Embora sendo um campo novo de investigação, o fenômeno do clientelismo nos meios de comunicação no Brasil tem sido objeto de muitos debates e investigações. Vários métodos e técnicas têm sido usados para abordar o fenômeno. Como metodologia, os pesquisadores têm utilizado fontes bibliográficas de pesquisa, artigos de periódicos, dados oficiais governamentais e informações sistematizadas por eles próprios. O importante é que haja vários caminhos para estudar esse fenômeno. E, de fato, há uma infinidade de perspectivas metodológicas para serem testadas, refutadas e utilizadas na interpretação do fenômeno do clientelismo nos meios de comunicação.
Para contribuir com essa construção, valho-me, mais uma vez, da técnica de cruzamento de dados obtidos de instituições do Estado para observar e identificar novas relações de práticas clientelísticas entre políticos e o setor de comunicação: o financiamento de campanhas eleitorais. Quero, a partir deste estudo, iniciar uma prospecção de como os meios de comunicação financiam, diretamente, os seus candidatos, qual a matriz adotada e quais interesses regem esses apoios. Assim, trabalhei com dados digitalizados usando as ferramentas da suíte OpenOffice.org 2.0.
O Brasil utiliza um sistema misto de financiamento de campanhas: parte dos recursos vem de verbas orçamentárias e parte de doações privadas. Os recursos orçamentários são constituídos do Fundo Partidário (Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997) e da isenção fiscal de que gozam os meios de comunicação – o rádio e a televisão – para veicularem o horário político partidário e eleitoral. Não há informações oficiais sobre o montante que envolve as renúncias fiscais. As contribuições privadas podem vir de doadores individuais, até o limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição; e de pessoa jurídica, até 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição [NICOLAU, Jairo. 2005. As propostas para a reforma do sistema de financiamento de campanhas no Brasil. Mimeo]. Restam vedadas, no entanto, as contribuições de entidades ou governos estrangeiros, órgãos da administração Pública Direta ou Indireta, concessionários ou permissionários de serviços públicos, entidades de utilidade pública, sindicatos, entidades beneficentes e religiosas, entidades esportivas que recebam recursos públicos, organizações não-governamentais que recebam recursos públicos, organizações da sociedade civil de interesse público, pessoas jurídicas que recebam auxílios financeiros estrangeiros ou beneficiados com contribuições compulsórias fixadas por lei [idem].
Doações e votos
Feitas estas considerações, dediquei-me a processar mais de 66 mil informações (registros) de emissoras de rádio e televisão (geradoras, repetidoras, retransmissoras) bem como dados eleitorais, organizados a partir das eleições de 2002 e de 2004, em mais de 5.600 municípios em que ocorreram, cruzados com os registros das 3.315 concessões de rádio e televisão, atualizadas em 2001 e 2004. Fiz, então, um pequeno resumo das doações de empresas de comunicação para candidatos às eleições de 2002 e 2004. Evidentemente, este estudo não levou em consideração doações escondidas ou não contabilizadas junto ao TSE.
O resultado trouxe informações bastante instigantes. As eleições de 2002 movimentaram recursos declarados de mais de R$ 676.239.584,00, de 76.812 doadores que contribuíram para 9.647 candidatos de 30 partidos. Nas eleições de 2004, foram pesquisados 354.955 candidatos que concorreram por 27 partidos, receberam 185.188.802 votos e declararam ter recebido R$ 1.280.084.348,00 de centenas de milhares de doadores, entre pessoas físicas e jurídicas.
Algumas observações podem ser destacadas. O partido mais financiado, em nível nacional, foi o PSDB, seguido pelo PMDB, o PT e o PFL. O partido que teve o melhor desempenho em termos do percentual do financiamento que resultou em candidatos eleitos foi também o PSDB, com 56,9%, seguido do PP, com 53,8%, e do PMDB, com 52,5%. Dos grandes partidos aquele com pior desempenho foi o PT, com a apenas 36,5% [TRANSPARÊNCIA. ÀS CLARAS 2004. Um mapa do financiamento político nas eleições municipais brasileiras de 2004. 2005. www.transparencia.org.br. Acesso em 05 de maio de 2006]. A Tabela 1, 2 e 3 apresentam as doações e votos obtido pelo PT, PSDB e PFL [idem].
