O presente artigo pretender abordar alguns conceitos de comunicação comunitária. Com a ampliação do número de estações de rádios comunitárias no Brasil e a crescente necessidade de se popularizar uma comunicação voltada para a cidadania e distanciada de interesses puramente comerciais e político-partidários, a abordagem desta temática mostra-se necessária para a difusão de novas concepções acerca desse ângulo da comunicação social.
Para a elaboração deste trabalho, levou-se em consideração os estudos de autores que desenvolvem o tema há bastante tempo. Uma breve exposição de conceitos elaborados por Cicilia Maria Krohling Peruzzo, Paulo Freire, Márcia Vidal Nunes, Felipe Pena, José Marques de Melo, Pedrinho Guareschi, Roger Silverstone, entre outros, pontuam o texto de forma concisa.
Na primeira parte do trabalho, é apresentado um pequeno histórico da Rádio Comunitária Sisal FM, do município de Picuí (PB), mostrando a sua vinculação ao comando de um político local.
Na parte seguinte, a participação dos cidadãos na produção das mensagens dos veículos comunitários é mostrada como sendo muito mais uma luta que deve ser empreendida pelos agentes sociais do que um direito que é assegurado sem quaisquer obstáculos.
Por último é analisada a forma pela qual é produzido o jornal veiculado na Rádio Sisal FM, intitulado Jornal da Sisal.
A metodologia para a análise do Jornal da Sisal consistiu na gravação de quatro de suas edições, levadas ao ar entre os dias 09 e 12 de abril de 2007. Em seguida foram contabilizadas as chamadas de notícias divulgadas durante o período no programa citado, para se saber quantas eram de caráter local/comunitário e quantas eram extraídas de veículos maiores.
Breve histórico
Pelo fato de o MC só emitir concessões de rádios comunitárias para fundações e associações comunitárias sem fins lucrativos, foi criada em Picuí (PB) a Associação Picuiense Artística e Cultural de Radiodifusão Comunitária (APARC).
A entidade citada tem como atual presidente Diego Bruno Araújo de Negreiros e possui a concessão da Rádio Comunitária Sisal FM. O referido presidente é filho do vereador José Onildo de Negreiros (PPS), pessoa que controla a emissora como um proprietário particular.
Extensamente proselitista, a Sisal FM pratica uma ‘comunicação’ centralizada na verticalização do poder e na negação do direito de a comunidade se expressar.
No site da entidade (www.sisalfm.com), o processo comunitário é negado e o vereador aparece soberano e como o único sujeito no processo de criação da rádio.
Na primeira pessoa do singular, negando a dimensão participativa determinada por lei para o processo de concessão, o texto, do tópico história, afirma que ‘José Onildo de Negreiros […] realizou seu sonho e criou a Rádio Sisal FM. […] Depois de quatro anos de muita luta e obstinação do idealista José Onildo de Negreiros, nasceu a Rádio Sisal FM em 11 de novembro de 2002.’
Se o processo de concessão de outorgas para as RADCOM contempla a exigência de um documento chamado Manifestação de Apoio à Iniciativa, fica clara a impossibilidade de uma única pessoa ter, de forma isolada, obtido uma permissão para operar uma rádio comunitária.
Embora haja a explícita proibição de arrendamento de horários nas RADCOM, na Sisal FM isso é uma regra que não é cumprida.
Propagandas comerciais rotuladas de ‘apoio cultural’, para driblar a legislação, são veiculadas durante a programação da emissora. No site da rádio há o explícito desrespeito às normas nacionais. No tópico ‘Ibópe’ (sic) lê-se: ‘[…] Em nossa programação, seu produto, sua empresa, seu comercio (sic), terá (sic) o destaque e retorno comercial que você anunciante deseja e precisa.’
A Norma Complementar nº. 1/2004 define o que é ‘apoio cultural’. No item 19.6.1 desse instrumento legal lê-se:
‘Entende-se por apoio cultural o pagamento dos custos relativos à transmissão da programação ou de um programa específico, sendo permitida, por parte da emissora que recebe o apoio, apenas veicular mensagens institucionais da entidade apoiadora, sem qualquer menção aos seus produtos ou serviços.’
