarias assinadas pela presidente da Fundação de Telecomunicações do Pará. No primeiro documento, Regina Lúcia Alves de Lima reconhecia que a assinatura de um convênio entre a Funtelpa e a TV Liberal, em 1994, que podia acarretar punição ao então presidente da instituição, Francisco César Nunes da Silva, por causar danos ao patrimônio público, fora alcançada pela prescrição administrativa.
Esse mata-borrão não se aplicava a dois dos sucessores de César, que prorrogaram o mesmo convênio além do prazo permitido pela lei de licitações, que é de 60 meses, ato considerado lesivo aos cofres públicos. Por isso, José Nélio Silva Palheta e Ney Emil da Conceição Messias Júnior foram punidos, nas duas outras portarias da presidente da fundação, com a demissão ‘a bem do serviço público’, que lhes acarretaria ‘a impossibilidade de retorno ao serviço estadual’.
Nélio desde 28 de dezembro e Ney a partir de 31 de dezembro do ano passado não integram mais o serviço público. Suas demissões, ‘a pedido’, foram assinadas pelo então governador do Estado, Simão Jatene. Ora, até kafkiana prova em contrário, não podem ser demitidos de cargos que não mais exercem – e que exerceram não na condição de servidores públicos efetivos, de carreira, mas como contratados, admitidos e demissíveis no latinório do ad nutum, por exercerem cargos de confiança, os cobiçados DAS. Se realmente são passíveis de punição, pelo que fizeram durante o período em que atuaram no serviço público, o crime que ensejaria a ação remissiva do poder público seria o de improbidade administrativa, a ser argüido na via competente, a judicial, após o indispensável inquérito administrativo, assegurada a ampla defesa e o contraditório.
Convênio lesivo
Tão chocante quanto a leitura dos três insólitos decretos punitivos da lavra da presidente da Funtelpa, foi deparar, no dia seguinte, 31, com um novo ato, através do qual Regina tornou sem efeito duas das suas decisões anteriores, referentes a Nélio e Ney. A presidente continuou a aprovar o relatório da comissão processante, que examinou os atos dos três ex-presidentes da fundação. Desta vez, porém, admitiu que, ‘em razão de competência, fico impossibilitada de aplicar a sanção sugerida’. Por isso, remeteu os autos ‘à apreciação da Chefe do Poder Executivo para a devida apreciação que o caso requer’.
O caso é de uma gravidade monstruosa. Estranho que só tenha sido noticiado e esteja a ser comentado, no momento em que escrevo sobre ele (dia 1º), na internet. Nenhuma palavra, até agora, na grande imprensa, a favor ou contra. Não há, legalmente, eticamente e moralmente, nenhum argumento possível em favor de um ato que pode ser classificado, na hipótese mais benevolente, de infeliz, ou, na avaliação mais rigorosa, de vil.
Se o inquérito conduzido pela comissão processante da Funtelpa comprovou a desídia, má-fé, conivência ou autoria de dano ao patrimônio público pelos três ex-presidentes, os dois últimos ainda não beneficiados pela prescrição administrativa (e legal), estes deviam ser acionados na justiça para responder pela improbidade que teriam praticado. Se não provassem suas inocências, seriam responsabilidades e punidos, ainda que em algum dia de um futuro remoto.
Aplicar a pena de demissão a quem já não exerce qualquer cargo público e nunca foi servidor público regular, é iniciativa que só não pode ser imediatamente classificada de insana porque seu objetivo consciente (mas completamente equivocado) está revelado: impedir os dois cidadãos de voltar a exercer qualquer cargo público. Nem que para isso se pratique um ato ilegal, que não se sustentará até esse eventual retorno dos punidos. Aliás, não se sustentou 24 horas.
Não sei se a remessa do abacaxi para o colo da governadora é um paliativo para remediar a situação constrangedora ou se pretende-se realmente que Ana Júlia Carepa repita, com a devida competência em tese, o ato da presidente da Funtelpa. Nesse caso, a subordinada entregará a cabeça da autoridade superior à execração pública – e colocará em seu currículo mais uma tropelia – aprontando-lhe uma armadilha. Se fosse a presidente da Funtelpa, eu pedia demissão do cargo depois dessa anomalia, por vergonha. Já se fosse a governadora, e a presidente da Funtelpa não me entregasse seu cargo, eu a demitiria de pronto. Com opróbrio, como fez o general Geisel com o general Ednardo quando Vladimir Herzog morreu sob a jurisdição dos porões do II Exército, em São Paulo, em 1975. Ou é muita incompetência, e a presidente da Funtelpa não sabe o que faz, ou é vilania – e ninguém teve sequer o pudor de violar a lei para se vingar de desafetos.
Ademais de tudo que é legal, moral e ético, como punir os ex-presidentes da fundação, que prorrogaram indevidamente o malfadado e realmente lesivo convênio com a TV Liberal, e não punir a presidente atual, que podia ter feito cessar os efeitos do aditivo de prorrogação do monstrengo por mais 12 meses, muito além do limite de 60 meses da regra legal, e não o fez?
Conta do acerto
Venho bradando neste Jornal Pessoal, desde o início do novo governo, para que ele simplesmente revogue o aditamento contratual assinado por Ney Messias em 31 de dezembro (e, antes, por Nélio Palheta), mas os representantes do governo ignoraram e continuam a ignorar o pedido, sem contestar meus argumentos.
Resultado: o convênio foi considerado ilegal e o pagamento da mensalidade permanece suspenso, mas a TV Liberal continua a prestar seus serviços (como diz seu advogado) à Funtelpa, que recebe e transmite a programação da emissora da família Maiorana, repassadora da TV Globo. E, pelo jeito, manterá essa estranha relação até o prazo final da última prorrogação, em 31 de dezembro deste ano.
A partir desse dia a TV Liberal, se quiser, poderá entrar com a ação devida na justiça para cobrar os serviços que forneceu, e que foram aceitos e mantidos, sem ser remunerada por isso. O que os Maiorana não estão recebendo agora virá depois, com todos os acréscimos e cominações legais, por obra e graça dessa renitente persistência no erro da administração da Funtelpa. Erro esse que se multiplica e que continuará a se multiplicar se a governadora Ana Júlia Carepa transformá-lo em seu, coonestando esse ato de vingança praticado contra os dois ex-presidentes da fundação. Que, antes de ser vil, é burro. Acabará apagando o erro que cometeram e os absolvendo na instância à qual cabe agora apreciar a matéria: a opinião pública.
A conta do acerto se tornará ainda mais pesada para o erário se os três ex-presidentes da Funtelpa decidirem recorrer à justiça para se ressarcir do dano moral que sofreram com a edição do Diário Oficial, demitindo dois deles a bem do serviço público e deixando de punir o terceiro por impossibilidade legal. Se esse pedido de indenização for apresentado e prosperar, responderá pelo prejuízo quem lhe deu causa.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)