Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O controle externo da imprensa

O valor das indenizações que a Justiça tem estipulado para os processos contra os jornais é considerado elevado, ameaçador e contrário à liberdade de imprensa por parte de muita gente que trata do tema. O assunto é controverso, pois há quem julgue irrisório o montante das sentenças – e, por decorrência, um estímulo ao descaso da imprensa sobre questões como invasão de privacidade e ofensa à honra do cidadão.

Esta avaliação é de José Paulo Cavalcanti Filho, advogado de empresas, especialista em legislações que regulam a imprensa em todo mundo e presidente do Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão auxiliar do Congresso Nacional criado pela Lei nº 8.389, de 30/12/91. Ele tem banca de advocacia em Pernambuco, foi ministro da Justiça em 1985, presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e da Empresa Brasileira de Notícias. Seus argumentos seguem na contramaré de tantas exclamações indignadas de editores e diretores de veículos de comunicação.

A condenação com multas pecuniárias vultosas de empresas de comunicação que publicam notícias (sem a necessária autorização) sobre a vida e a intimidade das pessoas, defendida por José Paulo Cavalcanti Filho, é baseada num princípio mercantilista irrefutável: as empresas só sentem o baque da responsabilidade negligenciada quando existe um custo – e quanto maior o custo, mais elas sentem. Logo, empresários e executivos da mídia avaliariam com mais atenção os princípios que normatizam o que deve ser publicado.

‘Uma diferença notável das redações brasileiras para as redações dos países que cobram responsabilidade dos que exercem o direito à liberdade de expressão são os cabelos brancos dos jornalistas’, aponta o advogado. Articulista dos principais veículos de comunicação do país, ele conhece a faixa etária média dos jornalista que estão no batente.

Controles democráticos

As condenações de multa média de mil dólares que costumam ser estabelecidas pela Justiça brasileira em sentenças contra jornalistas são considerados injustas por José Paulo Cavalcanti Filho. Ele lembra os 1,7 milhão de dólares que o tablóide britânico The Sun pagou por ter publicado fotos não autorizadas da princesa Diana em sua academia de ginástica, ou os 34 milhões de dólares a que o Philadelphia Inquirer foi condenado por ter classificado Richard Sprague como ‘advogado de porta de cadeia’ nas suas páginas.

A média das indenizações americanas varia entre 100 mil e 200 mil dólares e atinge o veículo, não o profissional, diz Cavalcanti. ‘Fala-se que, por aqui, multas com esses valores levariam nossos jornais à falência. Ora, que quebrem. Se existir mercado, outro jornal mais competente vai querer explorá-lo. No mundo todo é assim. Por que, só aqui, deveria ser diferente?’

A discordância do montante que deve ser pago como indenização pela violação de direitos essenciais pelas empresas de comunicação é uma das conseqüências da falta que uma Lei de Imprensa atualizada no país. No sítio da Associação Nacional de Jornais (www.anj.org.br), por exemplo, está disponível a Declaração de Chapultepec (http://www.phpcreator.com.br/
webc/webs/anj/Programas/libimp_declar.cfm
) como documento-mestre em favor da liberdade de imprensa e da defesa da democracia. Cavalcanti o classifica o documento como ‘devaneio parnasiano, retrato dos anos 50, que fala sobre o que poderia calar e cala sobre o que precisaria falar’.

As críticas à Declaração de Chapultepec começam pelo item 1. Está dito lá que o exercício da liberdade de informar ‘não é uma concessão das autoridades’. O advogado rebate, lembrando que, em toda parte, algum controle sempre existe. No item 2 é declarado que ‘toda pessoa tem direito de buscar e receber informações e divulgá-las livremente’. Cavalcanti discorda, afirmando que há informações que simplesmente não podem ser divulgadas. ‘Como os locais onde vão ocorrer batidas policiais, planos econômicos, exames médicos, projetos militares ou correspondência com países estrangeiros. Nada disso se divulga em nenhum país do mundo. A tendência, no futuro, será fixar limites cada vez mais precisos em relação às informações que podem ser acessadas.’

As críticas seguem no item 3 da declaração, onde está escrito que ‘as autoridades devem estar legalmente obrigadas a pôr à disposição dos cidadãos a informação gerada pelo setor público’. Cavalcanti lembra que há sigilos legais que precisam e devem ser preservados – como o fiscal, o bancário e o profissional –, além de tantas situações em que o interesse coletivo ou a proteção da privacidade exigem reserva. ‘Porque nem sempre democracia é informar. Às vezes, e por estranho que à primeira vista isso possa parecer, democracia é não informar’.

Ao encerrar a relação de tópicos passíveis de revisão, Cavalcanti lamenta a inexstência de referências a temas atuais em debate, como as relações entre informação e formação de nossas crianças; liberdade de informar e responsabilidade no uso dessa liberdade; informação, interesse coletivo e privacidade; direitos e deveres na circulação de informação cibernética; e preservação de identidades culturais e globalização.

O presidente do CCS defende controles democráticos nas relações entre a mídia e os cidadãos, em três planos principais: direito de resposta, fixação da empresa de comunicação como responsável principal pela notícia (sendo subsidiária a responsabilidade do jornalista) e indenização proporcional ao dano.

Privacidade e honra

O direito de resposta existe na legislação brasileira, mas Cavalcanti argumenta que o instrumento precisa tornar-se efetivo. Como? ‘Distinguindo resposta de retificação; tratando diferentemente resposta na imprensa escrita e em rádio ou televisão; garantindo que, em casos de falsidade difusa sobre questões de interesse público, qualquer pessoa tenha legitimação para requerer resposta; condicionando o requerimento, em juízo, à antecedente pedido de resposta diretamente ao meio de comunicação.’

Cavalcanti considera conexos os princípios de responsabilidade principal da empresa de comunicação e a não limitação à indenização. Até porque, explica, em todo lugar do mundo o veículo de comunicação (e não o jornalista) paga o prejuízo – material e moral – que produz. ‘Uma Lei de Imprensa democrática deve contribuir para que os jornais pensem duas vezes antes de invadir nossas privacidades e nossas honras. Porque, mantido o cenário atual, continuaremos todos a ser vítimas impotentes e indefesas, réus infelizes perante o Grande Tribunal onisciente e onipotente da mídia.’

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Jornalista; foram utilizados neste texto, com a autorização do entrevistado, trechos de artigos de sua autoria publicados nos jornais Folha de S.Paulo, Correio Braziliense e Jornal do Commercio (Pernambuco).