Compromisso com a cidadania
Há também, além dos ‘apoios culturais’, ajustados por contratos comerciais, a veiculação de programas pagos distribuídos pela grade de programação da emissora.
Os contratos descrevem regras que as partes são obrigadas a cumprir. Uma delas é o pagamento de R$ 500,00 pelo uso do espaço ‘comunitário’. Já os anúncios custam R$ 50,00 e são transmitidos em três chamadas diárias pelo período de um mês.
É proibida a transmissão gratuita de programas de entidades sociais na Rádio Sisal FM. Na grade de horários, também disponível no site da rádio, há um programa intitulado ‘Associativismo e cidadania’ que, na verdade, não é transmitido.
A negação do direito da comunidade se expressar na rádio levou o Centro de Educação e Organização Popular (CEOP) e a Igreja Católica de Picuí, com o apoio da comunidade, a denunciarem os abusos cometidos pelo vereador José Onildo na gestão ilegal da rádio Sisal FM. O processo N°. 53000007029/2005-00, que tramita na Secretaria de Serviços de Radiodifusão (SSR) do Ministério das Comunicações (MC) desde o dia 16/02/2005, é um apelo para se devolver à comunidade aquilo que o próprio governo normatiza como sendo dela.
Tudo o que se verifica no trabalho desenvolvido pela APARC no município de Picuí é fruto da manipulação e da privatização de uma concessão pública usada para fins comerciais e político-partidários.
O conselho comunitário da rádio é formado por funcionários e parentes do vereador José Onildo. O próprio presidente da APARC não reside na área de cobertura da rádio e, sim, em João Pessoa, onde é servidor público comissionado.
O fato de transferir a terceiros o direito de exploração do serviço de RADCOM já se configura como uma infração à lei. Adicionando os comerciais, a venda de horários, a proibição de espaço para entidades sociais e, ainda, a transmissão radiofônica numa área maior do que o estabelecido pela legislação – todos, problemas encontrados na Rádio Sisal FM –, não se pode afirmar que esta emissora é, de fato, uma estação comunitária.
Na concepção de Peruzzo apud Márcia Vidal Nunes (2000, p. 5):
‘[…] Uma rádio comunitária, para ser assim caracterizada, mais que se circunscrever a uma localidade e falar das suas coisas, não pode ter fins lucrativos, ao mesmo tempo em que deve ter programação comunitária e gestão coletiva, ser interativa, valorizar a cultura local e ter compromisso com a cidadania e a democratização da comunicação.’
Para uma rádio ser comunitária é fundamental a efetiva participação da comunidade no processo de gestão do veículo e produção das mensagens a serem veiculadas.
Tendência emancipadora
Os meios de comunicação têm o poder de construir a realidade. A partir de um recorte no cenário dos fatos e acontecimentos da sociedade, a mídia de massa produz efeitos predeterminados sobre a sua audiência.
O sociólogo Herbert de Souza (2005, p. 36-37) afirma que ‘a forma de controle social talvez mais eficiente na sociedade moderna é a informação.[…] Informação é poder e produzir informação é produzir as condições da existência e exercício do poder político’.
Para Guareschi (2004, p. 14-15):
‘[…] Podemos também afirmar que quem detém a informação, detém o poder. Se é a comunicação que constrói a realidade, quem detém a construção dessa realidade detém também o poder sobre a existência das coisas, sobre a difusão das idéias, sobre a criação da opinião pública.’
A comunicação comunitária surge nessa conjuntura como rota alternativa para a cidadania. Uma característica desse tipo de comunicação refere-se exatamente à participação do receptor na produção das mensagens e na gestão dos meios.
Fazer comunicação comunitária é efetivar a liberdade de expressão na mais verdadeira acepção do termo.
Enquanto a mídia de massa cria uma realidade ilusória, distante da verdade, onde se proliferam o culto às ‘autoridades’ e a valorização de poucos sobre muitos, a comunicação comunitária segue uma tendência emancipadora:
‘[…] A comunicação popular, que hoje chamamos de comunitária, surge e se desenvolve articulada aos movimentos sociais como canal de expressão e meio de mobilização e conscientização das populações residentes em bairros periféricos e submetidas a carências de toda espécie; de escolas, postos de saúde, moradia digna, transporte, alimentação e outros bens de uso coletivo e pessoal, em razão dos baixos salários ou do desemprego.’ (PERUZZO, 2003, p. 247)
O controle social dos poderosos
A comunicação comunitária é o instrumento popular de mobilização. Por ela é possível integrar os desejos de mudança das classes subalternas. Por ela o povo pode informar e ser informado de maneira horizontalizada, compartilhada, autêntica e interativa. A comunicação comunitária requer a participação do receptor na elaboração dos seus conteúdos.
