Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O perigo do monopólio na TV paga

Em artigo publicado em 2004 (‘Rumo ao monopólio da TV paga’), neste Observatório, relatei resultados de pesquisa realizada pela Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, indicando que aqueles que têm a Fox News (da News Corporation) como a sua principal fonte de informação são também aqueles com maior probabilidade de ter percepções equivocadas sobre a realidade que os cerca – no caso, a guerra do Iraque. Além disso, chamei a atenção para os riscos que a anunciada fusão entre as duas principais empresas operadoras de televisão paga, via satélite, no Brasil – a Sky (da News Corporation e Globo) e a Direct TV – poderia representar para a pluralidade e a diversidade das comunicações no nosso país.


O artigo de 2004 terminava afirmando que…




‘…a esperança que nos resta é que tanto a Anatel como o Cade do Ministério da Justiça – que ainda terão que se pronunciar sobre a compra da Direct TV pela Sky – não permitam que a transação se confirme. Caso contrário, teremos dado um enorme passo na direção do monopólio definitivo da televisão paga no Brasil’.


Mazelas da concentração


O processo de fusão foi iniciado em 2003, quando a News Corp. – que já era sócia da Globo no controle da Sky – comprou a DirectTV da Hughes Electronics Corporation. A Globo, como se sabe, já controlava a Net, a maior operadora de TV paga no país.


Em novembro de 2005, a Anatel já havia aprovado parecer favorável e, na quinta feira (25/5), o Conselho Administrativo do Direito Econômico (Cade) ratificou a fusão da Sky e da DirecTV no Brasil. No parecer que emitiu, o procurador geral do Cade, Arthur Badin, identificou várias possibilidades de abuso de poder econômico na fusão. Ele considerou que há riscos:


(a) nos mercados onde só há DTH, pois a Sky/DirecTV terá 97% do mercado de TV paga;


(b) onde a Net Serviços opera como competidora do DTH, pois a Globo é acionista comum das Sky e da Net;


(c) onde há outros competidores em TV paga, pois não haveria poder econômico para fazer frente à concorrência do DTH e do grupo Globo;


(d) no mercado como um todo, pois 97,5% da audiência está de alguma forma vinculada à Globo e à News Corp;


(e) no mercado de fornecimento de programação, onde a Globo tem 74,6% de licenciamento de canais; e


(f) no mercado de aquisição de tecnologia.


Podemos acrescentar aos riscos apontados pelo procurador do Cade também aqueles identificados pela pesquisa da Universidade de Maryland e que talvez sejam os mais importantes: o jornalismo da News Corporation, na Fox News ou na Sky, leva seus espectadores – comparativamente mais do que outros grupos de mídia – a ‘percepções equivocadas’ sobre a realidade que os cerca.


Controle único


A aprovação da fusão Sky-DirecTV no Cade foi feita respeitadas quatro restrições, três com prazo determinado e uma indeterminada. São elas:


** Não poderá ter contratos de exclusividade para transmissão, no Brasil, de jogos de futebol dos campeonatos Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores da América e estaduais do Rio e de São Paulo. Duração: cinco anos;


** Terá que oferecer o mesmo preço e os mesmos pacotes em todo o país. Duração: cinco anos;


** Deverá transmitir os canais pagos de conteúdo nacional hoje disponíveis na plataforma da DirecTV para os assinantes que migrarem. Duração: três anos;


** Empresas do grupo Globo não poderão vetar contratação de programas de conteúdo nacional. Sem duração.


Independentemente das restrições listadas, se considerarmos que a operadora NET controlada pela Globo – que já é associada da News Corporation – detém cerca de 37% do mercado de televisão a cabo, veremos que em torno de 69% do mercado total de televisão paga no Brasil (incluindo cabo, MMDS e satélite) estão agora sob o controle de um único grupo de mídia: o grupo controlado pela associação Globo/News Corporation.


Pode haver alguma dúvida de que estamos no rumo acelerado do monopólio da televisão paga no Brasil?

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)