O jornalista como historiador do cotidiano e a importância da crítica da mídia para o ensino fundamental, médio e superior, bem como para as comunidades, são temas da entrevista com Graça Caldas. Jornalista, seu currículo registra passagens pela Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil e pela coordenação do curso de jornalismo da Universidade Metodista (SP), onde atualmente coordena a linha de pesquisa ‘Mídia e Poder’, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
Graça Caldas é uma das entrevistadas da revista MídiaComDemocracia nº 5, que circulará na segunda quinzena de janeiro. Eis sua entrevista.
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Existe um debate que trata da leitura crítica da mídia e discute se esse tipo de estudo deveria ser abordado em uma disciplina curricular ou em várias disciplinas do ensino fundamental?
Graça Caldas – Há cerca de dois anos, na reunião de Direitos Humanos no Brasil, houve o reconhecimento do papel da comunicação, o acesso à informação e à informação crítica e analítica como perspectiva de direitos humanos, direito para a cidadania.
Nos cursos de graduação de jornalismo várias faculdades já estão adotando a disciplina chamada crítica da mídia ou leitura crítica da mídia. E também instituições como prefeituras e faculdades em geral estão desenvolvendo disciplinas dessa natureza voltadas para professores do Ensino Fundamental, porque os eles costumam utilizar a mídia na sala de aula em função da atualidade, como se tudo que estivesse escrito e televisionado fosse verdade. Há uma preocupação de vários estudiosos de que essa leitura seja feita com a perspectiva de entender o processo de produção, como a mídia é elaborada, a quem pertence os veículos de comunicação, como funcionam os processos de concessão de rádio e televisão. Mais recentemente, a campanha contra a baixaria na televisão tem auxiliado nessa discussão.
Você acredita que a crítica da mídia deveria fazer parte do Ensino Fundamental?
G.C. – Acredito que sim, aliás, o Ensino Fundamental deveria ter muitas outras disciplinas. Já se conseguiu pela legislação, através de nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), colocar a Educação Ambiental no currículo. A educação para a mídia seria fundamental se nós pudéssemos trabalhar em todas as séries, do Ensino Fundamental ao Médio. Se o papel da mídia for discutido na sala de aula cria-se também a possibilidade de discutir o papel do indivíduo enquanto ser político. Só assim para se conquistar a cidadania ativa, para transformar a sociedade.
Há iniciativas que também visam atingir o público em geral?
G.C. – Existem algumas iniciativas com relação à criação de conselhos municipais. As tentativas que tem sido pior sucedidas são os Conselhos Municipais de Comunicação, exatamente porque eles surgem, na maioria das vezes, em ações dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), mas surgem do Poder Público. Este deveria ser só um parceiro. O conselho deveria surgir dos interesses de grupos organizados da sociedade civil, por que, caso contrário, com a modificação das prefeituras, do partido que estiver no poder, as discussões sobre políticas públicas de comunicação não têm seguimento.
E como está o Brasil em relação a outros países?
G.C. – Está muito mal, embora os levantamentos das últimas eleições tenham mostrado que a mídia, chamada grande imprensa, não decidiu as eleições. Isso traz uma nova perspectiva, pois se os grandes meios de comunicação se colocaram francamente favoráveis ao retorno do governo do PSDB e não conseguiram vencer as eleições, isso de alguma maneira demonstra que a sociedade civil como um todo está mais atenta aos movimentos políticos que ocorrem nas suas cidades, suas regiões, os sindicatos, as associações de classe. É semelhante àquilo que ocorreu nos anos 1960, com as comunidades eclesiais de base, no momento em que a igreja católica tinha uma atuação muito ativa pró-retorno da democracia no período da ditadura militar. Estamos vivendo um novo momento, esse momento é muito importante pela convergência da mídia, com a chamada TV digital.
E no caso das disciplinas que integram os currículos das faculdades de comunicação? Em geral as instituições incluem o tema em seu currículo?
G.C. – Eu não conheço todas, mas na época em que fui coordenadora do curso de comunicação, na Universidade Metodista, nós criamos a disciplina Crítica da Mídia e isso faz seis anos. A PUC Campinas também tem essa discussão, mas não sei se como disciplina. O ideal é que se tenha uma disciplina específica para discutir o tema, como faz o Observatório da Imprensa, o Instituto Gutenberg, porque já foi criada uma Rede Nacional de Observatórios de Imprensa, a Renoi, no qual a idéia é estimular a criação dessa disciplina formalmente nas escolas de comunicação. Isso tem sido discutido nos encontros de professores de Jornalismo. A importância do professor em sala de aula ter uma visão política do mundo, não partidarizar, mas politizar a sala de aula, porque esses alunos de comunicação vão estar no comando da mídia daqui a algum tempo. Se eles não têm uma visão crítica da mídia, se eles não entendem a influência que a mídia tem na formação ou deformação do cidadão, vai se preocupar apenas com a informação factual, não vai entender que a informação não é objetiva, ela é manipulada para o bem ou para o mal, e que existem interesses, o que é natural para um regime capitalista. Porém cabe ao bom editor ou ao bom jornalista ocupar as brechas que o sistema oferece, para tentar reagir a ele de uma maneira inteligente.
Qual foi a palestra que você fez no encontro de professores?
G.C. – Fiz uma conferência para o 2º Fórum Estadual de Professores de Jornalismo, na Mackenzie, em São Paulo, sobre formação de jornalistas. Existe uma imagem sobre o patrão do jornalista perante a sociedade, que tudo que o jornalismo diz é verdadeiro, absoluto. Isso começou na época da máquina de escrever, a ‘pretinha’, dizia-se que tudo que saiu na pretinha era verdade, quando a gente sabe que isso precisa ser rediscutido. É preciso discutir o discurso jornalístico, como se constrói a narrativa, discutir que a partir da percepção de mundo que o jornalista tem, ele escreverá desta ou daquela maneira, independente de partidos políticos. Eu defendo que o jornalista tem um papel fundamental como historiador do cotidiano, se ele entende isso acaba reconhecendo a responsabilidade social que possui na construção da história.
Esse objetivo final da crítica da mídia, que consiste em tornar o cidadão capaz de ter um outro olhar sobre a mídia, pode ser feito também através da comunicação comunitária?
G.C. – Com certeza, mas não é o suficiente. A comunicação comunitária tem crescido e é fundamental, porém depende do que é entendido como comunicação comunitária. As rádios e TVs comunitárias são importantes, mas têm pouco espaço em termos de repercussão por que são boicotadas o tempo todo pelos proprietários de canais de Rádio e TV. Se entendermos que a comunicação comunitária vai além do que a Lei do Cabo propiciou, de trazer comunicação formal gerada comunitariamente, posso discutir isso na escola, entrevistar personagens do bairro, fazer o jovem que poderia ir para a marginalidade entender o papel da informação. Acho que todos devem ampliar o que entendem como mídia comunitária. Estudantes de comunicação sob orientação dos professores da faculdade e ao lado dos professores do ensino fundamental podem ter práticas comunicativas, eles podem construir muito em termos de cidadania, ou seja, saber onde vivo, o que eu faço, como eu me posiciono em frente aos problemas da minha cidade, do meu bairro.
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Da Redação FNDC