Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O poder da mídia em julgamento

O plenário do Tribunal Superior Eleitoral julgou improcedente, na terça-feira (18/9), o pedido de cassação do mandato da senadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN), que havia sido acusada por seu principal adversário nas eleições de 2006, o empresário Fernando Bezerra (PTB-RN), ex-ministro e ex-líder do governo no Senado, de abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação.


A senadora elegeu-se com 645.869 votos, equivalentes a 44,184% da votação. O empresário obteve 634.738 votos, ou 43,423%. A diferença foi de 11.131 votos, equivalente a 0,76% do total.


O julgamento do TSE, na verdade, decidiu que a vitória de Rosalba Ciarlini não podia ser atribuída às 64 entrevistas concedidas por ela, entre janeiro e junho de 2006 (média de uma a cada 2,34 dias) na emissora TV Tropical, retransmissora da Rede Record, que alcança cerca de 80% do eleitorado potiguar.


Os quatro ministros que votaram contra o provimento do recurso alegaram, dentre outras razões, que não é possível medir a influência da veiculação das entrevistas no resultado das eleições e que elas foram concedidas antes do registro da candidatura.


Horário gratuito resolve?


Houve, no entanto, dois votos a favor da cassação – e vale registrar o do ministro Cezar Peluso. Ele se valeu de, pelo menos, dois argumentos fundados nos estudos de mídia. Primeiro, colocou em dúvida o critério de noticiabilidade da TV Tropical ao afirmar que as qualidades da candidata – três vezes prefeita de Mossoró, segunda maior cidade do estado – ‘não explicam ou justificam a exposição sistemática’, isto é, 64 vezes em cinco meses, na mesma emissora. Segundo, reconheceu a capacidade da TV de influir na formação da opinião pública. Disse ele: ‘Seria preciso negar a força extraordinária do meio de comunicação mais poderoso, que é a televisão, para se dizer que não tivesse a potencialidade de alterar seis mil votos’. E concluiu: ‘Houve o uso indevido e estudado dos meios de comunicação’.


Independente de qual tenha sido a utilização da mídia pelos dois candidatos a senador no Rio Grande do Norte em 2006, a decisão do TSE e os votos de seus ministros oferecem uma interessante oportunidade de se refletir sobre duas questões que, aparentemente, estarão cada vez mais sendo objeto de decisão nas cortes de Justiça: a legalidade de políticos no exercício de mandato eletivo controlarem concessões do serviço público de radiodifusão e a influência da mídia no processo eleitoral.


Seria democrática a disputa entre um candidato que não tem ou tem pouco acesso à mídia e outro que conta com o apoio maciço da mídia controlada por ele próprio ou por seus correligionários? O horário gratuito de propaganda eleitoral, garantido por lei, seria suficiente para corrigir essa assimetria, sobretudo em eleições para cargos majoritários, como os de senador, governador e presidente da República?


Normas legais e reflexão crítica


Apesar do acórdão ainda não ter sido publicado, é de se supor que, no caso em tela, os ministros do TSE tenham levado em conta outros fatos relativos à mídia no Rio Grande do Norte que poderiam também ter influído no resultado da disputa pela vaga no Senado Federal.


Vale lembrar, por exemplo, que a TV Tropical – onde a ainda não-candidata Rosalba Ciarlini deu as 64 entrevistas – faz parte da rede Tropical de Comunicação, composta não só pela TV Tropical Canal 08, Natal, mas também pela FM Tropical, 103.9, Natal, a CBN Natal, 1.190 AM, a Rádio Salinas, 1.510 AM, Macau, a Rádio A Voz do Seridó, 1.100 AM, Caicó, a Rádio Cultura, 1.560 AM, Pau dos Ferros, a Rádio Curimataú,1.530 AM, Nova Cruz, a Rádio Libertadora, 1.430 AM, Mossoró e a Rádio Ouro Branco, 1.360 AM, Currais Novos.


Um dos sócios da Rede Tropical, conforme dados do SIACCO da Anatel, é o senador José Agripino Maia (DEM-RN), líder do DEM no Senado Federal e correligionário da senadora.


Outro senador do Rio Grande do Norte, Garibaldi Alves (PMDB-RN), segundo estudo do Epcom, controla direta ou indiretamente sete emissoras de rádio FM e AM no estado; as duas emissoras de televisão afiliadas às redes nacionais Globo e SBT em Natal e ainda a operadora local de TV a cabo da NET (ver aqui).


Em outra ocasião lamentei aqui, data venia, o incrível descolamento existente entre as normas legais e o pensamento jurídico vis-à-vis a reflexão crítica contemporânea sobre a mídia na academia e nos observatórios da imprensa, tanto no Brasil como no exterior (ver, neste Observatório, ‘Liberdade de imprensa e liberdade de empresa‘).


Excluídos do processo


Não há dúvida de que a questão permanece atual e há sinais, embora ainda tímidos, de que alguns ministros começam a levar em conta décadas de pesquisa no campo da mídia.


Por outro lado, as rápidas transformações tecnológicas não indicam que diminuirá a centralidade que a mídia ocupa na vida contemporânea e nem que haverá mudanças de curto prazo no histórico vínculo entre ela e as oligarquias políticas regionais no Brasil.


A crescente consciência em relação ao direito à comunicação faz crer que, cada vez mais, a Justiça será chamada a decidir sobre o poder de influência da mídia. Isso vale tanto para as disputas eleitorais entre membros das oligarquias, como para disputas entre elas e cidadãos excluídos do acesso democrático ao serviço público de comunicações.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007