Situação | Candidatos | Votos | Receitas |
Não Eleitos | 1.509 | 10.629.720 | R$ 82.263.153,00 |
Eleitos | 399 | 7.239.500 | R$ 50.265.256,00 |
Outros* | 14 | 0 | R$ 2.395.141,00 |
Total | 1.922 | 17.869.220 | R$ 134.923.550,00 |
Situação | Candidatos | Votos | Receitas |
Eleitos | 855 | 10.053.797 | R$ 94.740.910,00 |
Não Eleitos | 1.016 | 6.143.846 | R$ 63.718.975,00 |
Outros* | 28 | 0 | R$ 1.859.591,00 |
Total | 1.899 | 16.197.643 | R$ 160.319.476,00 |
Situação | Candidatos | Votos | Receitas |
Eleitos | 764 | 6.197.762 | R$ 51.152.421,00 |
Não Eleitos | 921 | 5.131.819 | R$ 50.692.090,00 |
Outros* | 28 | 0 | R$ 802.530,00 |
Total | 1.713 | 11.329.581 | R$ 102.647.041,00 |
*Outros: renúncias, falecimentos, cassações ou registro negado |
Embora o Brasil tenha um dos melhores sistemas de informação de apresentação das contas de campanha de acesso público não há uma boa sistematização dos dados apresentados no site do TSE na Internet. São dispersas. Tanto pode conter contribuições de 13 reais quanto de 2 milhões de reais [NICOLAU, Jairo. 2005. As propostas para a reforma do sistema de financiamento de campanhas no Brasil. Mimeo]. Por outro lado, a agregação das informações sobre setores de doadores não é possível, devido ao fato de que o TSE não exige que as prestações de contas incluam os números de registros das empresas doadoras no Cadastro Nacional de Atividades Econômicas. A inclusão desses registros permitiria realizar agregações setoriais e sub-setoriais precisas [TRANSPARÊNCIA. ÀS CLARAS 2004. Um mapa do financiamento político nas eleições municipais brasileiras de 2004. 2005. www.transparencia.org.br. Acesso em 05 de maio de 2006].
Para contornar parcialmente o problema, usei a metodologia da Transparência Brasil e adotei um mecanismo de busca por palavras chave (palavras que compõem nomes de empresas) e que possibilita a agregação de todas as informações relativas aos candidatos financiados pelo conjunto de empresas assim definido. Então, adotei as palavras-chave ‘emissoras’, ‘televisão’, ‘rádio’, ‘comunicação’, ‘jornal’ ‘telecomunicações’ obtendo todas as empresas que têm essas palavras em seus nomes ou razão social, a saber, as empresas do setor de comunicação. É evidente que excluem aquelas empresas que não têm essas palavras em seus nomes.
Assim, verifiquei que as empresas do setor de comunicação doaram nas eleições de 2002, R$ 2.092.271,00. Do total doado, o PMDB recebeu 34,41%. Em seguida veio o PT com 19,80% e o PSDB com 14,49%. O PDT, PFL, PPB, PL e PTB tiveram contribuições relevantes, conforme apresentado no Gráfico 1.
Gráfico 1 |
Trinta e quatro vírgula sessenta e cinco por cento dessas doações foram feitas para candidatos a governador. Para deputados estaduais as empresas de comunicação doaram 22,76% de todas as suas contribuições. Os candidatos a deputados federais receberam 23,02%. Já os candidatos a senador receberam 19,14% do total de contribuição. Um aspecto importante a ser destacado no padrão de financiamento de um candidato é como as doações se distribuem. Pode-se inferir que quanto menos atomizada a origem dos recursos do candidato, mais vulnerável ele se torna a pressões de seus principais doadores, caso seja eleito. As doações de acordo com o cargo eletivo estão apresentadas no Gráfico 2.
