Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os presidenciáveis e a comunicação



Às vésperas de eleições gerais no País, a revista MídiaComDemocracia, publicada pelo FNDC, procurou os quatro principais candidatos à Presidência da República do Brasil para descobrir qual sua posição a respeito da democracia nas comunicações. Para contribuir com a escolha dos eleitores no pleito do próximo domingo, edição especial do e-Fórum publica a íntegra das entrevistas e posicionamentos de Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin, Heloísa Helena e Cristovam Buarque.


Historicamente, comunicação é tema geralmente relegado às últimas linhas dos programas dos candidatos a cargos eletivos no Brasil quando não é esquecida ou omitida propositalmente. Mesmo estando no centro de quase todas as decisões políticas tomadas por qualquer governante moderno, políticas públicas para esta área são quase um tabu. Por isso, foi uma tarefa árdua para a equipe da revista MídiaComDemocracia obter respostas dos principais candidatos ao cargo público mais importante da Nação.


O que cada um dos principais candidatos à Presidência da República do Brasil pensa sobre assuntos tão diversos quanto digitalização das comunicações, coronelismo eletrônico, marco regulatório, rádios comunitárias e outras pautas de luta do FNDC estão aqui registradas e podem servir de base para reflexões e futuras reivindicações da sociedade preocupada com a democratização da comunicação.


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Luiz Inácio Lula da Silva


Lula promete modelo democratizante para as comunicações, mas não detalha programa


A Coligação A Força do Povo (PT/PRB/PCdoB) não respondeu às perguntas da revista MídiaComDemocracia a tempo de serem publicadas. Conforme a assessoria do candidato Lula, o programa setorial para a Comunicação estava sendo debatido pela Comissão de Programa de Governo e seria disponbilizado tão logo fosse finalizado. Um rascunho do que seria o programa do PT para a Comunicação chegou a vazar para a imprensa, detalhando o que seriam as ações do governo para a área, num segundo mandato. Assim, reproduzindo os acontecimentos pré-eleitorais de 2002, a sociedade desconhece os detalhes da visão do candidato líder nas pesquisas sobre área das comunicações.


A seguir, a resposta recebida dos responsáveis pelo programa:


‘O Programa de Governo 2007/2010, lançado no dia 29 de agosto, inclui tópico especial para a Comunicação. O texto, na íntegra, assume o compromisso de:


** Construir um novo modelo institucional para as comunicações, com caráter democratizante e voltado ao processo de convergência tecnológica.


** Incentivar a criação de sistemas democráticos de comunicação, favorecendo a democratização da produção, da circulação e do acesso aos conteúdos pela população.


** Fortalecer a radiodifusão pública e comunitária, a inclusão digital, as produções regional e independente e a competição no setor.’


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Geraldo Alckmin


Alckmin acha imprescindível um amplo diálogo para construir novo modelo para o país


Qual seu programa de governo para a área das comunicações no Brasil?


Geraldo Alckmin – No Brasil, onde as diferenças econômicas e sociais são tão grandes, a área de comunicações reveste-se de fundamental importância para o desenvolvimento e consolidação da cidadania. Temos por isso que pensar comunicações como um instrumento efetivo, eficiente e eficaz de promoção da informação, da educação e da cultura, além de disseminador do entretenimento.


Qual sua visão sobre a importância da digitalização das comunicações para o desenvolvimento da economia e da cultura nacionais?


Geraldo Alckmin – A digitalização não pode ser vista unicamente como um fenômeno tecnológico. Ela é, principalmente, uma ferramenta que amplia os meios para relacionamento entre as pessoas e com as organizações, especialmente dos cidadãos com o governo, e é um fator de desenvolvimento para o País. Por isso, pode e deve ser utilizada pelo Estado como um moderno e poderoso veículo para o crescimento econômico e o desenvolvimento social.


A área das comunicações no Brasil vive uma dispersão normativa e um vazio regulatório que abre margem para que os interesses privados dos chamados ‘donos da mídia’ prevaleçam sobre o interesse público e sobre as demandas da sociedade civil. Como será a condução deste processo de revisão do marco regulatório no seu governo?


Geraldo Alckmin – O Brasil, no final dos anos 90, empreendeu um dos mais arrojados projetos de modernização das suas telecomunicações, que se tornou referência no mundo. Os profissionais e as instituições brasileiras estão aptos a completar esse projeto, que foi interrompido nos últimos anos, criando para o segmento de mídia eletrônica, um marco regulatório que recepcione os princípios e conceitos mais modernos de regulação das comunicações, sem descuidar da importância dos empreendimentos que tornaram o País um dos mais destacados no mundo nesse segmento.


