Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O outro lado da história

O Ministério das Comunicações está dizendo que não vai mais outorgar canais de rádios e TV educativas para fundações que não sejam ligadas a universidades porque essas podem ter participação de políticos. Entretanto, ao contrário do discurso oficial, vem liberando várias concessões para fundações personalistas ligadas a políticos (é no mínimo estranho uma fundação ter o nome de seu presidente em vida).

O que está acontecendo é o velho ditado ‘faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço’. Enquanto isso, fundações respeitáveis e culturais, como a Fundação Núcleo Cultural de Bento Gonçalves, por exemplo, vem, há anos, tentando que o ministério libere a sua concessão e até agora nada, apesar do apoio e parceria de entidades importantes como Associação Riograndense de Imprensa, Federação dos Municípios do Rio Grande do Sul, Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e de todos os líderes de bancadas na Assembléia Legislativa.

O ministro Hélio Costa tem um currículo invejável, como homem público inclusive. Quando presidente da Comissão de Educação do Senado, foi responsável por grandes avanços na área da comunicação. Não se sabe ao certo se as posições tomadas com relação aos casos de rádios e TVs Educativas partiram do ministro ou de outro setor do governo federal.

O fato é que não existem critérios definitivos para outorgas de TVs educativas e, assim, o governo acaba criando seus próprios métodos, contrariando portarias e leis. O próprio Ministério das Comunicações alega que a concessão de TVs educativas é um ato discricionário do ministro. Já o Regulamento de Serviços de Radiodifusão, no seu artigo 7º, prevê que podem receber outorgas de rádio e TV: a União, os estados, os municípios, as universidades e as fundações. Mas o único ato oficial que determinou critérios para outorgas de serviços de radiodifusão de sons e imagens com finalidade exclusivamente educativa é a Portaria 651/99, assinada pelos ministros das Comunicações e da Educação, em 1999. E, nele, não existe nenhuma distinção entre fundações e universidades.

Convênio apressado

O ministro Hélio Costa, conforme publicou a Folha de S.Paulo (18/6/2006), tem outorgado várias TVs educativas para fundações claramente ligadas a políticos. Mas um grande número de fundações culturais, sem vínculo político-partidário, vem sendo preteridas. Nesses casos, as fundações, para o ministério, devem ser vinculadas a universidades. A explicação, segundo a matéria da Folha, é que fundações podem estar ligadas a políticos. Com isso, o senhor ministro coloca numa ‘vala comum’ todas as fundações, inclusive aquelas que fazem um trabalho sério na área cultural, sem qualquer vínculo político.

O caso da Fundação Núcleo Cultural de Bento Gonçalves (RS) é um belo exemplo. A entidade está desde 2003 com seu processo no ministério e não tem jeito de conseguir a outorga. Seus diretores têm que ‘mendigar’ a ajuda de deputados e senadores para tentar resolver a situação. Mas o caso dessa entidade poderia estar resolvido há muito tempo.

Em 24 de janeiro de 2004, o então ministro Miro Teixeira enviou um fax para a entidade dizendo que acabara de autorizar o canal de TV para Bento Gonçalves. O seu ato determinava que o processo fosse para o Congresso Nacional, conforme o artigo 223 da Constituição Federal. Foi uma festa e tanto na cidade. Com a notícia, os diretores da entidade começaram a preparar tudo, inclusive montaram uma invejável rede de retransmissoras, fazendo convênios com as prefeituras que disponibilizavam de um canal de retransmissão, outorgado legalmente.

O problema é que o ministro Miro Teixeira caiu e o processo não andou. Depois de várias tentativas, conseguiram uma audiência com o então ministro Eunício de Oliveira, que não resolveu o caso. Saiu Eunício e entrou o senador Hélio Costa. As expectativas de que o processo tivesse um novo deferimento aumentaram novamente, pois tratava-se de homem conhecedor da área de comunicação.