Gráfico 2 |
Com os dados obtidos na pesquisa, pude verificar que, em 2002, as doações superiores a 20 mil reais, de sócios ou dirigentes de emissoras de rádio ou televisão, em cheque ou dinheiro, contribuíram para candidatos a senador, governador, deputado estadual ou deputado federal, distribuídas por partido político. Desse total, 30,27% dessas contribuições foram feitas aos candidatos do PMDB, seguido dos candidatos do PFL com 17,84%. Em seguida, vêm os candidatos do PSB com 15,08% e os do PSDB com 10,76%. O Gráfico 3 ilustra bem essa distribuição do montante de R$ 5.167.213,00 doados pelos sócios ou dirigentes de emissoras de rádio ou televisão. Esse padrão reflete, em seu conjunto, como se dá o controle das concessões de rádio e televisão por políticos, à exceção do PT que recebeu 0,38% de doações de sócios e dirigentes de emissoras.
Gráfico 3 |
Às vezes, os sócios das emissoras são os próprios candidatos, doutras são parentes, amigos ou correligionários. Já, em 2004, as doações do setor de comunicação chegaram a R$ R$ 2.789.952,00, distribuídas aos partidos políticos de acordo com o Gráfico 4. Deste montante, 24,75% foram entregues aos candidatos do PMDB. 14,64% aos candidatos do PFL, seguido do PT com 13,24% e do PSDB com 10,47% do total de contribuições recebidas.
Gráfico 4 |
Nestas eleições, os percentuais de votos recebidos pelos partidos de prefeitos eleitos, no primeiro turno, que receberam doações de empresas do setor de comunicação, estão no Gráfico 5 e, para o segundo turno, estão no Gráfico 6.
Gráfico 5 |
Gráfico 6 |
Estas doações corresponderam a uma distribuição por cargos eletivos de acordo com o apresentado no Gráfico 7. Ainda, em 2004, as doações superiores a R$ 20 mil, de sócios ou dirigentes de emissoras de rádio e televisão, que contribuíram para candidatos a senador, governador, deputado estadual ou deputado federal, distribuídas por partido político, estão no Gráfico 8 e chegaram a R$ 2.452.568,00. Esses sócios ou dirigentes doaram ao candidatos do PFL 31,85% deste montante. Aos do PSDB doaram 28,10%, aos do PMDB 14,69% e aos candidatos do PTB 6,23%. Similar a 2002, o PT não recebeu contribuição de sócio ou dirigente de empresa de rádio ou televisão.
Gráfico 7 |
Gráfico 8 |
Com relação às eleições de 2004, também observei nesta agregação que as doações a Comitês Únicos são alocadas integralmente aos candidatos a prefeito e nenhum recurso aos candidatos a vereador [TRANSPARÊNCIA. ÀS CLARAS 2004. Um mapa do financiamento político nas eleições municipais brasileiras de 2004. 2005. www.transparencia.org.br. Acesso em 05 de maio de 2006]. A norma para prestação de contas dos partidos e candidatos tem uma vulnerabilidade que permite que as doações possam ser feitas exclusivamente para os Comitês Financeiros Eleitorais Únicos. Assim, não fica registro de quase nada em nome dos próprios candidatos.
Para efeito de comparação com o setor de comunicação apresento na Tabela 4 o perfil geral das doações de diversos outros setores como: construção civil, agropecuário, papel e celulose, alimentação, distribuidores de produtos diversos, petróleo e segurança.
Setor | Montante | |
Todos | Eleitos | |
Construção | 73.700.541 | 35.785.021 |
Agropecuário | 16.816.245 | 10.044.221 |
Papel e celulose | 11.536.239 | 6.428.335 |
Alimentação | 7.373.317 | 3.756.771 |
Distribuidoras | 6.154.184 | 3.950.519 |
Petróleo (postos etc) | 4.243.942 | 2.350.381 |
Segurança | 2.588.027 | 1.370.115 |
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Engenheiro eletricista, especialidade em eletrônica, mestrando em Ciência Política, pesquisador do Laboratório de Política de Comunicação (LaPCom), da Universidade de Brasília, especialista em Regulação de Telecomunicações e em Assessoria Parlamentar pela UnB, ex-Diretor de Planejamento e Engenharia da Eletronorte e ex-Coordenador do Programa de Universalização de Energia Elétrica ‘Luz para Todos’, na Região Amazônica