Não são poucos os jornalistas que se achegam, de mansinho, quietos, bem quietinhos, para falar que a Secretaria de Comunicação de Cuiabá está se transformando numa ilha de edição da realidade social da cidade. Um rápido olhar pela capital dá conta do poderio comunicacional que a prefeitura está usando para melhorar sua imagem institucional perante a população. Afinal, a administração municipal foi seriamente arranhada no ano passado, principalmente por dois assuntos: IPTU e transporte coletivo.
Em relação ao imposto, o prefeito de Cuiabá, Wilson Santos (PSDB), enviou em outubro de 2005 uma mensagem que o aumentava em 50% para terrenos construídos e em 100% para áreas baldias. Fez uma exposição num sábado de manhã, na Câmara. E na terça-feira, primeiro dia de sessão da semana, já instrumentalizou uma votação por meio de sua bancada de sustentação, que é maioria ainda hoje. Aprovada a matéria, um grupo de entidades da sociedade civil organizada e de parlamentares saiu às ruas para coletar 17 mil assinaturas (5% do eleitorado da cidade) para propor um projeto de lei de iniciativa popular que revogasse o aumento. Foi o primeiro da historia de Cuiabá, e teve mais de 20 mil assinaturas.
O aumento das áreas construídas foi revogado, pois prejudicava fundamentalmente trabalhadores de bairros pobres. O reajuste para terrenos baldios foi mantido por se entender que a questão já não afetava a maioria da população.
Em relação ao transporte coletivo, a postura retrograda do prefeito é que estimulou a indignação da população. Primeiro ele falou que extinguiria o passe livre para a maioria dos estudantes, cuidando apenas dos matriculados em escolas municipais, que são 6% do total. Sem contar que boa parte deles nem usa o passe livre, pois mora colado ao colégio. Segundo motivo de indignação: o prefeito decidiu majorar a tarifa, atendendo à cúpula do transporte coletivo, que queria aumentar de R$ 1,60 – já superfaturado conforme estudos do Sindicato dos Contabilistas de Mato Grosso – para R$ 2,25.
Profissional experiente
Mas foi derrotado várias vezes. Quanto ao passe livre, após várias manifestações de rua com centenas de estudantes, o prefeito veio a público no fim de novembro de 2005 e garantiu que até o fim de seu mandato, em 2008, o benefício seria mantido. Em relação à tarifa, o aumento programado para primeiro de dezembro também não ocorreu em razão das passeatas. Só foi implementado agora, em março, e a um valor bem menor, de R$ 1,85, o que não deixa de ser prejudicial à população, uma vez que além do sindicato já ter apontado o superfaturamento em anos anteriores, a CPI do Transporte da Câmara de Vereadores de Cuiabá indicou a tarifa de R$ 0,81 como a correta. Os autos da CPI estão sendo estudados pelo Ministério Público Estadual de Mato Grosso.
Diante da impopularidade do prefeito e da incoerência do cenário sócio-político com o slogan da administração municipal, Moderna e Solidária, e ainda mais com a implementação de projetos urbanísticos (na verdade, de higienização) assinados pelo ex-governador do Paraná, Jaime Lerner, houve a necessidade de se contratar alguém capaz de fechar bons acordos com os meios de comunicação locais, além de outras ações importantes.
Escolheram uma pessoa experiente no assunto, já do grupo político que hoje assume a prefeitura. Escolheram o jornalista e professor universitário Pedro Pinto, ex-secretário de Comunicação do governo Dante de Oliveira, ex-tucano mor no estado, braço direito na área de relações públicas do senador Antero Paes de Barros, do PSDB, acusado pelo Ministério Público Estadual de Mato Grosso de ter emprestado dinheiro do ex-comandante do crime organizado na região, João Arcanjo Ribeiro, para sua campanha a governador em 2002.
