Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O financiamento da próxima campanha eleitoral

Badalada como sendo uma conferência ‘ampla e democrática’, a Confecom – I Conferência Nacional de Comunicação pode ser tudo, menos democrática. Sua amplitude é centenas de vezes maior para os capitalistas e reduzidíssima para a representação da classe trabalhadora. Um espetáculo de enganação.

Afinal, ela tem uma trajetória que, como tudo, neste quinto dos infernos e em qualquer outro lugar do planeta, é fruto de uma queda de braço entre todos os interesses em questão. Dialeticamente.

Os políticos, pouco importa de que partido sejam, quando no centro do governo, observam o poder de fogo das partes conflitantes. Constatam facilmente que os empresários têm elevada capacidade de financiamento de campanha, permitindo conseguir mais votos do que os movimentos sociais têm para oferecer ou tirar. Privilegiam o interesse dos capitalistas sobre o da classe trabalhadora, extremamente desorganizada e alienada. Em nosso caso particular, é o Partido dos Trabalhadores financiado pelo Partido dos Patrões.

‘Ou é do nosso jeito ou não tem conferência.’ É assim que o governo Lula vem conduzindo esta Confecom. Isto é:

** 40% dos delegados para os empresários;

** 20% para o governo, cujas campanhas políticas passadas e futuras serão financiadas pelos empresários em geral (usuários da mídia para seus anúncios);

** 40% para os movimentos sociais.

Mera massa de manobra

Mesmo muitas das comissões estaduais tendo desaprovado formalmente tal negociata, emitindo nota pública sobre o assunto, ela foi aceita por seus representantes em nível nacional. Ou seja: as bases são contra, mas as lideranças aprovam o que elas condenam. Dizem que isto é democracia. Vejamos os documentos que as estaduais (etc.) produziram:

** BA: Hélio Costa, não ache que o povo é besta!

** ES contra proposta oficial de delegados e quórum

** PI: É um absurdo 40-20-40 e quorum de 60%!

** PR: Governo e empresários contra a democracia

** RJ condena propostas do governo!

** RS: Bechara, empresários representam 40% da sociedade?

** SE: por uma Conferência de verdade!

** SP: Governo supervaloriza setor empresarial

** CUT: Donos da mídia violam diariamente a democracia

** Miro Borges: Governo se acovarda novamente

De gorjeta, os empresários e governo (caso não sejam a mesma coisa!) levam ainda o quorum privilegiado de 60% de votos necessários para aprovar os temas que eles não querem que sejam abordados. Ou seja, em função do natural conflito de interesses entre empresários e movimentos sociais, o governo será o fiel da balança e poderá vender facilidades mais caro, para ficar do lado dos empresários, assegurando mais recursos para seu caixa um, dois, três etc.

O mais interessante é que há um silêncio tácito de quase todos os envolvidos, procurando demonstrar os ganhos que se pode ter, além de chorar sobre o leite derramado. Não reconhecem que serão mera massa de manobra para legitimar os interesses dos empresários e do governo por estes financiado.

Um manto de silêncio e proibição

Mas, por que ninguém tem coragem para dizer a verdade? Que os movimentos sociais foram obrigados a assumir uma posição que não querem graças ao conluio do governo com os empresários? ‘Ou a gente aceita, ou o governo não vai fazer a conferência.’ Chantagem da grossa.

Seria porque grande parte das organizações dos movimentos sociais é composta basicamente por petistas, portanto, a serviço dos interesses do partido, antes de tudo? Mais exatamente: tudo em troca do financiamento da próxima campanha eleitoral do PT.

A ABCCom – Associação Brasileira de Canais Comunitários, como as rádios comunitárias, que não se cansa de ser enganada por este governo, acreditando ingenuamente que estamos em uma República, e não em uma ‘reparticular’, emitiu nota em que defende:

‘A introdução desse tema na agenda pública das discussões nacionais já é uma revolução, em todos os sentidos que se possa analisar. Esse assunto é tão emblemático e por isso sempre esteve envolto num manto de silêncio e proibição que arriscamos a dizer, quaisquer que sejam as conclusões da 1ª Confecom, a vida republicana já não será a mesma após a sua realização. (…) Dizemos mais, não há possibilidade da conferência não representar uma mudança de qualidade nos rumos da comunicação no país.’