Para Uranga (1989, p. 122):
‘[…] A produção da mensagem popular corre por conta dos próprios grupos, das comunidades, sindicatos e organizações de base, utilizando para isso a linguagem que lhes é própria, também dissonante com o estilo e formato comercial.’
Para que a comunidade, entendida como um agrupamento social ligado por interesses afins, possa ter acesso aos meios de comunicação e torná-los verdadeiramente comunitários, é fundamental o sentimento de luta pela participação na produção e gestão desses espaços.
Ora, por mais que exista legislação e ampla fundamentação teórica sobre a comunicação comunitária enquanto direito do povo, a luta pela sua verdadeira realização é uma necessidade constante.
De acordo com Peruzzo (2003, p. 251), ‘[…] nem todos os meios de comunicação comunitários são abertos à participação ampliada do cidadão, ou seja, à facilitação da participação nas decisões relativas a linha editorial, programação e gestão’.
Portanto, procurar participar da comunicação é agir de acordo com a cidadania, Peruzzo (2003, p. 256) confirma que ‘cidadania quer dizer participação, nos seus múltiplos sentidos e dimensões, incluindo a cidadania cultural, que perpassa o direito à liberdade de expressão’.
Nessa perspectiva, vale ressaltar a abordagem de Munõz (1989, p. 145) que afirma que a comunicação comunitária:
‘[…] se resume na participação de moradores locais como planejadores, produtores e intérpretes dos meios de comunicação da comunidade. Esses meios de comunicação funcionam muito mais como instrumentos de comunicação da comunidade do que para a comunidade. Portanto, a comunicação comunitária se caracteriza por um intercâmbio de idéias, de notícias, e não por uma transmissão unilateral das informações’.
A comunicação comunitária é efetivada com a comunidade, e não tão-somente para a comunidade. Para que ela funcione efetivamente, é preciso que os entes que se utilizam dela participem da sua construção. Seu principal esforço se dá no sentido de democratizar a comunicação e livrá-la do rótulo da falsidade, bem como, do serviço prestado ao controle social dos poderosos sobre o conjunto da sociedade, sobre a maioria despolitizada e desapropriada dos bens de produção material e cultural.
Acesso aos benefícios
A regulamentação da comunicação comunitária é um fato recente. Após vinte anos de luta das rádios livres no país, enfim, no dia 19 de fevereiro de 1998 foi sancionada, pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, a Lei nº. 9.612.
O diploma foi posteriormente regulamentado pelo Decreto Nº. 2.615 de 03 de junho de 1998. A legislação básica do Brasil que dispõe sobre a radiodifusão comunitária, apesar de receber muitas críticas, encerra um amplo avanço pela democratização da comunicação social no país.
De acordo com o Ministério das Comunicações (MC), as concessões de Rádios Comunitárias (RADCOM) só são outorgadas a fundações e associações comunitárias sem fins lucrativos.
Uma RADCOM deve operar em Freqüência Modulada (FM), num raio menor ou igual a 1 Km de distância, ter sistema irradiante com potência de transmissão restrita a 25 Watts e antena não superior a 30 metros de altura.
As outorgas para o funcionamento das RADCOM são concedidas, de acordo com a Lei nº. 10.597, de 11 de dezembro de 2002, por um período de dez anos. Para que a concessão permaneça com as instituições sociais que as detêm, é preciso que cumpram uma série de requisitos tais como: não veicular propaganda comercial; não operar em rede, salvo por autorização do Estado, ou para a transmissão obrigatória de A voz do Brasil; não fazer proselitismo de quaisquer naturezas durante a programação; não veicular discriminação de raça, convicções político-ideológico-partidárias, religião, gênero e condições sociais durante a execução do serviço de RADCOM.
