A ausência do ministro das Comunicações foi o fato mais eloqüente do I Fórum Nacional de TVs Públicas, realizado recentemente em Brasília. Tanto na cerimônia de abertura – que contou com a presença dos ministros da Cultura, da Educação, da Secretaria Geral e da Secretaria de Comunicação Social, além dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal – como na de encerramento, da qual participou o próprio presidente da República. O ministro das Comunicações, além de não estar presente, sequer foi mencionado por qualquer dos oradores.
O mesmo aconteceu ao longo das mesas, painéis, exposições e debates. Quando um funcionário do Ministério das Comunicações, fisicamente presente, participava do debate, era notória uma certa falta de sintonia com o ‘clima’ geral dominante no evento.
O fato é, sem dúvida, de um surrealismo tipicamente brasileiro: o ministro das Comunicações, e o seu ministério, ausentes ou sem sintonia no Fórum Nacional que discute – com o apoio e a presença do presidente da República – a implantação de uma rede de televisão pública no país.
Marco regulatório
Um dos temas obviamente tratados durante o I Fórum Nacional de TVs Públicas foi o seu marco regulatório. A criação de uma rede de televisão pública envolve, no mínimo, uma análise sobre a regulação da radiodifusão no país. Não há como fugir da evidência de que uma lei geral de comunicação eletrônica de massa é inadiável e que a construção de um marco regulatório deve contemplar a convergência tecnológica dentro dos princípios definidos na Constituição de 1988, inclusive o da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. A própria Carta de Brasília, documento final do Fórum, recomenda ‘a regulamentação da Constituição Federal em seu capítulo sobre Comunicação Social, especificamente os artigos 220, 221 e 223’.
A reivindicação histórica dos movimentos sociais comprometidos com a democratização da comunicação no país é que a construção desse marco regulatório para a radiodifusão brasileira – privada, pública e estatal – se faça por intermédio de uma ampla e democrática Conferência Nacional de Comunicação, a exemplo do que já se fez em outras áreas de políticas públicas, como a saúde e a educação.
Foi neste contexto que, no dia 15 de maio – apenas três dias após o encerramento do Fórum (ao qual não compareceu) – o ministro das Comunicações repetiu o mesmo procedimento que já havia adotado ao anunciar uma TV do Executivo, ignorando e atropelando toda a articulação que estava em andamento em torno da construção de uma rede pública de televisão.
Agora ele anunciou que ‘o governo’ realizará, na segunda semana de agosto, ‘uma grande conferência de comunicação’ com o propósito de discutir as leis que regem a comunicação no Brasil, incluindo a revisão do marco regulatório do setor. ‘Essa conferência é o fórum de que precisamos para fazer esse grande debate’, disse. Informou ainda que a conferência será realizada em conjunto com a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, a Agência Nacional de Telecomunicações e a Universidade de Brasília.
Jogo de interesses
A questão fundamental que fica após o anúncio do ministro das Comunicações é: qual Conferência Nacional de Comunicação será essa?
Um debate plural e democrático, de baixo para cima, envolvendo amplos setores da sociedade civil organizada nos municípios, regiões, estados, com a realização de conferências estaduais e regionais preparatórias, culminando com um encontro deliberativo nacional? Ou um encontro dos principais players, experts e técnicos do governo para legitimar uma proposta previamente negociada de marco regulatório?
É de se esperar que o ministro das Comunicações inclua na organização da Conferência que anunciou – além dos setores que há décadas defendem a necessidade de realização de uma Conferência Nacional de Comunicação democrática –, por exemplo, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Essa Comissão, com o apoio e envolvimento de cerca de 50 entidades, está articulando, desde o início do ano, um Encontro Nacional de Comunicação, Direitos Humanos e Democracia, previsto para acontecer em junho próximo, como etapa preparatória de uma Conferência Nacional de Comunicação.
Na verdade, o observador atento ao cenário das comunicações não deve se deixar surpreender por anúncios como o que agora foi feito pelo ministro das Comunicações.
Em tempos de convergência digital, entrada de novos e poderosos atores no mercado e redefinição de modelos de negócio, o anúncio, em maio, da realização, em agosto, de uma Conferência Nacional de Comunicação – seja lá o que essa conferência venha a ser – é, certamente, apenas mais um ‘movimento’ no pesado jogo de interesses que se desenrola para a definição do futuro próximo das comunicações no país.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006)