Ao concluir o julgamento da ação proposta pelo deputado Miro Teixeira contra a Lei de Imprensa editada no regime militar, sob a alegação de que ela cerceia a liberdade dos órgãos de comunicação e é incompatível com o regime democrático, nove ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acompanharam na íntegra ou em parte o voto do relator, Carlos Ayres Britto, classificando-a como inconstitucional. Só o ministro Marco Aurélio Mello defendeu a manutenção da lei. O julgamento, iniciado em abril, foi suspenso por causa da Semana Santa.
Mesmo já havendo maioria de votos para a revogação da Lei de Imprensa, o Supremo debateu longamente os efeitos que essa medida poderia causar no cotidiano dos órgãos de comunicação. Seis ministros endossaram a tese do relator, que propôs a revogação sumária da lei, sob a justificativa de que as questões relativas à imprensa podem ser decididas com base nos Códigos Penal e Civil. E três ministros defenderam a revogação parcial da lei, com a supressão dos artigos flagrantemente inconstitucionais e a manutenção dos demais, principalmente dos que disciplinam o direito de resposta e proíbem a divulgação de mensagens racistas e de propaganda de guerra.
Para o relator e para os seis ministros que o acompanharam, não há meio-termo ou contemporização em matéria de imprensa. ‘Ou ela é inteiramente livre ou dela já não se pode cogitar senão como simples jogo de aparência jurídica. A imprensa é o espaço institucional que melhor se disponibiliza para o uso articulado do pensamento e do sentimento humano, como fatores de defesa e promoção do indivíduo, tanto quanto da organização da sociedade’, disse o ministro Ayres Britto, depois de lembrar que a Lei de Imprensa, concebida num período autoritário, reserva aos jornalistas um tratamento mais rigoroso do que aquele que as leis cíveis e penais preveem para os demais cidadãos.
Vácuo jurídico
Os três ministros que defenderam a revogação parcial – Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes – repetiram as críticas de seus colegas à Lei de Imprensa, mas advertiram para os problemas jurídicos que sua revogação total poderá acarretar. O mais incisivo foi o presidente do STF. Segundo ele, como o Código Penal é omisso em vários aspectos dos crimes de imprensa, o vácuo decorrente da revogação total da Lei de Imprensa poderá deixar a mídia e os cidadãos à mercê de interpretações intempestivas de juízes singulares.
‘A desigualdade de armas entre a mídia e o indivíduo é patente. O direito de resposta é uma tentativa de estabelecer um mínimo de igualdade de armas. Vamos criar um vácuo jurídico numa matéria dessa sensibilidade?’, disse Mendes, depois de citar o exemplo da Escola Base. Em 1994, a imprensa noticiou que crianças teriam sofrido abusos sexuais na instituição. Mais tarde, comprovou-se que a informação era falsa, mas a imagem dos diretores do colégio estava arruinada. ‘Este é o caso trágico que nos envergonha a todos. Como reparar um dano como esse?’, alegou o presidente do STF.
Os três ministros que defenderam a tese da revogação parcial também poderiam ter apresentado outros casos preocupantes. Ao se basear no Código Penal para julgar crimes de imprensa, por exemplo, alguns juízes de primeira instância já autorizaram censura prévia, o que é proibido pela Constituição. Há, ainda, casos em que, por falta de parâmetros, foram fixadas indenizações por danos morais, capazes de comprometer a saúde financeira dos órgãos de comunicação processados. Além de ser mortal para a mídia regional, isso pode levar a reivindicações abusivas de quem se sentir ofendido por uma publicação. Por esses motivos, desde o início do julgamento, a Procuradoria-Geral da República, a Associação Nacional dos Jornais e a Federação Nacional dos Jornalistas manifestaram-se favoráveis apenas à revogação parcial da Lei de Imprensa.
Diante do vácuo jurídico deixado pela decisão do STF, cabe ao Congresso elaborar e aprovar, o quanto antes, uma lei de imprensa que, refletindo os preceitos do Estado Democrático de Direito, garanta expressamente o papel crítico da imprensa e preserve o livre exercício do direito de expressão e de informação, coibindo abusos.