Sem crítica
Por sinal, Antero e Dante têm uma relação muito próxima com o grande acionista do Grupo Gazeta de Comunicação, o maior empreendimento da área em Mato Grosso, pois que possui a concessão pública de uma tv (Record), as concessões públicas de duas rádios (AM e FM), um jornal (A Gazeta), um instituto de pesquisas (Gazeta Dados). Por sinal, Pedro Pinto já atuou no caderno de Política do jornal. E por sinal a empresa DMD Associados, ligada ao Grupo Gazeta de Comunicação, foi a grande beneficiária na área de comunicação dos governos Dante (1995-1998 e 1999-2002). Por conta do vergonhoso privilégio foi aberto um processo judicial para investigar a situação. Caso que ficou conhecido como ‘Secomgate’. E que até agora não deu em nada. Pedro Pinto foi um dos secretários do período ‘Secomgate’. Outros foram Mauro Camargo, ex-diretor de redação do jornal ‘A Gazeta’, e Antero Paes de Barros.
Entre os trabalhos da secretaria capitaneada por Pedro Pinto, a não-divulgação à mídia da reunião do Conselho Municipal de Transporte que majorou a tarifa para R$ 1,85, e que ocorreu numa sexta às 7 da manhã, no sétimo andar da prefeitura, dia 10 de março.
Mais uma das ações do hábil secretário: espalhou pela cidade milhares de panfletos, vários outdoors, pôs propagandas em traseiras de ônibus sobre a vinda da Petrobrás (empresa de uréia) para Cuiabá, mesmo se sabendo que o governo federal já tinha um contato inicial, mais forte, com Mato Grosso do Sul. O empreendimento foi para a Bolívia (Puerto Soares).
Porém os meios de comunicação, como jornais e emissoras de TV, ganharam uma boa grana com a divulgação. E em seguida as críticas ao governo municipal de Wilson Santos caíram para quase zero. Na mesma proporção, por exemplo, foi diminuído o ‘apoio’ que os veículos davam à movimentação pelo transporte.
Discurso oficial
E ‘a última’ do momento, conforme as denúncias que o Comitê de Luta pelo Transporte Público vem recebendo de jornalistas, é que o secretário tem ditado notinhas, acertado artigos e matérias para manchar a imagem do citado movimento. Pura plantação de notícias. É pelo menos um artigo por semana atacando as manifestações de rua, apequenando a iniciativa dos estudantes de criticarem o sistema de transporte coletivo. E vá tentar responder aos jornais! Sai em um ou outro, quando sai. E depois acusam os manifestantes de não dialogarem com a sociedade. Somos obrigados a panfletar toda semana, assim como fazer várias colagens.
Como se não bastasse essa plantação descarada, a prefeitura, instrumentalizada também por seu aparato comunicacional, está orquestrando suas ações em parceria com a presidência da Câmara Municipal de Cuiabá e com a Associação Cuiabana dos Estudantes Secundaristas (Aces). A presidente da Câmara, vereadora Chica Nunes (PSDB), que nesta semana ocupa o cargo de prefeita pela ausência do prefeito e da vice Jacy Proença, seguiu a linha de criminalizar a movimentação do transporte na cidade em recentes declarações a veículos de comunicação. Uma breve análise do discurso permite comprovar isso. Um breve olhar sobre os jornais da cidade atesta isso.
A vereadora deu ordem aos seguranças da Câmara para que impedissem a entrada dos manifestantes na manhã do dia 22, quinta. Com isso, deu-lhe poder para usarem de força física. E o que ocorreu? Um segurança esmurrou um estudante. A resposta: tentativa de entrada e vidraças quebradas. Postura demagógica e orientada da vereadora: a movimentação é de vândalos. Os manifestantes queriam apenas entregar uma pauta de reivindicações (redução da tarifa ao valor anterior, de R$ 1,60, e criação duma empresa estatal de transporte coletivo). Notícias do dia seguinte, pendentes ao discurso oficial, com direito a plantações.
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Jornalista em Cuiabá, militante do Comitê de Luta pelo Transporte Público