Em artigo publicado em 2004 (‘Rumo ao monopólio da TV paga’), neste Observatório, relatei resultados de pesquisa realizada pela Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, indicando que aqueles que têm a Fox News (da News Corporation) como a sua principal fonte de informação são também aqueles com maior probabilidade de ter percepções equivocadas sobre a realidade que os cerca – no caso, a guerra do Iraque. Além disso, chamei a atenção para os riscos que a anunciada fusão entre as duas principais empresas operadoras de televisão paga, via satélite, no Brasil – a Sky (da News Corporation e Globo) e a Direct TV – poderia representar para a pluralidade e a diversidade das comunicações no nosso país.
O artigo de 2004 terminava afirmando que…
‘…a esperança que nos resta é que tanto a Anatel como o Cade do Ministério da Justiça – que ainda terão que se pronunciar sobre a compra da Direct TV pela Sky – não permitam que a transação se confirme. Caso contrário, teremos dado um enorme passo na direção do monopólio definitivo da televisão paga no Brasil’.
Mazelas da concentração
O processo de fusão foi iniciado em 2003, quando a News Corp. – que já era sócia da Globo no controle da Sky – comprou a DirectTV da Hughes Electronics Corporation. A Globo, como se sabe, já controlava a Net, a maior operadora de TV paga no país.
Em novembro de 2005, a Anatel já havia aprovado parecer favorável e, na quinta feira (25/5), o Conselho Administrativo do Direito Econômico (Cade) ratificou a fusão da Sky e da DirecTV no Brasil. No parecer que emitiu, o procurador geral do Cade, Arthur Badin, identificou várias possibilidades de abuso de poder econômico na fusão. Ele considerou que há riscos:
(a) nos mercados onde só há DTH, pois a Sky/DirecTV terá 97% do mercado de TV paga;
(b) onde a Net Serviços opera como competidora do DTH, pois a Globo é acionista comum das Sky e da Net;
(c) onde há outros competidores em TV paga, pois não haveria poder econômico para fazer frente à concorrência do DTH e do grupo Globo;
(d) no mercado como um todo, pois 97,5% da audiência está de alguma forma vinculada à Globo e à News Corp;
(e) no mercado de fornecimento de programação, onde a Globo tem 74,6% de licenciamento de canais; e
(f) no mercado de aquisição de tecnologia.
Podemos acrescentar aos riscos apontados pelo procurador do Cade também aqueles identificados pela pesquisa da Universidade de Maryland e que talvez sejam os mais importantes: o jornalismo da News Corporation, na Fox News ou na Sky, leva seus espectadores – comparativamente mais do que outros grupos de mídia – a ‘percepções equivocadas’ sobre a realidade que os cerca.
Controle único
A aprovação da fusão Sky-DirecTV no Cade foi feita respeitadas quatro restrições, três com prazo determinado e uma indeterminada. São elas:
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Não poderá ter contratos de exclusividade para transmissão, no Brasil, de jogos de futebol dos campeonatos Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores da América e estaduais do Rio e de São Paulo. Duração: cinco anos;**
Terá que oferecer o mesmo preço e os mesmos pacotes em todo o país. Duração: cinco anos;**
Deverá transmitir os canais pagos de conteúdo nacional hoje disponíveis na plataforma da DirecTV para os assinantes que migrarem. Duração: três anos;**
Empresas do grupo Globo não poderão vetar contratação de programas de conteúdo nacional. Sem duração.Independentemente das restrições listadas, se considerarmos que a operadora NET controlada pela Globo – que já é associada da News Corporation – detém cerca de 37% do mercado de televisão a cabo, veremos que em torno de 69% do mercado total de televisão paga no Brasil (incluindo cabo, MMDS e satélite) estão agora sob o controle de um único grupo de mídia: o grupo controlado pela associação Globo/News Corporation.
Pode haver alguma dúvida de que estamos no rumo acelerado do monopólio da televisão paga no Brasil?
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)