Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O símbolo da nossa República



‘Li com calma a matéria, vi e revi a fita, que não está toda traduzida aqui, e ela envolve nomes de pessoas corretas, sérias, símbolos na nossa República.’ (Roberto Jefferson, em discurso da tribuna da Câmara em 17/5/2005)


O deputado federal Roberto Jefferson, presidente do PTB, que integra o bloco de apoio ao governo no Congresso, foi prolongadamente aplaudido pelo plenário da Câmara após seu discurso na terça-feira (17/5), quando usou a tribuna para se defender das acusações de um certo Maurício Marinho, funcionário de carreira da ECT indicado pelo partido para um cargo na empresa, usado para cobrar propina de empresas licitantes. Segundo revelou fita sub-repticiamente gravada, fazia isso a mando de Jefferson, um ‘doidão’. O discurso foi um show, convenceu a muita gente da inocência do deputado.


Filho e neto de políticos petebistas de Petrópolis (RJ), foi pela força da televisão que Jefferson chegou ao mandato federal. Participava do programa O povo na TV (1981-1984), que depois de dar sobrevida à agonizante TV Tupi transferiu-se ao nascente SBT de Silvio Santos. Jefferson, advogado, era encarregado de resolver questões de família, que aprendera no curso de Direito (1975-1979) da então novata Universidade Estácio de Sá, supermercado do ensino superior que hoje tem filiais em seis estados (no Rio de Janeiro está em 13 municípios; na cidade do Rio, espalha-se por 31 endereços, inclusive em shoppings, e a todos chama de campus).


Aposto permanente


O Povo na TV fez grande sucesso. Saiu do ar meses depois de mostrar ao vivo a morte de um bebê num hospital. Centenas de pobres-diabos faziam fila na porta da emissora, em busca de cura para todos os males. Nos estúdios, atendiam ao povão paladinos da ‘prestação de serviços’ (assim os produtores definiam o show de misérias) como Wilton Franco, Wagner Montes, Cristina Rocha, Sérgio Mallandro e o curandeiro Roberto Lengruber. Jefferson encarnava o rábula justiceiro: os lábios fremiam de indignação enquanto esmurrava a mesa ao xingar o marido desdentado que batera na mulher aleijada.


Todos os apresentadores ficaram pela TV mesmo, menos Lengruber, preso por charlatanismo, e Jefferson, que se elegeu deputado federal em 1983, com 84.638 votos. Em 2002, obteve 40.685 votos. Desempenho melhorzinho do que o de 1994, quando ficou nos 35.822: ainda estava forte na lembrança do eleitor sua performance como líder da tropa-de-choque do governo Collor, que passava pesado rolo compressor nas votações da Câmara. Mas nunca recuperou a popularidade de 1983 que a TV lhe garantira.


Hoje, aos 52 anos, que completa no dia 16 de junho, preside o PTB, onde dá ‘exemplo de fidelidade partidária’, como informa seu site. Nesse perfil, nem uma palavra sobre os anos Collor, o que não impediu que a imprensa colasse a seu nome o aposto de ‘ex-líder da tropa de choque do governo Collor’. O perfil informa, porém, que liderou o Centrão, o bloco conservador que brecou votações cruciais do Congresso Constituinte (1986-1988). Era temido por andar armado e por trair acordos. É conhecido por não assinar pedidos de CPI (a exceção é esta agora, dos Correios) e por defender o mandato de deputados acusados nas comissões (ele mesmo escapou, para surpresa geral, da lista de acusados da CPI do Orçamento).


O ponto alto


No discurso do dia 17 [cuja íntegra pode ser lida aqui], voltaram-lhe à memória todos os recursos oratórios dos tempos de Povo na TV. Em voz ora compungida, ora trêmula, ora enérgica, apelou a lições da juventude para dizer que todos ali já teriam passado ‘pela situação de ver alguém vendendo prestígio, vendendo intimidade, vendendo confiança, pedir dinheiro em nosso nome’. Boa parte do plenário – como não? – balançou a cabeça. Distribuiu elogios ao repórter da Veja que assinara a denúncia – ‘É um homem sério, correto. Duro, mas um homem correto, que não está livre de se enganar’, informara-lhe, generosa, a assessoria de imprensa – para em seguida delatar intimidades com outro profissional, do Estado de S.Paulo. Atirou contra os arapongas que gravaram a cena de corrupção para depois proteger correligionários. Afirmou categoricamente que jamais se encontrara com Marinho, dentro ou fora dos Correios, ‘para conversar sobre negócios’ – mas ‘ele esteve uma vez no meu aniversário. Outra vez, no aeroporto, embarcando, quando se encontrava com um grupo de pessoas da empresa e me cumprimentou’.