Em vários países europeus é comum a existência de um espaço regulador – seja por meio de agências reguladoras ou de conselhos formados por representantes da sociedade civil – que estabeleça dispositivos que visem o controle público das áreas das comunicações. No Brasil, entretanto, a visão que prepondera entre as empresas e a classe política é a da auto-regulação dos meios de comunicação e a denúncia de qualquer tipo de tentativa de acompanhamento por parte do Estado como ação de censura ou intervencionismo estatal. Em seu governo, como se dará a regulação dos meios de comunicação?


Geraldo Alckmin – Ainda que a presença do Estado possa ser necessária, principalmente na esfera regulatória, é muito importante preservar a liberdade de expressão e de informação e o direito do cidadão de ser informado. Embora o marco legal, no que diz respeito a conteúdo eletrônico, esteja obsoleto, é imprescindível que se estabeleça um amplo diálogo, envolvendo todas as partes interessadas, para se construir um novo modelo capaz de servir ao País nos anos por vir.


No governo atual e no passado, as rádios comunitárias sempre sofreram pela morosidade na apreciação de seus pedidos de outorga, de um lado, e pela perseguição política e o fechamento arbitrário de dezenas de emissoras, de outro. Se eleito, qual será sua política para a radiodifusão comunitária?


Geraldo Alckmin – A Lei n°. 9.612/98, que instituiu a Rádio Comunitária no Brasil, decorre de um Projeto encaminhado ao Congresso pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Isso deixa claro o compromisso do PSDB com esse serviço, de especial importância para o desenvolvimento da comunicação social. Ainda no governo do PSDB foram criados canais para rádios comunitárias em praticamente todos os mais de 5.500 municípios brasileiros e foram autorizadas mais de 1.600 rádios. É assim que trataremos a Radiodifusão Comunitária, com estímulo ao desenvolvimento do serviço e não com morosidade, perseguição política e fechamento arbitrário como, pelo que se depreende da pergunta, faz o atual governo.


O senhor é a favor ou contra parlamentares, prefeitos, governadores, ministros e presidentes da República serem concessionários de emissoras de rádio e TV ou mesmo controladores de jornais ou revistas? Por quê?


Geraldo Alckmin – A legislação brasileira não impede que pessoas que gozem de foro especial sejam concessionários ou permissionários de serviços de radiodifusão, aí incluídos a rádio e a TV, vedando apenas a sua participação na gestão da emissora. O que temos que fazer é cumprir a Lei. Isso é que se exige dos cidadãos e dos governantes num regime democrático.


O senhor pretende estimular a produção cultural de forma regional e independente? Seu programa de governo para a área das comunicações inclui a desverticalização da cadeia de produção audiovisual, hoje concentrada no eixo Rio-São Paulo e controlada pela emissora de TV?


Geraldo Alckmin – O Brasil tem se mostrado um qualificado centro de produção de conteúdo não só pela qualidade técnica e artística, como também pela criatividade dos nossos autores. Não há dúvidas, portanto, que estamos entre os mais capacitados produtores de conteúdos e temos que aproveitar esse diferencial, que pode transformar o Brasil num dos centros mundiais de produção de conteúdo. Isso exige a disseminação da produção de conteúdos no País todo, sem que deixemos de valorizar os grandes centros hoje já estabelecidos no País.


Definido o padrão tecnológico para a televisão digital, a transição continuará por vários anos. O que o senhor pensa da decisão tomada pelo governo Lula de adotar o padrão japonês e como seu governo, caso seja eleito, conduzirá as próximas fases do processo?


Geraldo Alckmin – A condução se dará com ênfase nos benefícios que não só a digitalização do sinal de televisão trará, mas, especialmente, os que a transição poderá proporcionar para a sociedade com a ampliação das opções de conteúdos. Isso exigirá também níveis mais avançados de profissionalização para a produção de programas para transmissão em tecnologia digital, inclusive em alta definição, ampliando a geração de empregos no setor.


Enquanto a introdução da tecnologia digital na televisão foi cercada de um debate mínimo com a sociedade e alvo de pesquisas da academia brasileira, o mesmo não vem ocorrendo com a transição para o rádio digital, cujos testes foram autorizados sem qualquer tipo de consulta à sociedade? Como seu governo conduzirá esta definição?


