Se aceitarmos como válidos os postulados iniciais da psicanálise, o jornalismo brasileiro anda pródigo em atos falhos. O que é escrito deve ser lido como processo subconsciente que permite à mente encontrar soluções não resolvidas no plano da consciência.
O texto postado por Ricardo Noblat, sexta-feira, 14 de novembro, em seu blog supostamente jornalístico, nada mais é do que um ato falho, um desejo do inconsciente realizado através de um equívoco. É bom lembrar que, para Freud, esses desvios eram sintomas de um compromisso entre o intuito consciente da pessoa e o reprimido. Se tivesse acesso ao que escrevem alguns jornalistas da grande imprensa nativa, vários conceitos psicanalíticos seriam revistos à luz da razão cínica que predomina nas redações.
Em poucas linhas, Noblat afirma que ‘o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Felix, já identificou o araponga da Agência Brasileira de Inteligência que grampeou a conversa travada por telefone entre o ministro Gilmar Dantas, presidente do Supremo Tribunal Federal, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Trata-se do mesmo araponga que entregou à revista Veja a transcriação da conversa’.
Ao misturar o prenome do ministro com o sobrenome do banqueiro, o jornalista deu forma ao que os dicionários definem como simbiose: ‘associação entre dois seres vivos que vivem em comum’. Um espécime que só existe no plano ideal da policialização do judiciário e da mídia partidarizada: o ministro-banqueiro ou um banqueiro-ministro que se abrigam nas togas e bolsos um do outro. E, juntos, acariciam os escribas que, como jornalistas, dedicam-se á confecção de panfletos ou a press-releases que sequer foram encomendados.
O bloco sonhado pela direita
É bom observar as angústias dos impolutos Catões da mídia e compreender as angústias que os afligem. Afinal, a crise econômica ainda não chegou como eles queriam. E o noticiário já dá mostras de qual será sua tônica nos próximos meses: a desconstrução simbólica de Lula, se possível com ‘argumentos’ para torná-lo inelegível a partir de 2010. Relatos tão fidedignos quanto a transcriação de fatos e fitas. Insondáveis são os motivos que levam ao surgimento de neologismos tão expressivos.
Repito o que escrevi em artigo escrito para este Observatório. O que permite tamanha desenvoltura na desfaçatez é a conjunção dos bem-intencionados que nada percebem com a esperteza dos bem selecionados ‘peixinhos do aquário’. É interessante a cadeia alimentar do campo jornalístico. Da labuta dos peixes de mercado, os ornados e pomposos extraem os nutrientes para os interesses dos peixões associados em empreendimentos políticos e econômicos. Qualquer advertência crítica à perfeição desse ‘ecossistema’ soará como grito paranóico. Mas a leitura atenta não pode ceder aos reclamos do senso comum das redações.
Afinal, é lá que está sendo concebido o bloco de poder sonhado pela direita nativa: aquele tem no comando o ‘Gilmar Dantas’ do blogueiro. É dura a disputa para saber quem ficará como porta-voz da presidência.
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P.S: quando este artigo estava pronto, Ricardo Noblat, alertado por seus leitores, revisou o texto. Ou seria melhor falarmos em retificação de ato falho? Mas, como seguro morreu de velho, já havíamos feito um screeenshot.
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Professor titular de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), Rio de Janeiro, RJ