Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘O governo não vai investir bilhões em banda larga’

‘O governo tem de cuidar do lado fiscal. Não nos cabe investir pesadamente em banda larga. Tinha gente até dentro do governo que achava que o governo deveria botar alguns bilhões e fazer a infraestrutura do Plano Nacional de Banda Larga. Não vamos fazer isso. Aliás, quero lembrar o seguinte: nós privatizamos o serviço. Então não dá para cobrar do governo que faça essa infraestrutura.’

Com essas palavras, o ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, em entrevista exclusiva ao Estado, esclarece de forma definitiva sua posição sobre o que poderia ser um retrocesso no modelo das telecomunicações. Ele espera que as concessionárias cumpram a sua parte na questão da banda larga: ‘Depois, então, vamos discutir quanto temos de colocar. Até porque o orçamento do Ministério das Comunicações foi cortado em 55%. Eu não vou ficar correndo atrás do Guido Mantega (ministro da Fazenda), nem da Míriam (Belchior, ministra do Planejamento) para arrumar dinheiro.’

O ministro lembra que o problema das concessões de rádio e TV a políticos vem de longe. ‘Até 1988, durante a Constituinte, centenas de concessões de rádio e TV foram distribuídas àqueles parlamentares que votassem em favor de certas teses.’ Mas esse modelo precisa ser revisto, ‘de modo a torná-lo mais descentralizado e mais democrático’. No caso de emissoras em nome de terceiros, ou seja, de laranjas, ‘a legislação atual já tipifica esse procedimento como crime’. O ministro acha até que ‘o Ministério Público e a Polícia Federal deveriam estar cuidando disso’.

Paulo Bernardo não aceita a tese da independência das agências reguladoras: ‘Que é isso? O que elas têm de ter é autonomia. Acho que a agência tem de ter autonomia para decidir as coisas no âmbito da regulação, de fiscalização, de como fazer e quando fazer uma licitação. Mas não para formular políticas públicas. Todos os ministros têm autonomia. Nem a Dilma nem o Lula ficam olhando o que eu faço aqui. Se eu fizer lambança, aí sim, eu vou ter que responder.’

A seguir, trechos da entrevista.

‘Tudo depende do marco regulatório’

O Ministério das Comunicações foi praticamente esvaziado no governo Lula. A presidente Dilma pretende resgatar o papel da pasta?

Paulo Bernardo – A presidente Dilma considera as Comunicações uma área absolutamente vital para o Brasil hoje. De certo modo, a expectativa do governo é a mesma da sociedade. Estamos nos preparando para ser a quinta economia do planeta. E, cada vez mais, o mundo e o país dependerão da informação. Muito mais do que realizar, cabe-lhe definir políticas públicas, envolvendo, entre outros segmentos, a internet e a política industrial.

O sr. declarou ser contra a concessão de emissoras de rádio e TV para políticos. Há como reverter o que foi feito?

P.B. – Há distorções que ocorreram antes da Constituição de 1988. Até então, as concessões eram gratuitas, benesses. Sabemos que, durante a Constituinte, centenas de concessões de rádio e TV foram distribuídas a parlamentares que votaram a favor de certas teses. Essas distorções precisam ser corrigidas. Mas temos de ser realistas na hora da correção, pois as leis não têm efeito retroativo.

Mas o que acontece com as concessões em vigor?

P.B. – Tudo depende do marco regulatório. Poderemos corrigir todos os casos na hora da renovação da concessão. Isso levará, naturalmente, oito ou 10 anos para que possamos corrigir tudo.

‘Selecionamos por currículo e nomeamos’

Um dos instrumentos para correção é o cadastro das emissoras. É público e notório que esse cadastro apresenta nomes de terceiros em lugar dos verdadeiros donos. O que fazer?

P.B. – Ouço sempre essa acusação, de que as emissoras estão em nome de terceiros. A legislação atual já tipifica esse procedimento como crime. Não precisamos mudar nada. É o mesmo que abrir uma padaria em nome de laranjas, para lavar dinheiro. É bom lembrar que fazemos o cadastro com base em documentos oficiais, com fé pública. Se houver indícios claros de que os titulares não são os verdadeiros donos, vamos punir os culpados.