Geraldo Alckmin – Considero que o debate é estimulador de definições mais corretas e tudo faremos para promovê-lo. No caso do rádio digital a definição foi encoberta pelo destaque que se deu ao caso da TV Digital. Embora, na minha visão, a rádio digital também seja de vital importância, pois, tão ou mais rapidamente que a televisão, a radiodifusão sonora precisa se modernizar para enfrentar os desafios que a convergência tecnológica proporciona aos diversos segmentos de comunicações.


Qual sua política para inclusão digital e adoção de software livre por parte dos órgãos da administração direta e indireta?


Geraldo Alckmin – O software livre pode ampliar a capacidade de inovação, reduzir a remessa de royalties para o exterior e ampliar o nível geral de informatização, com economia de recursos, otimizando os gastos com as Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC´s. Por ter código aberto, assegura independência de fornecedor e viabiliza a compatibilidade de novos desenvolvimentos. Assim, pode ajudar a impulsionar programas de inclusão digital, permitindo alocar recursos para profissionalizar jovens que possam desenvolver ferramentas e conteúdos inovadores no País. Entretanto, a adoção do software não pode ser feita em detrimento de outros meios importantes nos sistemas de informatização do governo em todos os níveis.


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Heloísa Helena


Heloísa Helena tem como norte o artigo 221 da Constituição Federal


Qual seu programa de governo para a área das comunicações no Brasil?


Heloísa Helena – Como orientação política geral para essa estratégica área, nosso objetivo é a democratização da informação. Precisamos democratizar a informação, que, em uma sociedade de massas, determina a formação de opiniões e valores, desempenhando assim um papel central na organização social e política. Em nível nacional, apenas seis conglomerados recebem quase 90% do faturamento dos meios de comunicação de massa. Na maior parte do Brasil, a situação mais comum é a de monopólios regionais que associam em uma mesma família, ou grupo, a propriedade de praticamente toda comunicação de massas, o controle da política local e os cargos de representação nos níveis estadual e federal. Sendo usados, basicamente, para induzir o consumo e difundir o estilo de vida a ele associado, esses meios formam uma corrente multiplicadora de vulgarização e mediocridade que invade a informação, a cultura e a política. A censura é praticada quotidianamente em instituições privadas altamente hierarquizadas. Para libertar o potencial criador da sociedade, estabelecer autenticidade na comunicação, garantir o pluralismo e difundir valores construtivos do processo civilizatório, a rede de televisões e de rádios deve ser reorganizada na forma predominante de um espaço público, nem governamental, nem privado.


Qual sua visão sobre a importância da digitalização das comunicações para o desenvolvimento da economia e da cultura nacionais?


Heloísa Helena – Para o desenvolvimento econômico, a digitalização pode representar um impulso formidável para a incorporação de uma nova tecnologia com efeitos multiplicadores importantes em vários setores e particularmente na área do audiovisual. O Ministério da Cultura estima que hoje em dia a economia da cultura e do audiovisual movimenta apenas R$ 4 bilhões por ano, o que não condiz com as imensas possibilidades que a produção relacionada a esse setor já representa para economias mais desenvolvidas. Estudos internacionais indicam que até 2009 a movimentação do setor, em todo o mundo, alcançará o montante de US$ 1,8 trilhão. O crescimento mundial desse mercado é estimado em 7,3% ao ano, sendo que a América Latina é o segundo mercado mais promissor do mundo para fins de expansão, só perdendo para a China. Com respeito à valorização da produção cultural nacional, as oportunidades que podem ser abertas para a ampliação da produção audiovisual independente e a sua veiculação são imensas. Mas, para tanto, a regulação deverá ser estabelecida de acordo com o objetivo de se permitir um redimensionamento do chamado espectro eletromagnético, por onde são transmitidos os sinais do rádio e da televisão, viabilizando a entrada em cena de um conjunto de novos agentes de difusão, muito além dos restritos beneficiários atuais.


A área das comunicações no Brasil vive uma dispersão normativa e um vazio regulatório que abre margem para que os interesses privados dos chamados ‘donos da mídia’ prevaleçam sobre o interesse público e sobre as demandas da sociedade civil. Como será a condução deste processo de revisão do marco regulatório no seu governo?


