O atual governo deixará para o próximo o projeto de lei instituindo a regulação do setor de mídias, cuja ideia central é outorgar a uma agência poderes para fiscalizar o setor, informou o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins.
Seriam várias as razões a recomendar a edição de uma nova lei, e não só a idade da atual. Entre elas, a disciplina da convergência das mídias para evitar abuso de poder econômico possível de ocorrer devido ao desequilíbrio de porte entre as empresas de telecomunicações e de radiodifusão. E a proteção à geração de conteúdo, indispensável pois a estrutura da mídia impressa e televisiva seria excessivamente concentrada, o que afetaria a sua capacidade de difundir, com a amplitude devida, os muitos aspectos da vida do país. Negando o ministro ser a proposta uma ameaça à liberdade de imprensa, pediu que se ‘deixassem de lado os fantasmas e preconceitos’, que perturbariam o debate do tema .
Devemos esperar que o projeto do governo respeite o direito à liberdade de expressão. Mas o ministro há de convir que ações do próprio governo, sem dúvida concretas, não cessam de gerar inquietações.
Clima de inquietação
À parte o que seja a função social da mídia, a multiplicidade social do país e a forma devida de tratá-la e divulgá-la, um fato é incontestável: a estrutura desses setores não é concentrada, pois neles vêm ingressando novos concorrentes que, ao lado dos existentes, disputam a preferência do consumidor.
A televisão viu surgir um vigoroso competidor, que segue os passos da líder de mercado e assim vem se consolidando. A imprensa escrita ganhou novos jornais e revistas e os existentes aperfeiçoam e diversificam seus serviços, em uma disputa cada vez mais intensa entre si, e entre outros segmentos, sobretudo a internet, que com eles concorrem.
Monopólios ou oligopólios cerrados barram a entrada ou a subsistência de novos competidores e não investem na melhoria de seus negócios. Justamente o oposto vem ocorrendo, e por pressão de uma demanda cada vez mais ampla e exigente por parte dos consumidores.
A possibilidade assustadora e indesejável é a nova agência ser tentada a regular o conteúdo.
O mesmo se verifica no setor conexo ao de mídia, a reunir a telefonia, fixa e móvel, televisão por assinatura e internet banda larga. Em todos eles, a concorrência e portanto a oferta são crescentes, e, apesar do porte desse setor, o seu relacionamento com o setor de mídia harmoniza- se uma vez que são eles serviços convergentes.
Todos esses setores já são regulados, e a lei de defesa da concorrência se aplica a todos eles. As normas recentes vieram disciplinar um mercado privatizado, que não para de crescer. Claro está, subsistem antigos e surgem novos problemas, e as leis defasadas devem ser atualizadas a esse fim, assim como para atender à constante inovação tecnológica.
Nesse ponto, porém, há uma rude inflexão, e ela se deve às ações do governo, responsáveis pela insegurança existente entre as empresas e os cidadãos mais atentos às discussões em curso. Essas ações não se referem a um anteprojeto redigido por uma comissão de especialistas e aberto ao público, como devem ser redigidas as normas mais complexas, mas a seminários capitaneados por integrantes do Executivo, que neles avançam seus pontos de vista e rebatem, por vezes com um vigor despropositado, opiniões contrárias.
As recentes intervenções do governo no setor de telecomunicações e mídia vêm criando um clima de justificada inquietação, como mostram a recriação da Telebrás e a instituição do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), por um simples decreto, sem audiência do Congresso.
Possibilidades fantasmagóricas
A Telebrás, em sua primeira ação, contrariou o propósito de implantar rede de internet em municípios carentes, preferindo despejar os recursos públicos onde a rede já existe, ofertada pelo setor privado.
O PNBL sequer é um plano: é uma lista breve de intenções, presas a definições inexistentes.
A Anatel, a quem cabe regular o setor de telecomunicações, fechase em reuniões e decisões secretas, o que lhe permite sofrer a aberta pressão de novos e desembaraçados centros de formulação da política de telecomunicações, localizados na assessoria da Presidência da República e expressa nas ações da Telebrás.
A Ancine, que deveria limitar-se a fomentar a produção audiovisual, ganha poderes continuamente, e avança na disciplina da produção de conteúdo.
A isso tudo soma-se o fato de o atual governo, já ao seu início, haver declarado ser contra o regime de agências reguladoras dotadas de independência hierárquica e decisória, mesmo tendo ele a si assegurada prerrogativa de fixar a política para o setor por meio de decretos do presidente da República.
Nesse contexto, qual será a agência reguladora proposta pelo governo para fiscalizar mídias, inclusive mídias que não são ‘boas’, como observou o ministro? A possibilidade, assustadora e fantasmagórica nesse contexto, é essa agência extravasar os limites técnicos a que deve ser vinculada e vir-se tentada a regular não o setor de mídia, mas o seu conteúdo. Isto é, regular o pensamento.
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Advogado