Em agosto de 2005, Costa alegou que, para evitar problemas com o Ministério Público, a fundação teria de fazer um convênio com uma entidade de ensino superior. Providenciou-se, então, a ligação da Fundação Núcleo Cultural de Bento Gonçalves com a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e com a Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves.

O caso de Minas

No dia 25 de outubro de 2005, por intermédio de um parlamentar do PMDB, foi realizada audiência com o ministro para a entrega dos documentos. Ele olhou e determinou a seu assessor, Freire Júnior, que mandasse preparar a portaria que estaria assinando em poucos dias. Só que até hoje não saiu nada.

Essa informação de que a fundação deve ter uma ligação com uma Universidade não tem embasamento legal e é uma novidade apresentada por essa administração. Há uma generalização para justificar a questão das fundações ligadas a políticos.

O ministério, assim, subestima a função da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, já que para que a outorga seja efetivada, o processo deve ser analisado por três comissões do Congresso Nacional.

Ainda no caso da fundação de Bento Gonçalves, houve uma mobilização estadual para que o assunto fosse resolvido, com a intervenção da Associação Riograndense de Imprensa, Federação dos Municípios do Rio Grande do Sul, Sindicatos dos Jornalistas e todos os líderes de bancadas na Assembléia Legislativa do Estado. Mesmo com tudo isso, não houve efeito.

A matéria da Folha ‘Minas Gerais recebe oito emissoras de TV de Hélio Costa’ retrata, com perfeição, a contradição entre o discurso e os atos do ministério. Ele defende publicamente que as concessões de TVs Educativas devem ser a fundações ligadas a universidades. Mas quando se trata de Minas Gerais ou de fundações ligadas a políticos da base de apoio ao governo federal, a prática é outra. Ele outorgou TVs para fundações ligadas a políticos.

O caso mais alarmante foi o da concessão de Rádio Educativa dada a Fundação Educativa e Cultural Dona Dada. Não se discute a importância da entidade para a comunidade de Vila Velha (ES). Discute-se, sim, o fato de sua presidente ser, segundo confirmou a Folha de S.Paulo, a esposa do senador Magno Malta. Eis a matéria da Folha:

Ministro dá concessão de FM a senador do PL em nome de fundação inativa

[Folha de S. Paulo, 18/6/06)]

No dia 12 de abril foi publicada uma nota na imprensa dando conta de que o ministro Hélio Costa estaria em rota de colisão com seu secretário de comunicação eletrônica, Joanilson Barbosa Ferreira, que estaria atendendo a pedidos de alguns políticos, e de outros não, sem informar ao ministro. Um dos contrariados, segundo a nota, seria o senador Magno Malta (PL-ES), da base governista.

Oito dias depois, foi publicada no Diário Oficial da União a portaria de Hélio Costa outorgando uma rádio FM educativa em Vila Velha, na Grande Vitória, em nome da Fundação Educativa e Cultural Dona Dadá. O nome da entidade é uma homenagem à mãe do político. Ela tem como endereço o escritório de Magno Malta, em Vila Velha, sua base eleitoral.

O ministro Hélio Costa disse que de Magno Malta estava no ministério havia mais de um ano e que o senador exerce um trabalho social em Vila Velha, que poderá se beneficiar da emissora. O mesmo argumento foi dado pela assessoria do senador. Mesmo inativa, a fundação foi declarada de utilidade pública pelos vereadores de Vila Velha, por lei municipal aprovada em 2001. Na documentação existente na Câmara consta como presidente da fundação a mulher do senador, Kátia Santos Malta. O ministro disse que as concessões de rádio e TV têm de ser confirmadas também pelo Congresso, depois de aprovadas pelo Executivo. ‘A portaria significa que considero o pedido aceitável, mas cabe ao Congresso avaliar o caso. Não é uma decisão só do ministro’, disse o ministro Hélio Costa.’

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Jornalista, Bento Gonçalves, RS