Heloísa Helena – Teremos de rever todo o arcabouço legal relativo à regulamentação das telecomunicações no país. O atual Código Brasileiro de Telecomunicações, além de absolutamente ultrapassado e inadequado para responder a um conjunto de novas exigências geradas até mesmo pelo surgimento de novas tecnologias (ele é de 1962), desde o seu nascedouro já incorporou uma série de deformações – sob o ponto de vista da democracia -, visando atender os interesses corporativos dos grandes empresários do ramo de TV e rádio. Ademais, para ir se adequando às novas exigências e pressões desses mesmos setores, ao longo dos anos foi sendo produzido um emaranhado de novas leis, decretos, portarias e normas, muitas vezes sem nenhum nexo em relação a uma política coerente e adequada aos interesses da sociedade brasileira, especialmente com relação a mecanismos de controle social e público da programação vinculada nesses meios de comunicação. Mais grave, ainda, é a situação atual – decorrente de decisão tomada no governo FHC – onde a parte referente às telecomunicações foi retirada do corpo legal da regulamentação atinente ao Código. Precisamos, enfim, de um novo Código, que trabalhe com a realidade tecnológica atual e regule a convergência entre diferentes meios de comunicação, amparando legalmente a introdução da digitalização das TV’s e rádios. Portanto, por todas essas razões, torna-se mais do que urgente o ‘refazer’ de todo o percurso legal que venha a conferir ao país uma legislação adequada aos tempos atuais, abrangendo a regulação do rádio, das TV’s aberta e paga, e de toda a área de telecomunicações, a partir de uma clara perspectiva de envolvimento da sociedade civil, como forma de se assegurar uma nova regulação que não fique refém dos poderosos interesses corporativos do setor.


Em vários países europeus é comum a existência de um espaço regulador – seja por meio de agências reguladoras ou de conselhos formados por representantes da sociedade civil – que estabeleça dispositivos que visem o controle público das áreas das comunicações. No Brasil, entretanto, a visão que prepondera entre as empresas e a classe política é a da auto-regulação dos meios de comunicação e a denúncia de qualquer tipo de tentativa de acompanhamento por parte do Estado como ação de censura ou intervencionismo estatal. Em seu governo, como se dará a regulação dos meios de comunicação?


Heloísa Helena – Nas respostas anteriores, já procuramos desenvolver as linhas gerais do modo como encaramos essa questão. Acrescentamos que como norte geral da nova regulação que defendemos, deveremos atender aos princípios explicitados no artigo 221, da Constituição Federal: finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional; produção independente; regionalização da produção cultural, artística e jornalística; respeito aos valores éticos e sociais. Ao apreciar esses princípios, fica clara a absoluta urgência dessa nova regulação e a total inconstitucionalidade que vigora atualmente em nossos meios de comunicação.


No governo atual e no passado, as rádios comunitárias sempre sofreram pela morosidade na apreciação de seus pedidos de outorga, de um lado, e pela perseguição política e o fechamento arbitrário de dezenas de emissoras, de outro. Se eleito, qual será sua política para a radiodifusão comunitária?


Heloísa Helena – Na perspectiva da democratização dos meios de comunicação, a estrutura de radiodifusão comunitária deve ser objeto de incentivo e amparo, particularmente com a sua clara defesa na nova regulação a ser elaborada.


A senhora é a favor ou contra parlamentares, prefeitos, governadores, ministros e presidentes da República serem concessionários de emissoras de rádio e TV ou mesmo controladores de jornais ou revistas? Por quê?


Heloísa Helena – Somos contrários, porque defendemos preferencialmente a propriedade social dos meios de comunicação. Essa é a natureza pública que terá de ser privilegiada na nova conformação que pretendemos estimular para o setor. A propriedade privada e centrada nos interesses pessoais de políticos é uma antítese do que defendemos e aprofunda as possibilidades de apropriação privada e anti-social dos meios de comunicação.


A senhora pretende estimular a produção cultural de forma regional e independente? Seu programa de governo para a área das comunicações inclui a desverticalização da cadeia de produção audiovisual, hoje concentrada no eixo Rio-São Paulo e controlada pela emissora de TV?


