Tão logo tomou posse como ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Edinho Silva foi instado a renovar o compromisso com o uso de “critérios técnicos” na aplicação do orçamento destinado a campanhas de publicidade institucional e de utilidade pública. Prometeu segui-los, levado provavelmente pela inércia administrativa.
Os critérios para o uso de R$ 200 milhões da publicidade do Governo Federal têm sido objeto de um debate muitas vezes tão acalorado quanto equivocado. Duas visões se contrapõem. De um lado, defensores da aplicação da “mídia técnica” defendem que os recursos da Secom sejam carreados aos meios e veículos de comunicação segundo a audiência nacional que cada um tem. Segundo seu share, para usar o jargão da área. Do outro lado estão os apoiadores de uma utilização mais discricionária dos recursos, que privilegie veículos de comunicação alternativos à grande mídia e, com alguma frequência, mais alinhados às posições do Governo Federal.
Comum a ambos é a premissa de que os veículos, por sua audiência ou posições editoriais, fazem jus a recursos orçamentários. Parte-se do princípio – equivocado – de que os veículos têm direito a uma fatia do orçamento anual da Secom.
O que parece faltar às duas perspectivas é base legal. Como órgão integrante da administração pública direta da União, a Secom deve obedecer, entre outros, aos princípios da legalidade, da impessoalidade e da eficiência (Constituição Federal, Art. 37). Portanto, está obrigada a seguir a legislação, não pode adotar critérios discricionários (como a linha editorial de cada veículo) e deve buscar maximizar o alcance de suas ações de comunicação ao menor custo possível. A aplicação discricionária de recursos por critérios editoriais, portanto, não tem amparo constitucional.
Titulares de direito
Além da Constituição, a base legal da Secom está ancorada no decreto 6.555/2008, que “dispõe sobre as ações de comunicação do Poder Executivo Federal”. Tampouco há ali qualquer expressão que autorize uma interpretação segundo a qual veículos têm direito a frações orçamentárias por um “critério técnico”. Ao contrário.
O principal objetivo da Secom, segundo o decreto, é dar amplo conhecimento à sociedade das políticas e dos programas do Poder Executivo Federal. Frise-se, divulgar as ações do governo, sejam elas de interesse geral ou de segmentos específicos da sociedade (como estudantes, investidores, idosos ou motociclistas). As diretrizes para a execução de ações de comunicação estabelecidas pelo mesmo decreto dizem que a Secom deve cuidar da “adequação das mensagens, linguagens e canais aos diferentes segmentos de público”. Ou seja, a secretaria deve ser eficiente em cada uma de suas ações. Portanto, deve comprar espaços em veículos segundo sua audiência relevante para a ação específica de comunicação. É este o detalhe importante que tem sido olvidado.
O critério de “mídia técnica”, tal como é defendido atualmente, mira a última linha do orçamento anual da Secom e considera que se determinado veículo tem 20% da audiência nacional, ele fará jus, ao final do exercício fiscal, a 20% do orçamento de mídia da Secom. Com base no decreto 6.555, contudo, não há nenhum dispositivo que apoie essa expectativa.
O que o decreto prevê é que, se um veículo tem 20% da audiência relevante – frise-se, relevante – para determinada ação de comunicação, ele pode esperar ter 20% da alocação específica de recursos destinados a essa mesma ação de comunicação, sempre que não haja desequilíbrio entre os preços relativos. Ou seja, o critério de “mídia técnica” sancionado pelo decreto é específico, por ação de comunicação, não geral e sobre o total de recursos de mídia investidos anualmente pela Secom.
Se antigas e novas mídias querem ter direito a recursos federais, estaduais e municipais, devem promover uma lei específica ou advogar a mudança da regra atual. O marco regulatório atual oferece discricionariedade à Secom, mas apenas para decidir os temas de suas campanhas. Na aplicação dos recursos, o mandamento legal ordena a eficiência em cada plano de mídia isoladamente. Não uma conta de chegada que agrade os veículos.
Se há titulares de direito aqui, estes são o Governo Federal – no caso de campanhas institucionais – e as audiências – no caso das campanhas de utilidade pública. Não os veículos.
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Wladimir Gramacho é professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília