Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O ambientalismo na pauta

A anedota sobre o bom vendedor que consegue até mesmo empurrar uma geladeira para um esquimó está se tornando realidade. Segundo reportagem publicada pelo Globo na quarta-feira (3/12), os inuítes, povo tradicional do Ártico, estão adquirindo congeladores para armazenar os alimentos, por causa do derretimento das geleiras e do aumento da temperatura média no Polo Norte. A crise ambiental se acelera e muitos deixam as regiões isoladas e vão viver em cidades maiores na Groenlândia ou no Canadá.

O relato pitoresco vem no pé de uma ampla reportagem sobre o papel das populações indígenas da Amazônia na manutenção do equilíbrio ambiental na região equatorial. Um estudo divulgado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que acontece em Lima, no Peru, revela que as áreas ocupadas por comunidades tradicionais, em nove países latino-americanos, estão entre as principais regiões armazenadoras de carbono em todo o planeta. Portanto, há mais do que razões humanitárias ou antropológicas para a defesa desses territórios: eles contribuem para o bem-estar de toda a humanidade.

Entre os principais diários de circulação nacional, o jornal carioca é o que mais investe na cobertura do evento, recolocando na agenda o debate sobre a questão climática, que foi relegado a segundo plano com o noticiário mais intenso sobre economia e política. Os outros jornais publicam reportagens pontuais sobre casos relacionados de alguma forma à questão ambiental, como o protesto dos índios Mundurukus, no Pará, contra a construção do complexo hidrelétrico do Tapajós ou a morte de periquitos num condomínio de Manaus.

A cobertura mais ampla da conferência da ONU cria a oportunidade de devolver ao tema das mudanças climáticas o espaço perdido no noticiário nos últimos anos. Depois de um importante avanço, documentado ano a ano pelo Instituto Ethos, a questão da sustentabilidade do modelo civilizatório vem perdendo relevância na imprensa brasileira, fazendo desaparecer das páginas de jornais e revistas e dos noticiários eletrônicos os profissionais que se haviam especializado nas diversas vertentes dessa complexa área de conhecimento.

Jornalismo e sustentabilidade

A sobrevivência de alguns projetos de mídia especializada, como a agência Envolverde (ver aqui), é quase inexplicável diante da falta de apoio publicitário. No entanto, em mais de uma década essa agência tem sido uma das principais fontes de formação de jornalistas especializados, alguns dos quais passaram a atuar em ONGs, empresas, entidades governamentais e na chamada grande imprensa. Um movimento iniciado há cerca de oito anos, pela criação de uma política de comunicação para estimular o jornalismo crítico na temática ambiental, esbarrou na indiferença das autoridades federais.

Com o interesse da mídia hegemônica reduzido a quase zero, a cobertura da crise climática retrocedeu ao tempo do mico-leão, com reportagens pontuais que reduzem o complexo tema da sustentabilidade a historinhas infantis. Nem mesmo o grave problema hídrico da região Sudeste, que poderia levar à discussão sobre o desmatamento das matas ciliares e a degradação das fontes de água, foi capaz de sensibilizar as redações para a necessidade de encarar o processo de expansão das cidades e a falta de racionalidade na exploração da terra.

Já se disse, neste Observatório, há alguns anos, que a mídia tradicional não vai avançar na busca de conhecimento sobre o problema climático porque as perguntas irão conduzir, necessariamente, a questões incômodas para o breviário da economia de mercado, como a sustentabilidade do sistema econômico, as condições para o uso da propriedade e a apropriação, pelo interesse privado, de bens coletivos como a água e a atmosfera. No entanto, há um vasto espaço a ser explorado entre a omissão atual e um debate profundo sobre modelos civilizatórios.

Não basta, por exemplo, publicar com estardalhaço os números parciais do desmatamento na Amazônia e, ao mesmo tempo, ignorar o avanço das grandes culturas e da pecuária sobre regiões protegidas. Por isso, a reportagem do Globo é um avanço. Tímido, relativo e superficial, mas suficiente para colocar em outro patamar o debate sobre a importância de preservar as reservas indígenas.

O papel dessas comunidades na redução das emissões de carbono merece mais do que essa página isolada, mas já é alguma coisa no meio do preconceito geral que certa o tema.