Heloísa Helena – Não somente temos a intenção de estimular essa produção regional e independente, como temos a consciência que a melhor maneira de nesse momento garantir que esse objetivo se transforme em realidade é garantir que a regulação da TV digital contemple, com clareza e sem dubiedades, o aproveitamento democrático das possibilidades de estender ao maior número possível de interessados o acesso aos novos canais que o adequado uso do espectro eletromagnético permite, a partir da tecnologia digital. Essa é inclusive a questão mais importante a ser definida nessa fase de implantação da TV digital no país: a mudança qualitativa e quantitativa dos conteúdos audiovisuais que estarão sendo veiculados por essa mídia. A TV digital permite a multiplicação dos atuais canais disponíveis para a veiculação de novos programas. Dependendo da forma objetiva como ela venha a ser regulada, garantiremos uma pluralidade significativa da produção audiovisual, na medida em que definamos a necessidade dessa produção vir a ser regionalizada e realizada pelo maior número possível de realizadores independentes das cadeias de TV’s já implantadas.


Definido o padrão tecnológico para a televisão digital, a transição continuará por vários anos. O que o a senhora pensa da decisão tomada pelo governo Lula de adotar o padrão japonês e como seu governo, caso seja eleito, conduzirá as próximas fases do processo?


Heloísa Helena – Iremos rever todo esse processo recente, onde a escolha do padrão japonês foi fortemente influenciada pelos interesses das redes nacionais de televisão. Sob o ponto de vista do padrão tecnológico mais adequado para o país, recuperaremos todo o trabalho desenvolvido pelo Sistema Brasileiro de TV Digital. Contudo, o mais importante será a prévia definição do novo marco regulatório. Conforme já explicitamos, ele deverá garantir os princípios constitucionais em vigor e assegurar que a ampliação das oportunidades de novos canais para a veiculação de conteúdos fuja do esquema oligopólico de controle, exercido pelas grandes redes.


Enquanto a introdução da tecnologia digital na televisão foi cercada de um debate mínimo com a sociedade e alvo de pesquisas da academia brasileira, o mesmo não vem ocorrendo com a transição para o rádio digital, cujos testes foram autorizados sem qualquer tipo de consulta à sociedade? Como seu governo conduzirá esta definição?


Heloísa Helena – Dentro da mesma perspectiva de trabalho que explicitamos na resposta anterior. Cabe destacar que, em todo esse novo processo que reabriremos, a participação da sociedade civil na definição a ser debatida com os segmentos interessados e com o Congresso Nacional será de vital importância para uma efetiva democratização dos meios de comunicação no Brasil.


Qual sua política para inclusão digital e adoção de software livre por parte dos órgãos da administração direta e indireta?


Heloísa Helena – Ao mesmo tempo em que temos necessidade de responder a problemas educacionais que já deveriam ter sido resolvidos – qualidade de escolas públicas, redução do analfabetismo, particularmente o funcional, e melhorar a qualidade da educação – temos hoje, também, que enfrentar desafios impostos pelas mudanças tecnológicas em todo o planeta, que nos obriga a resolvê-los em conjunto. Por exemplo, já não adianta apenas educar e alfabetizar. Cerca de 13% de brasileiros com mais de quinze anos são analfabetos. Se, a eles, somarmos os chamados analfabetos funcionais – pessoas que escrevem o próprio nome, soletram palavras, mas não conseguem redigir uma carta ou ler um pequeno artigo – chegaremos à espantosa percentagem de 75%. É preciso alfabetizar e educar, mas já incluindo esses brasileiros no universo da informática. Senão, continuarão analfabetos, desta vez, digitais. Hoje, o mundo vive uma revolução tão poderosa quanto a industrial. Ela vem desconstruindo os alicerces da economia mundial e mudando o modo de produção da riqueza. Qualquer projeto de ciência e tecnologia, portanto, não pode estar separado de um novo Projeto para o Brasil. Nós precisamos voltar a crescer muito mais dos que os atuais e medíocres 3,5%, para que a nossa economia volte a gerar os empregos necessários e ao mesmo tempo democratizar a riqueza do país. Claro que, para isso, precisamos fazer uma verdadeira revolução no País em áreas fundamentais e buscar uma maneira soberana de inserí-lo no mundo contemporâneo. Um país da grandeza do Brasil não pode, e não deve, aceitar a idéia de que a criação, seja ela científica ou tecnológica, é coisa de país desenvolvido. Para nós, o desenvolvimento científico e tecnológico é sinônimo de soberania nacional e de superação do impasse gerado pelo subdesenvolvimento e pela desigualdade. A ciência e a tecnologia no nosso governo serão usadas para elevar os níveis de educação e saúde do povo, inserí-los no mundo digital, democratizar o acesso à informação e ao conhecimento, expandir postos de trabalho, promover um desenvolvimento que preserve o meio ambiente e melhore a qualidade de vida dos brasileiros.