O ponto alto do show, porém, foi um trecho lacrimoso:




‘Há um preconceito contra mim que eu não consegui quebrar, e é culpa minha, Sras. e Srs. deputados. Confesso que, no passado, eu vendia aquela imagem de troglodita mesmo: 175kg. Lembro-me de que, na sessão solene pela morte do deputado Luis Eduardo Magalhães, eu estava de terno de linho branco, era gordo, enorme. O senador Antonio Carlos Magalhães presidia a sessão e me chamou. A câmera cortou a cena em mim, e eu vinha pelo meio do plenário. Subi a esta tribuna e cheguei ao microfone ofegante. Era um troglodita, sim. (…) usei revólver na cintura, pratiquei tiro ao alvo a minha vida inteira porque fazia disso uma muleta.


‘Eu queria vender a imagem do homem valente, bravo. E não descobri isso por mim mesmo, não, mas na terapia que fiz para fazer a cirurgia [de redução do estômago]. Precisava enxergar medo para não ver rejeição. Eu era uma espécie de fantasma da ópera, eu era o fantasma do Parlamento. Eu temia o olhar de rejeição, por isso fazia aquela cena de troglodita, de homem bravo. Eu tinha medo do olhar de rejeição e preferia substituí-lo pelo olhar de medo. (…) Melhorei por dentro e por fora. Sou muito mais sereno, muito mais calmo, estou numa situação muito melhor. Minha auto-estima subiu. Fiz plástica. Voltar ao peso ideal não é fácil. Tinha 175cm de cintura, hoje tenho 100. Sobrou e tive de fazer plástica. Não é fácil voltar à normalidade. Mas eu me sentia o fantasma do Parlamento. Repito: precisava intimidar com aquela imagem de valente, para não enxergar nos olhos das pessoas a rejeição que hoje vi na rua no olhar de alguns: ‘Ali o cara envolvido no escândalo dos Correios’’.


Atrás do prejuízo


Nos tempos de ‘troglodita’, Jefferson detestava a imprensa. Em discurso na tribuna em junho de 1994, quando saiu em defesa do deputado Ézio Ferreira (depois cassado no rastro da CPI do Orçamento), disse que a imprensa é ‘um poder liderado pela vontade das redações dos grandes jornais’, um ‘poder autoritário e fascista’. Defendeu o fechamento do Comitê de Imprensa da Câmara e afirmou que os jornalistas deveriam despachar ‘na rampa’. Para ele, a imprensa era ‘o maior poder do país’ e a Câmara estava ‘agachada, de cócoras’. E ainda declarou que a Câmara era transparente por exigência da imprensa. ‘Aqui se faz o que a Veja quer, o que o TJ Brasil quer, o que O Globo, o Jornal do Brasil, a Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo desejam.’ [Folha, 23/6/1994]


Roberto Jefferson fez escola. O deputado estadual Maurício Picarelli (PTB-MS) apresenta O Povo na TV no SBT local. Para ver o nível, visite o site do parlamentar. A notícia mais simplezinha – há piores – é que uma cobra de 4 metros e meio engoliu um cachorro numa escola. O texto de apresentação do deputado no site da Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul diz assim:




‘Além da atividade parlamentar, Picarelli é jornalista. Apaixonado pela comunicação, o deputado apresenta há 21 anos o programa O Povo na TV, veiculado na TV Campo Grande, afiliada do SBT, e também o programa O Povo se Defende, na Rádio Cultura.’


O show de Roberto Jefferson só não teve efeito positivo para os Correios, que agora correm atrás do prejuízo. No sábado (21/5), esta redatora recebeu pela primeira vez na vida a ligação de um instituto de pesquisa: uma entrevistadora do Vox Populi, em seu sotaque mineiro, queria saber a opinião dos entrevistados sobre a imagem da ECT. Qualquer um pode adivinhar o resultado da sondagem.