As regras impostas pela legislação buscam evitar a individualização das rádios e ampliar o acesso do povo aos seus benefícios, entendidos como a democratização da comunicação, a garantia do direito de expressão, a instituição do debate de idéias, a reivindicação da melhoria das condições sociais de vida.
Isonomia e isegoria
A liberdade de expressão é uma cláusula pétrea da Constituição Federal. Onde não há essa liberdade, não pode haver cidadania. Por cidadania, entende-se o conjunto de garantias sociais/legais que todos os cidadãos têm direito.
Para Cicília Peruzzo, (1998, p. 158) a cidadania:
‘[…] não significa só alguém poder votar a cada cinco anos naqueles que vão decidir por ele, mas também aprender a participar politicamente da leitura do bairro e da escola para os filhos, a apresentar sua canção e seu desejo de mudança, a denunciar condições indignas, a exigir seus direitos de usufruir da riqueza gerada por todos, por meio de melhores benefícios sociais e de salários mais justos, a organizar-se e a trabalhar coletivamente’.
Dentro dessa concepção, a comunicação é um princípio garantido por lei; também é um processo social em constante reelaboração; dinâmico, autêntico, endógeno. A comunicação comunitária é um fator de mobilização social, que busca a interação dos indivíduos e grupos sociais pela conquista e o pleno exercício de direitos.
Para que haja a comunicação comunitária é preciso que se efetive o diálogo na produção da notícia. A mídia de massa leva a um público disperso e heterogêneo, um tipo de mensagem unilateralizada, unidimensional, que muitas vezes não encontra sentido no receptor. Na comunicação comunitária, o receptor tem a oportunidade de partilhar a produção das mensagens que serão veiculadas nos meios. A comunicação comunitária não é feita para o receptor. Ela é elaborada dentro de um processo que o engloba. Portanto, ela é produzida com, e não somente para a comunidade.
Para Peruzzo (2003, p. 250):
‘A comunicação comunitária […] simboliza o acesso democrático e a partilha do poder de comunicar. É um processo em que todo receptor de mensagens dos meios de comunicação tem o potencial de se tornar sujeito da comunicação, um emissor.’
O diálogo que essa comunicação propõe baseia-se na relação de horizontalidade dos seres componentes da comunidade. Todos têm direito de comunicar suas aspirações, necessidades, reivindicações, conquistas. Peruzzo (2003, p. 251) fala em ‘isonomia, a igualdade no poder de comunicar’, como também em ‘isegoria, o direito do cidadão de se manifestar e de ser ouvido’.
Só pode haver isegoria onde coexiste o diálogo, entendido, segundo Paulo Freire apud Melo (1998, p. 279-280), como sendo:
‘[…] uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade. (…) Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim com amor, com esperança, fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo, instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação.’
Pertencimento e envolvimento
A prática da comunicação comunitária, portanto, não pode separar-se da cidadania, do diálogo, da esperança e da cooperação coletiva dentro de um universo de diversidades.
A sociedade é composta de várias comunidades. Rendeiras, líderes sindicais, pedreiros, agricultores e agricultoras, estudantes, médicos e garimpeiros, fazem parte de distintas comunidades. Como englobá-los no universo da comunicação de maneira proporcional? Entendendo a pluralidade de pensamento e considerando a importância de cada ente para o conjunto da sociedade, verifica-se a capacidade de interação da mídia comunitária.
Diferentemente da comunicação massiva, a comunitária tem a delicada missão de fazer parte da diversidade, de contemplar o seu conteúdo a fim de torna-se autêntica, no sentido de respeitar as diferenças e navegar pelo universo da pluralidade.
Fazer essa comunicação é despertar o sentimento de pertencimento de todos para aquilo que lhes é comum. Nas palavras de Silverstone, (2002, p. 181) ‘precisamos constantemente que nos lembrem, nos reassegurem de que nosso sentimento de pertencimento e nosso envolvimento valem a pena’.
A comunidade em segundo plano
A Rádio Sisal FM leva ao ar, de segunda à sexta-feira, o programa Jornal da Sisal (JS). O JS começa às 12 horas e 30 min. e se estende até às 13 horas e 30 min.