A questão de fundo, portanto, é de natureza política: devemos manter o comando do Estado e da economia nacional nas mãos daqueles que não têm compromisso com a construção da Nação? Devemos viver como reféns de agentes – nascidos ou não no Brasil, não importa – que não se integram à nossa sociedade, não se sentem parte dela, não gostam dela, não se misturam com ela, não concebem nela o seu futuro, estão sempre com o pé na porta, prontos para ir embora, e utilizam nosso povo e nossos recursos naturais como meros instrumentos de valorização de uma riqueza cada vez mais desterritorializada? Essa é a grande questão a ser resolvida por nossa geração. Com relação à adoção de software livre por parte dos órgãos da administração federal, temos não somente interesse como criaremos as melhores condições possíveis para a sua plena utilização, superando os impasses da tímida iniciativa que até agora marcou as experiências do gênero no âmbito dos programas do governo federal.


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Cristovam Buarque


Cristovam quer fazer valer a complementaridade dos sistemas público, estatal e privado


Qual seu programa de governo para a área das comunicações no Brasil?


Cristovam Buarque – Um programa que vise à democratização dos meios de comunicação, procurando dar conteúdo à regra constitucional que determina a complementaridade dos programas público, estatal e privado por meio de três propostas:
1. concessão de maior espaço para o desenvolvimento tecnológico de modo a propiciar a inclusão digital; 2. consolidação e fortalecimento dos instrumentos do marco regulatório da área de telecomunicações e das estruturas de proteção ao consumidor desse serviço; 3. percepção sensível dos interesses que norteiam a comunicação de massa focada no aspecto do desenvolvimento social e democrático da informação. Com o advento da TV digital, o espectro eletromagnético vai ser muito ampliado. Então, a possibilidade de se buscar o equilíbrio dos entes públicos, privados e estatais no contexto da comunicação permitirá a criação das oportunidades descritas anteriormente de forma muito clara. Se houver vontade política dos governantes, o advento da tecnologia digital vai fortalecer o sistema público de comunicação em nosso país, permitindo inclusive a intensificação do processo de educação à distância, superando dificuldades enormes, próprias de um país de tamanho continental e com tantas diferenças sociais e regionais como o nosso. Por meio da televisão digital, será possível a multiprogramação e a interatividade. A técnica de transmissão de conteúdos à distância se tornará muito mais eficaz, ajudando a superar o grande fosso que existe em nossa sociedade, especialmente no ensino superior, permitindo aos jovens brasileiros, em qualquer lugar do país, acompanhar cursos à distância de qualidade.


Qual sua visão sobre a importância da digitalização das comunicações para o desenvolvimento da economia e da cultura nacionais?


Cristovam Buarque – A digitalização abre novos horizontes e esses horizontes, na medida que permitem a entrada em cena de novos atores de caráter público, poderão realmente tornar-se um instrumento de resgate social importante. A TV digital tende a promover a confluência nos diversos níveis. Se bem utilizada, a tecnologia digital pode tornar-se um instrumento formidável de inclusão social, porque primeiro vai permitir a entrada de novos agentes no contexto da comunicação nacional. Mesmo porque o horizonte da TV digital aponta para a convergência de mídias, todas concentradas na televisão. Num aparelho de TV, o cidadão vai poder ter acesso à internet, a serviços de interação direta com os organismos do estado, receber conteúdos à distância de natureza pedagógica e estudar por meio desse instrumento novo que vai ser a tecnologia digital convergindo para o aparelho de TV. Como em nosso país, mesmo os mais pobres têm acesso à televisão, a medida que esse processo avance, vai naturalmente induzir um processo de inclusão massiva de setores hoje totalmente marginalizados. Havendo vontade política, a perspectiva de avanço tecnológico com o advento da tecnologia digital pode transformar-se realmente num instrumento poderoso e eficaz de inclusão social.


A área das comunicações no Brasil vive uma dispersão normativa e um vazio regulatório que abre margem para que os interesses privados dos chamados ‘donos da mídia’ prevaleçam sobre o interesse público e sobre as demandas da sociedade civil. Como será a condução deste processo de revisão do marco regulatório no seu governo?