O sr. pretende cuidar da apuração desses casos?

P.B. – Com sinceridade, acho que o Ministério Público e a Polícia Federal já deveriam estar cuidando disso.

Os recentes escândalos dos Correios não são fruto de uma barganha política na escolha dos dirigentes?

P.B. – Não sei. Acho que foi um descuido. Hoje temos uma diretoria que não foi indicada por ninguém, nenhum partido. Selecionamos todos por currículo e os nomeamos. Não sei se vai funcionar, mas fizemos o melhor. O que aconteceu no passado foi um problema de gestão.

Esse não é o critério que deveria prevalecer em todas as nomeações?

P.B. – É claro que sim. Mas temos também um sistema político.

‘Ninguém tem todo o dinheiro que quer’

As indicações políticas sempre foram um problema para as agências reguladoras. As coisas vão mudar neste governo?

P.B. – Quando a Anatel foi criada, ficou definido que a agência seria do PSDB. A Aneel (do setor elétrico) e a ANP (de Petróleo), do PFL. A ANTT (Transportes), do PMDB. Todos indicados por interesses políticos. Não fomos nós que inventamos isso. Nossa divergência com as agências reguladoras, no início do governo passado, era quanto à prerrogativa de definir políticas públicas, o que cabe ao Executivo. O que cabe a elas é fiscalizar e regular os serviços. É isso que está na lei.

Alguns criticam a falta de independência das agências. Há interesse em resolver isso?

P.B. – Muitos dizem que as agências têm de ter independência. O que elas têm de ter é autonomia. Isso, sim. Todos os ministros têm autonomia. Nem a Dilma nem o Lula ficam olhando o que eu faço aqui. Se eu fizer lambança, aí sim, vou ter de responder. A agência tem de ter autonomia para decidir as coisas no âmbito da regulação, da fiscalização. As pessoas também argumentavam, quando estava no Ministério do Planejamento, que as agências tinham de ter seu orçamento todo liberado. Por quê? Ninguém, em nenhum lugar do mundo, tem todo o dinheiro que quer.

‘Se as empresas oferecerem um serviço melhor, aí vamos ver o que falta’

A Anatel seria mantida pelo Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), cuja arrecadação é seis ou sete vezes maior do que o orçamento da agência. O que acontece com o excesso de arrecadação?

P.B. – Fica no Tesouro Nacional. Temos de suprir – seja a Anatel, seja qualquer outra agência – com um orçamento condizente com as necessidades. Eles recebem bem, não têm dificuldades em trabalhar.

O governo se apropria dos recursos dos três fundos do setor, que juntos arrecadaram R$ 32 bilhões desde que foram criados. Esse montante não poderia ser aplicado em coisas como a banda larga? Daria para fazer uma rede como a da Coreia.

P.B. – Daria, só que continuaríamos tendo problema de equilíbrio fiscal, continuaríamos tendo o problema da carga tributária alta. Essas coisas não podem ser feitas isoladamente. O governo tem de cuidar do fiscal, não podemos abandonar isso, e temos de fazer esse tipo de investimento. Agora, quero lembrar o seguinte: nós privatizamos o serviço. Não dá para cobrar que o governo faça essa infraestrutura.

Mas a lei de telecomunicações diz que o governo pode desapropriar essas redes e fazer uma só, a rede compartilhada, ou unbundling.

P.B. – Pode, mas isso é uma briga medonha, do ponto de vista político, do ponto de vista jurídico. O que temos dito para as empresas é que, primeiro, vamos fazer com que as concessionárias cumpram sua parte. Depois, vamos discutir quanto o governo terá de colocar. Cortaram meu orçamento em 55%. Não vou ficar correndo atrás dos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Míriam Belchior (Planejamento) para arrumar dinheiro e as empresas, que estão com capacidade instalada, vendendo serviço caro. Elas vão ter de ajudar nisso. Temos de acertar com as empresas para que elas ofereçam um serviço melhor e, aí, vamos ver o que falta. Por isso não estamos falando em universalização.