Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornalista italiano que era agente secreto

Foi reaberto esta semana em Milão – trazendo informações bombásticas – o caso envolvendo o clérigo muçulmano radical Hassan Mustafa Osama Nasr, conhecido como Abu Omar e acusado de terrorismo internacional. A investigação, na qual 35 pessoas, incluindo 26 funcionários da CIA, enfrentam acusações ligadas ao desaparecimento do clérigo, levantou questões sobre o relacionamento de jornalistas com serviços de inteligência.


Em maio do ano passado, Renato Farina, subeditor do conservador diário italiano Libero, encontrou-se, na companhia de um repórter do jornal, com dois promotores que conduziam a investigação sobre o desaparecimento de Abu Omar – que há quatro anos havia sumido de Milão. Os promotores haviam concluído que o clérigo havia sido capturado em uma ‘rendição extraordinária’ organizada pela CIA com a ajuda de serviços secretos italianos. Especula-se que ele teria voado da Itália para uma base militar americana no Cairo, onde foi preso e torturado.


Surpresa desagradável


O que nenhum dos dois jornalistas imaginava na época era que a conversa deles com os promotores estava sendo secretamente gravada – e que Farina acabaria acusado de ajudar no seqüestro. Advertidos por policiais, os dois promotores entrevistados por Farina suspeitaram que a informação que o subeditor buscava não era significativa apenas para seus leitores.


Incursões ocorridas em julho nos escritórios do Libero em Milão e em um apartamento em Roma forneceram a evidência que os investigadores procuravam. O apartamento era um anexo não declarado do serviço de inteligência militar da Itália, SISMI. O local abrigava arquivos sobre políticos, promotores, juízes, jornalistas e empresários considerados pelo SISMI como ‘inimigos domésticos’.


Conversas telefônicas envolvendo funcionários do serviço de inteligência, interceptadas a pedido dos promotores, indicaram que Giuseppe D´Avanzo, do jornal liberal La Repubblica, estava sendo seguido por funcionários do SISMI enquanto cobria uma pauta ligada ao caso Abu Omar.


O anexo também continha documentos que detalhavam os contatos cotidianos do SISMI com repórteres de diversos veículos. Em geral, não havia nada de errado com estes encontros, mas, em dezembro do ano passado, a Ordem dos Jornalistas da Itália, conselho de jornalistas do país, impôs uma suspensão de 12 meses a um outro jornalista do La Repubblica, Luca Fazzo. Ele havia admitido para seu editor que advertiu ao SISMI sobre relatórios exclusivos do caso Abu Omar.


Patriotismo


O mais surpreendente, entretanto, foi a revelação de que Farina era um agente pago do SISMI, recrutado em 2004. Na Itália, uma lei de 1977 proíbe que serviços de inteligência empreguem jornalistas que exerçam a profissão. ‘Eu ajudei nossos serviços secretos militares. Eu lhes dei informações’, confessou ele ao Libero, justificando sua colaboração como uma resposta de patriotismo e devoção à Igreja Católica Romana ao que ele chamou de ‘Quarta Guerra Mundial’, lançada por Osama Bin Laden. Farina admitiu ter recebido 30 mil euros – mais ingressos grátis para a Copa do Mundo – nos dois anos em que trabalhou como agente. Ele alegou, no entanto, ter doado o dinheiro para caridade.


O jornalista revelou que ajudou a libertar reféns italianos no Iraque e disse que, quando foi convidado para ir ao Catar para uma conferência organizada pela al-Jazira, recebeu pedido do SISMI para que levasse uma microcâmera, o que se negou a fazer. A Ordem dos Jornalistas não se importou com as explicações e justificativas de Farina e lhe impôs uma suspensão de 12 meses, por ele ter ‘traído a profissão jornalística, comprometido sua dignidade e a da Ordem a qual pertence e prejudicado relações de confiança que devem existir entre a imprensa e seus leitores’. Informações do Guardian [29/1/07].