Apresentado por Janderier Macedo e Wílton Pinheiro, diz ter reportagens produzidas por Sandra Ferreira e Lima Barros, apoio técnico de Socorro Macedo e produção feita por Paulo Sérgio. A direção geral é atribuída a José Onildo de Negreiros.
O conteúdo do programa consiste na leitura integral de notícias veiculadas no Jornal da Paraíba e algumas outras extraídas em sites de jornalismo de níveis estadual, nacional e internacional.
Do Paraíba On Line, de Campina Grande, ao jornal Al Jazira, do Oriente Médio, o JS é alimentado ‘de cima para baixo’ por seus produtores.
O JS é dividido nos seguintes blocos: 1. Manchetes (notícias do Jornal da Paraíba); 2. Plantão de polícia (notícias do Jornal da Paraíba e, ocasionalmente, leitura integral de boletins de ocorrências da delegacia de polícia e fichas de atendimentos de pacientes do hospital local); 3. Notícias regionais (quadro irregular que repete as notícias do Jornal da Paraíba); 4. Esporte (leitura da mesma editoria do JPB); 5. Manchetes dos principais jornais do mundo (apenas chamadas de jornais on line); 6. Manchetes dos principais jornais do Brasil (seleção de chamadas de jornais on line de nível nacional); 7. Notícias dos principais portais da internet (quadro que, muitas vezes, repete as chamadas dos jornais on line); 8. Notícias da cidade (quadro irregular que consiste em entrevistas dirigidas com pessoas ligadas ao poder ou com o vereador José Onildo de Negreiros) 9. Manchetes dos principais jornais da Paraíba (chamadas dos jornais on line do estado).
Entre os dias 09 e 12 de abril de 2007, foram gravadas quatro edições do Jornal da Sisal. Verificou-se pelo registro das chamadas iniciais dessas edições que, de 242 notícias anunciadas nos quatro dias do programa, apenas nove referiam-se à comunidade de Picuí. Dessas nove, apenas uma pode ser considerada uma notícia realmente produzida pela equipe do jornal, já que as oito restantes, consistiam, na verdade, de entrevistas com o delegado da cidade, o secretário de agricultura, o presidente de uma associação comunitária local de produtores de caprinos e um representante de uma empresa do governo do estado no município.
Capacitação dos profissionais
Como as entrevistas foram ao ar sem qualquer preparação técnica, não puderam ser consideradas como matérias jornalísticas produzidas, já que se tratava de divulgação aleatória de dados colhidos por meio delas.
Na edição do dia 10 de abril, o vereador José Onildo de Negreiros falou por 23 minutos no jornal, acerca de trabalhos desenvolvidos pelo prefeito da cidade, também sobre a X Marcha dos prefeitos a Brasília e ainda sobre um evento que ele iria realizar na cidade.
A Rádio Sisal FM usa o momento do seu jornal para efetivar a instrumentalização de sua comunicação. Por instrumentalização entende-se o uso do espaço comunitário para a promoção de propósitos individuais deliberados de caráter político-partidário, comercial ou religioso (Nunes, p. 14-15).
Esta instrumentalização pode-se dar de três maneiras: direta (quando os nomes de pessoas são mencionados), indireta (quando apenas as suas supostas obras são referidas) e subliminar (quando os atores envolvidos desconhecem o papel da rádio comunitária).
Durante a edição do dia 10 de abril – quando o vereador utilizou os microfones da emissora da qual ele diz ser diretor, embora os registros da rádio no MC indiquem o contrário – a instrumentalização pôde ser verificada nas suas três formas. José Onildo de Negreiros falou de suas obras e das realizações do prefeito e os locutores, por falta de conhecimento e capacitação técnica/política, também reforçaram as investidas do vereador.
O propósito de uma rádio local é produzir informação local. Quando a emissora é comunitária, há ainda outro requisito a cumprir: a informação local deve ser produzida com a participação da comunidade.
A legislação de radiodifusão comunitária prevê a capacitação dos profissionais que trabalham nas RADCOM. Se uma emissora se utiliza apenas da leitura de jornais para levar notícias à sua audiência, é claro que a formação dos comunicadores comunitários fica prejudicada.