Cristovam Buarque – Não se pode generalizar o conceito de déficit regulatório e a tendência à contemplação do que é privado. O que se pode dizer é que as inovações tecnológicas exigem legislação cada vez mais complexa e por causa disso há maior carência no segmento da radiodifusão. Nas telecomunicações, na tecnologia da informação, especialmente no caso recente da televisão digital, o marco regulatório é adequado. A Lei 9.472 trouxe regras definitivas por meio de mudanças gradativas, embora o Brasil ainda careça de uma lei de comunicação de massa. A radiodifusão precisa ser contemplada com instrumentos mais contemporâneos, adequados à tendência de convergência digital das mídias. Num ambiente tecnológico no qual não se pode prever o dia de amanhã, é urgente a necessidade de aprimorar a legislação, especialmente para abrigar a novidade social que as emissoras comunitárias representam. Em função das características revolucionárias da nova tecnologia digital e do avanço da internet e de outras tecnologias da área de informação, há uma necessidade permanente de haver uma regulamentação que coadune a utilização dessas novas tecnologias à realidade brasileira. Esse deve ser um dos assuntos mais importantes da próxima legislatura no Congresso Nacional. Os segmentos interessados em que haja uma efetiva democratização do setor de comunicação em nosso país devem se preparar para participar do debate.


Em vários países europeus é comum a existência de um espaço regulador – seja por meio de agências reguladoras ou de conselhos formados por representantes da sociedade civil – que estabeleça dispositivos que visem o controle público das áreas das comunicações. No Brasil, entretanto, a visão que prepondera entre as empresas e a classe política é a da auto-regulação dos meios de comunicação e a denúncia de qualquer tipo de tentativa de acompanhamento por parte do Estado como ação de censura ou intervencionismo estatal. Em seu governo, como se dará a regulação dos meios de comunicação?


Cristovam Buarque – Deve haver uma distinção entre fiscalização e controle dos instrumentos normativos e dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação. No caso dos instrumentos, as agências que atuam na área pública, como a Anatel, por exemplo, cumprem papel estratégico. Não há deficiência na produção de critérios normativos e sim na sua execução. Quanto ao controle de conteúdos, deve-se estimular o Poder Legislativo a ocupar seu papel no debate da regulamentação da norma constitucional que trata do assunto. Pode-se argumentar que regulação demais atrapalha. Se houvesse uma perspectiva de auto-regulação baseada em princípios éticos e de equanimidade, seria o ideal. Mas nós sabemos que os interesses da área privada muitas vezes não correspondem ao interesse público. Há que se discutir, então, uma forma que não restrinja ou constranja a liberdade de opinião, de expressão, mas que também contemple o interesse público de forma geral. Essa fórmula não existe pronta e acabada, deve ser discutida amplamente pelos segmentos mais esclarecidos da opinião pública brasileira em contato com os setores que praticam a comunicação em nosso país.


No governo atual e no passado, as rádios comunitárias sempre sofreram pela morosidade na apreciação de seus pedidos de outorga, de um lado, e pela perseguição política e o fechamento arbitrário de dezenas de emissoras, de outro. Se eleito, qual será sua política para a radiodifusão comunitária?


Cristovam Buarque – É precioso fazer uma revisão imediata da legislação da comunicação de massa de modo a mudar paradigmas existentes preservando o espaço necessário ao desempenho das emissoras comerciais sem prejuízo da ampliação democrática das rádios comunitárias. Diante de uma realidade da existência de 20 mil rádios comunitárias hoje no Brasil, é preciso assegurar a exploração comercial que naturalmente sente-se insegura. Uma boa idéia é enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei descriminalizando a existência das rádios comunitárias e criando um novo conceito para seu funcionamento. Há que se pensar em faixas no espectro de modo a permitir seu uso sem conflito com as rádios comerciais e ao mesmo tempo criar mecanismos de anistia capazes de zerar o contencioso que existe na área. Sem dúvida a disseminação de emissoras de caráter comunitário é um fator que favorece a democratização dos meios de comunicação em nosso país. Há no entanto que se evitar o clientelismo na utilização desse meio, criado recentemente pela legislação, contemplando a possibilidade do surgimento de rádios comunitárias. Do ponto de vista técnico, há que se ter o cuidado para que essas rádios não interfiram nos sinais de emissoras comerciais e de serviços essenciais. A rádio comunitária é um instrumento muito interessante do ponto de vista da democratização. Ela tem que ser um empreendimento organizado, com concessão que atenda às disponibilidades de espectro em cada local e ser o menos partidarizada possível.


O senhor é a favor ou contra parlamentares, prefeitos, governadores, ministros e presidentes da República serem concessionários de emissoras de rádio e TV ou mesmo controladores de jornais ou revistas? Por quê?