Um processo ‘amplo, democrático e popular’

Chamar isto de ‘revolução’ é abusar da inteligência do leitor. ‘Em todos os sentidos que se possa analisar!’ Ou admitir a própria ignorância. No máximo, seria mais um passo numa caminhada iniciada há dez anos, na qual ainda teremos de percorrer, pelo menos, um século.

Como pode a Confecom mudar alguma coisa, se a própria ABCCom foi a primeira a apoiar a imposição do governo de entregar 40% dos delegados e 60% do quorum para os empresários, igualando o poder do capital ao do trabalho?

Desconhece a entidade que apenas uma ínfima parte da população estará tomando conhecimento, com a profundidade necessária para formar uma opinião defensável, sobre os temas debatidos na Confecom, da mesma forma que ocorreu nos demais setores onde já aconteceram várias conferências. Basta, no dia 04/12/2009, após a Confecom, ir para a praça principal das grandes cidades do país e pesquisar sobre o assunto com a população e constatar que, no interior, a coisa ainda será pior.

Para o deputado Pedro Wilson (PT-GO), vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o desafio agora é reforçar a mobilização popular. ‘As definições do universo de delegados e delegadas (20% para o poder público, 40% para os empresários e 40% para a sociedade civil) e do `quorum qualificado´ de 60% para aprovação de `temas sensíveis´, embora não representem o desejo e o pensamento dos setores que há vários anos vêm reivindicando a Conferência, não podem arrefecer o ânimo e a disposição para que tenhamos um processo amplo, democrático e verdadeiramente popular’, defende o parlamentar em nota que está sendo distribuída na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, que teve início nesta quinta-feira (27/8), em Brasília, e prossegue até o dia 30 (ver aqui).

Engolir sapos, calados

Este deputado deve estar brincando! Como não ‘arrefecer os ânimos’, diante de tamanha truculência? Diante de tamanha afronta à democracia que ele ainda julga possível existir? Isto é uma ‘delubiocracia’, nobre deputado… O negócio é faturar a qualquer custo, uma verbinha para a campanha.

‘A mídia está para as pessoas assim como o vidro está para a mosca’ (Jean Baudrillard).

Chega de inocência, hipocrisia e meias-verdades! Vamos assumir formalmente a ditadura da mídia neste país.

Leiam o livro do Altamiro Borges e descubram se A Ditadura da Mídia (título da obra) sustenta ou não a ditadura política, econômica e social sob a qual vivemos. Leiam Perseu Abramo. E verão que ela é pior que a ditadura pseudo-militar, por sua sutileza…

No livro, editado pelo Conselho Federal de Psicologia, Mídia e Psicologia: Produção de Subjetividade e Coletividade isto é detalhado ao extremo, por vários palestrantes presentes no Seminário Nacional sobre o tema [disponível aqui].

Os movimentos sociais vão denunciar esta ditadura ou preferem continuar fingindo que estamos em uma democracia, onde uma elite recebe prioritariamente o fruto do imposto que os trabalhadores pagam, percentualmente, muito maior que o dos grandes empresários? Onde os milionários crescem a 19% ao ano, enquanto a classe média se arrasta nos 4%? Ou em troca destes louváveis 4% de crescimento temos de engolir, calados, sapos barbudos ou imberbes, ou sendo obrigados a representar um ritual e fingir que está tudo lindo, maravilhoso?

‘Vergonha de ser honesto’

Onde está a ética e a qualidade da informação badalada pela Fenaj – Federação Nacional de Jornalistas? Só existe, quando o diploma é obrigatório? Existiu nas últimas décadas, antes de deixar de sê-lo? Quem tem coragem para dizer a verdade? Raros ousam afirmar publicamente o que praticam nos bastidores do poder: numa eleição, a única coisa vergonhosa é perdê-la.

Vemos, então, na Confecom, no Executivo, no Senado e na Câmara Federal, a mesma ética do STF, demonstrando, em sua sórdida inteireza a cara do país que absolve os Sarneys, Edmares Moreiras, Danieis Dantas e Paloccis, mas castiga os Protógenes, os De Sanctis e os Francenildos (plagiando Augusto Nunes).

Rui Barbosa deve estar se revirando em seu túmulo, um século após denunciar, no Senado Federal, o que já acontecia no governo brasileiro de sua época:

‘De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto’ (Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86).

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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos direitos humanos, membro do Conselho Consultor da CMQV – Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (www.cmqv.org)