A discussão acerca do marco regulatório das comunicações há alguns meses está em alta no Brasil. Ela surge impulsionada pela necessidade que diversos países encontram para suportar legislativamente novas regras competitivas para um setor dinâmico e convergente, que atualmente se mostra altamente promissor para investimentos. A revisão no arcabouço regulatório torna-se imprescindível, portanto, em diversos países que já rediscutem suas leis, mas principalmente em países latino-americanos que o fazem, cada vez mais, assumindo a importância do setor para a sua consolidação democrática.
No Brasil, essa conjuntura refletiu na realização da Confecom, em 2009. As propostas ali acordadas, num debate envolvendo os diversos atores interessados, aliadas a audiências públicas e outros debates com especialistas, se desdobraram na elaboração por uma comissão interministerial de um projeto de revisão para o marco brasileiro. Ao final do governo Lula, tal projeto foi entregue ao novo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que até agora tem adotado uma postura política retraída, na qual não se posiciona nem se compromete sob o argumento de que se trata de um debate bastante conflituoso e complexo que deve ser tratado com parcimônia.
Para que serve o discurso da cautela? Talvez uma questão mais objetiva seria entender a quem serve o discurso da cautela que sempre é colocado quando a discussão acerca da regulação das comunicações no Brasil ameaça englobar o setor de radiodifusão.
O discurso da diplomacia
Historicamente, assistimos à repetição desta lógica. Foi assim com os projetos anteriores de uma Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa (LGCEM), com a proposta da Ancinav, ou PL 29, atual PLC 116. Foi assim, simbólica e especialmente, no ano de 1994, quando na privatização das telecomunicações durante o governo FHC às telecomunicações ficavam instituídos nova lei geral e novo órgão regulador, enquanto a radiodifusão permaneceu regida pelo Minicom e pelo remendado Código Brasileiro de Telecomunicações, que na prática representa até hoje uma ausência de regulação no setor.
Durante décadas o discurso diplomático apenas foi capaz de mascarar uma falta de vontade política dos legisladores e um receio de enfrentar o poderoso arsenal midiático que as famílias das comunicações no Brasil foram capazes de criar com sua barganha política mais poderosa: a opinião pública e eleitoral. A desculpa da censura já virou bordão batido. Sempre é utilizada quando a possibilidade de uma discussão regulamentar desponta no horizonte. A desculpa da proteção à cultura nacional utiliza uma motivação nobre que, embora pertinente, obscurece os reais interesses daqueles que não querem ver seu setor invadido por competidores de fortíssimo poder econômico: os empresários de telecomunicação.
E, repetindo uma lógica já histórica no país, mais uma vez se assiste à reinvenção e à manutenção do status quo dominante na mídia brasileira, especialmente a televisiva. Mais uma vez, o discurso da diplomacia entre conflitos parece arrefecer o debate, mais do que nunca em déficit no seio de um aspecto tão fundamental para a democracia do país.
Sem arrefecer
Enquanto isso assistimos a outros países avançarem em seus debates normativos do setor de comunicação e entrarem em níveis mais adiantados de debate. Não é necessário aqui nos remetermos à comparação com países de economia mais avançada, cuja comparação parece tantas vezes injusta ou infundada. É possível observar, na própria América Latina, países como Argentina e Venezuela, nossos irmãos de raízes históricas coloniais e ditatoriais, fomentarem um debate tão fundamental para sua consolidação democrática. Isso não foi possível senão à custa de ferrenho embate político entre Estado e empresários de mídia. Na Argentina, uma nova lei foi capaz de rachar a estrutura do poderoso grupo Clarín, enquanto na Venezuela a aplicação efetiva de uma lei que já existia trouxe nova configuração para o setor. Além desses, outros países, como Equador e Bolívia, também assistem a uma efervescência dessa discussão – e não é para menos.
É inadmissível o permanente adiamento de ações mais efetivas para a reestruturação do modelo brasileiro de comunicação, assim como a dispersão do debate sobre um marco regulatório que englobe a radiodifusão no Brasil em nome da manutenção de uma estrutura arcaica que se utiliza de um bem público para a satisfação econômica e política de uma elite restrita e prejudica tantos outros. É inadmissível permitir que o debate, especialmente com o patamar que alcançou entre a sociedade civil e a conquista que representou a realização da Confecom, arrefeça mais uma vez por conta de uma ausência de vontade política disfarçada pela retórica da cautela.
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Doutoranda em Comunicação e Cultura Contemporâneas – Póscom/UFBA e professora, Salvador, BA