Infração e inverdade
Outra contradição que se nota no modelo adotado pela Sisal FM de Picuí, é o uso da linguagem do jornal escrito, sem qualquer adaptação ao jornalismo de rádio.
Cada veículo – rádio, TV, internet e jornal – usa um tipo de técnica para divulgar as suas notícias. O recurso do recorte de entrevistas para intercambiar a fala do repórter com as declarações dos personagens das matérias é um modelo bastante utilizado no rádio.
Ler uma reportagem de jornal escrito, na íntegra, como sendo uma notícia típica de rádio, é um vexame jornalístico. Não se pode aceitar que a comunicação comunitária seja mal feita, ou simplesmente plágio de jornais escritos.
Para Muniz Sodré apud Pena (2006, p. 184) ‘a verdadeira comunicação só ocorre na comunidade’.
O jornalismo é um instrumento de luta pela cidadania. Na comunicação comunitária ele não deve perder o seu sentido.
Se a grande maioria das mensagens veiculadas no JS é cópia dos grandes jornais, reside nele uma leitura invertida do conceito de comunicação comunitária. Há também o flagrante desrespeito às leis, o que acaba lhe imputando um caráter criminoso, e não comunitário. A Sisal FM dedica-se a um tipo de jornalismo e um tipo de rádio que só prejudicam a comunidade, escondendo-lhe o que é local e negando-lhe a dimensão participativa.
Para Peruzzo (1998, p. 141):
‘É muito comum meios populares serem produzidos por uns poucos e estes fazerem suas próprias interpretações das necessidades de informações e de outras mensagens dos receptores. Neste sentido, pode estar havendo uma certa reprodução do dirigismo e do controle por parte de lideranças e/ou instituições mediadoras da comunicação popular.’
O fato de se veicular uma estrutura hierarquizada com repórteres e produtor também encerra uma constatação: se as mensagens são plágios, logicamente o trabalho de produtor e repórter não existe, de fato, na Sisal FM.
O diretor-geral da Rádio Sisal FM também é um personagem fictício. Diego Bruno de Araújo Negreiros, e não José Onildo de Negreiros, é quem, real e formalmente, representa a emissora. Divulgar o contrário, além de ser uma infração prevista na Lei nº. 9.612, é também um fato inverídico. Jornalismo comunitário não é feito de inverdades. Referências
BRASIL. Norma Complementar nº. 1/2004. Complementa as disposições relativas ao Serviço de Radiodifusão Comunitária, instituído pela Lei nº. 9.612 de 19 de fevereiro de 1998. Brasília: Ministério das Comunicações, s/d.
BRASIL. Decreto 2.615 de 3 de junho de 1998. Aprova o Regulamento do Serviço de Radiodifusão Comunitária. Disponível aqui, acesso: 31/5/2006
BRASIL. Lei 9.612 de 19 de fevereiro de 1998. Institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária e dá outras providências. Disponível aqui, acesso: 26/2/2006
BRASIL. Lei 10.597 de 11 de dezembro de 2002. Altera o parágrafo único do art. 6º. da Lei nº. 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, que Institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária, para aumentar o prazo de outorga.
Disponível aqui, acesso: 3/4/2003GUARESCHI, Pedrinho A. Comunicação & controle social. Petrópolis: Vozes, 2004.
NUNES. Márcia Vidal. As rádios comunitárias nas campanhas eleitorais: exercício da cidadania ou instrumentalização (1998-2000). Disponível aqui, acesso: 26/12/2006
MELO, José Marques de. A comunicação na pedagogia de Paulo Freire. In. MELO, José Marques de. Teoria da comunicação: paradigmas latino-americanos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
MUNÕZ, Germán. Formação de comunicadores comunitários: experiências colombianas. In. MELO, José Marques de. (Org.) Comunicação na América Latina: desenvolvimento e crise. Campinas, SP: Papirus, 1989.
PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. 2ª. ed. São Paulo: Contexto, 2006.
PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. Mídia comunitária, liberdade de comunicação e desenvolvimento. In. PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. ALMEIDA, Fernando Ferreira de. (Org.) Comunicação para a cidadania. São Paulo: Intercom; Salvador: Uneb, 2003.
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Estudante de Jornalismo da Universidade Estadual da Paraíba, Picuí, PB