Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Globo

A TRAJETÓRIA DE OCTAVIO FRIAS…
Rachel Bertol

Octavio Frias: um legado que nasceu do nada

‘No livro ‘A trajetória de Octavio Frias de Oliveira’ (Mega Brasil), de Engel Paschoal, uma das curiosidades que se pode ler sobre o publisher do jornal ‘A Folha de S. Paulo’ é o seu gosto por obras de auto-ajuda. Antes de comprar a ‘Folha’, já aos 50 anos, em 1962, Frias tinha se envolvido em inúmeras atividades na área de negócios – trabalhara no serviço público na área da Fazenda, fora banqueiro, era dono de uma empresa emissora de títulos os mais diversos, administrador de terminal rodoviário – e utilizava os ensinamentos obtidos em best-sellers do tipo ‘Como fazer amigos e influenciar pessoas’ para inspirar as aulas de vendas que ministrava e como método de persuasão cotidiano.

Foi tendo em mente uma frase que aprendeu num desses livros – ‘O homem é um ser sedento de apreciação e carinho’ – que conseguiu, com seus ‘elogios honestos’, tema de uma de suas aulas de vendas, fazer chorar Júlio Mesquita num encontro que tiveram na segunda metade dos anos 50 no escritório do dono de ‘O Estado de S. Paulo’, jornal que, anos depois, se tornaria quase uma obsessão para Frias e seu sócio na ‘Folha’, Carlos Caldeira. Isso porque o grande objetivo da gestão iniciada na década em que o regime militar se implantou no país era, junto com o saneamento das finanças, superar em vendagem o ‘Estado’, considerado então imbatível. O encontro naquele dia não chegou a ter resultados concretos, até porque a questão (a venda de assinaturas pela Transaco, a empresa de Frias emissora de títulos) era decidida por outra pessoa. Porém, conta ele, ‘me ficou gravada a entrevista com o Júlio Mesquita, que era uma alta personalidade e eu era um joão-ninguém, e ele se emocionando, chegando às lágrimas’.

No livro de 300 páginas, que o jornalista Engel Paschoal define, em vez de biografia, como perfil, escrito em seis meses para celebrar a entrega a Frias do Prêmio Personalidade da Comunicação de 2006, duas características do empresário de 94 anos sobressaem: a capacidade de se relacionar – ele parte do nada para construir seu legado – e, como observa o próprio filho Octavio, que assumiu a direção da redação do jornal em 1984, o desapego a questões ideológicas. Ao comentar a atuação do grupo Folha nos anos da ditadura, Octavio Frias Filho afirma sobre o pai: ‘Direita, esquerda, essa geografia não existe na cabeça dele, mas ele dizia: ‘É um período de guerra, de polarização, de um lado contra o outro’.

Os anos de chumbo não foram fáceis para o jornal e tampouco para a família. No início dos anos 70, o grupo, sobretudo através da ‘Folha da Tarde’, um de seus jornais, foi acusado de prestar favores a militares e de ter veículos do jornal utilizados para ações oficiais – sem que a família, como afirmam seus membros no livro, soubesse o que acontecia. Octavio reconhece que ‘a então ‘Folha da Tarde’ dava um tratamento tão agressivo em relação à guerrilha, ao Lamarca etc., que a ‘Folha de S. Paulo’ foi colocada como alvo da VAR-Palmares e da ALN, e eles chegaram a fazer atentados contra caminhões do jornal. Queimaram três caminhões da ‘Folha’, ameaçaram de morte o meu pai. Minha família morou no prédio da ‘Folha’, da morte do Lamarca, em setembro de 1971, até fevereiro de 1972’. Os Frias andavam escoltados, nessa época, por agentes do Dops.

– Como toda a imprensa, a ‘Folha’, num primeiro momento, apoiou a Revolução. Depois é que se percebeu que aquele não era o caminho – afirma Paschoal.

Foi em 1976, sob a direção de Claudio Abramo, que estava à frente da redação desde 1965, que se iniciou uma nova etapa, reconhecida como de maior pluralidade, com a criação da seção ‘Tendências/Debates’ na página 3. A partir de então, o jornal passou a desempenhar papel mais ativo no confronto democrático – mesmo assim, Abramo foi demitido a pedido do governo, na gestão do general Geisel. De acordo com depoimento do jornalista Ricardo Kotscho, que lá trabalhou, a ‘Folha’ passou a ser, no início dos anos 80, ‘o jornal da abertura política’.

Para Engel Paschoal, o livro, que será lançado no Rio dia 22 de setembro, às 17h, na Academia Brasileira de Letras (ABL), lança luz sobre a trajetória de uma influente personalidade do Brasil no século XX. Dessas sobre a qual nada tinha sido escrito e que, muitas vezes, correm o risco de passar pela História sem o registro que merecem.’

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O Estado de S. Paulo – 2

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