Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O futuro da rede em debate

Com mais ou menos interesse, a imprensa tem noticiado nos últimos dias a próxima realização em São Paulo, ao longo desta semana, da conferência internacional NETMundial, que vai tratar da governança global da internet. O evento reúne desde fundadores da rede mundial de computadores até militantes de direitos civis e representantes de empresas de tecnologia. Trata-se de um encontro que poderá definir o modo como iremos nos comunicar no futuro.

Um dos principais desafios desse conclave será reduzir a influência dos Estados Unidos, que controla a gestão dos domínios, ou seja, administra o “território” onde se instalam os endereços virtuais. Considerado pelo governo americano uma questão estratégica tanto do ponto de vista econômico quanto sob o aspecto da segurança nacional, o controle desses domínios é feito pela ICANN, cujo nome significa, em português, Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números.

O problema, nesse caso, é a falta de transparência e a suspeita, muitas vezes levantada, de que a entidade funciona como um braço do governo americano, eventualmente suscetível à ação dos serviços de informações cujas decisões não costumam respeitar o direito internacional. Os esforços para abrir o núcleo de controle da internet a organismos mais democráticos e representativos de todas as nações se direcionam no sentido de criar uma governança menos sujeita aos interesses dos Estados Unidos.

Há quem considere que esse problema acabará superado pela própria tecnologia, que em um futuro próximo poderá criar outras formas de definir o compartilhamento do chamado ciberespaço, tornando desnecessário ou inócuo o sistema de endereços IP – Protocolo da Internet – ou DNS – o Sistema de Nomes de Domínios. Nesse caso, não seria mais necessário ter uma identidade dessas que começam com www.

De qualquer maneira, o que se discute agora é a lógica do controle estatal ou corporativo, que não faz muito sentido no ambiente virtual.

Picuinhas políticas

Entre os quase mil ativistas, tecnólogos, gestores e acadêmicos que irão se reunir entre os dias 23 e 24/4, quarta e quinta-feira, em São Paulo, há uma grande variedade de expectativas, mas o ponto central é a necessidade de garantir que a rede mundial de comunicação digital continue livre para se expandir e agregar todas as melhorias que a tecnologia oferece.

Como um organismo ainda em formação, a internet pode sofrer distorções em seu desenvolvimento se for condicionada por interesses privados ou pelas conveniências políticas de um país ou região.

O governo dos Estados Unidos tem dado sinais de que pode abrir mão do controle dos protocolos que organizam o campo virtual, mas existe também o risco de que nesse processo se estabeleçam áreas restritas, como resultado da influência de países que tentam censurar seus próprios cidadãos. Mal ou bem, ainda que atingida por críticas eventuais, a supervisão dos americanos tem permitido a expansão da rede sem afetar o direito universal de acesso.

Segundo analistas citados pelo Estado de S. Paulo na segunda-feira (21/4), as denúncias do ex-agente americano Edward Snowden, que revelou o esquema de espionagem do serviço secreto dos Estados Unidos, embora tenham aumentado as desconfianças em relação à transparência do sistema de gestão, não produziram uma redução na autonomia da rede. O Brasil reagiu na direção correta, ampliando as garantias de liberdade com a proposta do Marco Civil da Internet, cuja votação foi atrasada por manobras da oposição. Assim, as costumeira picuinhas que fazem a rotina do Congresso Nacional podem impedir que a proposta, considerada por especialistas como um modelo adequado de regulamentação, seja apresentada na NETMundial.

Entidades como a ONG Artigo 19, que promove na terça-feira (22/4) um encontro de quase uma centena de organizações civis de várias partes do mundo, tratam de buscar um equilíbrio entre os interesses governamentais, corporativos e acadêmicos para garantir o protagonismo dos cidadãos e a continuidade da internet como espaço de autonomia. O propósito é assegurar que a rede de comunicação digital preserve os direitos fundamentais, continue se ampliando como uma rede de arquitetura aberta e descentralizada e governada de maneira compartilhada.