Aprovada pela 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), a ideia de se criarem órgãos de controle e regulação da mídia começa a sair do papel em estados do Nordeste. A medida polêmica e intempestiva tem sido implementada justamente por políticos profissionais, aqueles que representam a classe mais fiscalizada e incomodada pela imprensa. Entidades como a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já se posicionaram categoricamente contra a criação de órgãos que possam inibir a mídia. O conselheiro da OAB de Minas Gerais, Sérgio Rodrigues Leonardo, declarou ao jornal O Tempo que esses conselhos são ‘inaceitáveis’, sendo a OAB em Minas ‘veementemente contra esse tipo de iniciativa’. Ele alega que já existem mecanismos legais para conter os abusos da imprensa.
Já Paulo Roque Khouri, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), foi mais categórico ao se posicionar contra a ideia de controle da informação. Para ele, ‘a sociedade está certa de desconfiar dos governos’, pois ‘tudo o que envolve imprensa e Estado envolve tensão. É de interesse do Estado calar a mídia e é fundamental para a democracia uma imprensa livre’.
Na contramão dessas opiniões, o presidente da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, garante que a intenção não é censurar, ‘mas estabelecer mecanismos que tornem público o acompanhamento das atividades da mídia, sem ingerência do poder público, nem do poder privado’.
A posição de Schröder já era esperada, uma vez que, na condição de vice-presidente da Fenaj, no ano passado, ele foi um dos organizadores da 1ª Confecom. Contraditoriamente, talvez por mágoa de péssimos patrões da imprensa brasileira, a Fenaj, órgão que congrega os sindicatos de jornalistas, tem se colocado ao lado daqueles que desejam ‘regular’ a informação no país.
Obstáculos à liberdade de informação
Em nota oficial, Fenaj e entidades dos chamados movimentos sociais manifestam que ‘um conselho tem como finalidade principal servir de instrumento para garantir a participação popular, o controle social e a gestão democrática das políticas e dos serviços públicos, envolvendo o planejamento e o acompanhamento da execução destas políticas e serviços públicos’.
Diante de um mal, que é o sensacionalismo exagerado e a defesa deslavada de interesses de grupos políticos e econômicos por parte dos veículos de comunicação, a Confecom e essas entidades endossam a ideia do ‘controle social’ da mídia. O termo parece moderno e politicamente correto, mas pode ser apenas um modo sutil de se propor o retorno da censura – embora afirmem o contrário, usando o comportamento da grande mídia como contraponto.
Essa tentativa já havia sido feita durante o primeiro mandato do presidente Lula. Ao se verem acuados pelas denúncias do mensalão, os petistas recuaram e, em 2009, pegaram carona na legitimidade da Confecom. O evento, realizado em Brasília, foi convocado pelo próprio presidente, em cumprimento a um dispositivo constitucional.
Ninguém sabe ainda o que são e como vão funcionar os tais conselhos de comunicação. É inacreditável, no entanto, que profissionais da informação possam concordar com a implementação de mecanismos que visam justamente dificultar o seu trabalho e limitar a liberdade de expressão. Pior ainda quando tais medidas partem da classe política, que se serve das decisões da Confecom para criar obstáculos à liberdade de informação.
A reativação do CCS
Curioso notar que se alguns veículos de comunicação se colocam frontalmente em oposição ao atual governo, outros aderiram à onda vermelha da candidata oficial à presidência. Por outro lado, existem profissionais e sindicalistas que trabalham abertamente em total concordância com os interesses do Planalto, o que também é normal num regime democrático. Mas será que os tais órgãos reguladores vão fiscalizar também esse tipo de conduta e até que ponto ela seria de fato espontânea?
Claro que toda atividade profissional precisa ser regulamentada e fiscalizada por órgãos competentes. Os jornalistas, cuja obrigatoriedade do diploma foi nefastamente descartada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ainda carecem de um conselho federal que funcione nos moldes da OAB ou dos conselhos de medicina e/ou arquitetura, por exemplo.
No entanto, criar mecanismos de controle da informação pura e simplesmente é a mesma coisa que ressuscitar a censura. A sociedade brasileira precisa estar atenta a esse risco e não permitir que tal aconteça. Dependendo do modo como esses conselhos funcionem, o que estará em jogo não será somente a atividade jornalística e a liberdade de expressão, mas a própria democracia.
Como Alberto Dines registrou em recente artigo publicado no Observatório da Imprensa, ‘para iniciar e legitimar o debate sobre regulação da mídia basta cumprir a Constituição, que vem sendo desrespeitada flagrantemente há quatro anos desde quando os asseclas de José Sarney mandaram para o brejo o Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão auxiliar do Congresso Nacional, e o desativaram sem qualquer escrúpulo (Capítulo V, artigo 224, da Constituição)’.
Dines defende que o CCS precisa ser imediatamente reativado, pois ‘é o fórum legítimo e legal para examinar as questões relativas ao processo de comunicação, organizar o debate sobre a regulação da propriedade, opinar sobre projetos em tramitação no Congresso, trazer especialistas do exterior, modelos alternativos de consulta etc.’. Segundo ele, as versões paroquiais do CCS são ilegais e não podem ser aceitas pela sociedade.
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Escritor e jornalista, Belo Horizonte, MG