Cristovam Buarque – Isso é uma deformação da nossa realidade que infelizmente vem de muito tempo. Nós assistimos em diferentes governos a uma verdadeira farra de concessões e boa parte da mídia regional hoje de fato é controlada por políticos. E isso, sem dúvida nenhuma, é uma deformação muito prejudicial ao fluxo da informação democrática. Há que se tomar uma decisão política no sentido de lutar contra esse estado de coisa. Não é fácil, porque tal modelo envolve interesses já cristalizados, muito bem representados no Congresso. É um assunto delicado, que nós vamos ter de enfrentar de forma a fazer com que as forças majoritárias do país entendam que a manipulação dos veículos não pode se dar com esse desvio eleitoral com base às vezes em interesses ilegítimos. Mas é preciso levar em conta que punir a concessão por categoria de exercício de cargo é algo pouco eficiente. É preciso lançar mão de critérios técnicos e sociais capazes de, de fato, fazer diferença.


O senhor pretende estimular a produção cultural de forma regional e independente? Seu programa de governo para a área das comunicações inclui a desverticalização da cadeia de produção audiovisual, hoje concentrada no eixo Rio-São Paulo e controlada pela emissora de TV?


Cristovam Buarque – Tudo que pudermos fazer nessa direção, nós o faremos. A regionalização da produção cultural, artística e jornalística é uma norma inscrita na Constituição de 1988 e que não ganhou efetividade na realidade brasileira. E nós temos uma realidade tão grande em todos os campos, o povo brasileiro é tão rico culturalmente que esse deve ser um objetivo estratégico da nação brasileira. Favorecer uma situação em que as culturas locais possam, de fato, acontecer com todas as suas potencialidades. O Congresso precisa se debruçar sobre esse assunto para ver qual a melhor maneira de regulamentar o artigo da Constituição específico sobre esse capítulo, dar efetividade e promover a regionalização da cultura para valer. Temos que levar em conta, no entanto, que uma posição favorável à produção vertical e à divulgação das mídias deve merecer todo o estímulo desde que ocupe faixa específica e sem conflito com a faixa das iniciativas comerciais.


Definido o padrão tecnológico para a televisão digital, a transição continuará por vários anos. O que o senhor pensa da decisão tomada pelo governo Lula de adotar o padrão japonês e como seu governo, caso seja eleito, conduzirá as próximas fases do processo?


Cristovam Buarque – De forma democrática, auscultando todos os setores envolvidos e ampliando ao máximo essa discussão porque ela interessa a todos e não somente a determinados segmentos. Deve-se lembrar que existe um decreto prevendo as novas fases de avanço da implementação da televisão digital. Ainda que se tenha poder de alterar seu uso, já existe uma seqüência planejada de iniciativas que não se limita a quatro anos de uma mandato ou de um governo. Trata-se de projeto de longo prazo, que envolve desenvolvimento tecnológico e aperfeiçoamento constante. Temos que examinar cada etapa e por ora contemplar a opção que envolveu um apurado debate.


Enquanto a introdução da tecnologia digital na televisão foi cercada de um debate mínimo com a sociedade e alvo de pesquisas da academia brasileira, o mesmo não vem ocorrendo com a transição para o rádio digital, cujos testes foram autorizados sem qualquer tipo de consulta à sociedade? Como seu governo conduzirá esta definição?


Cristovam Buarque – Vamos procurar estabelecer um amplo foro de debate também em torno do rádio digital com participação dos setores interessados e da sociedade civil brasileira. Entendo que é preciso formular uma Lei de Comunicação de Massa compatível com inovações tecnológicas e aberta às ponderações das diferentes visões da questão, tal como aconteceu com a escolha do modelo da tv digital. Em alguns aspectos, exige-se pressa; em outros, talvez seja aconselhável uma abordagem paciente.


Qual sua política para inclusão digital e adoção de software livre por parte dos órgãos da administração direta e indireta?


Cristovam Buarque – Pretendo reforçar a utilização do software livre. Essa é uma tendência que está delineada como inquestionável. A possibilidade de utilização ampla dos recursos da internet e de softwares especialmente por países pobres e em desenvolvimento é uma questão crucial. O software traz inegáveis benefícios para a Administração Direta, especialmente quando se trata do pagamento de royalties. Mas investimentos de tal natureza demandam adaptação por parte da sociedade e a adesão dos operadores das novas ferramentas. Se é algo que não implica aumento de gastos, é viável estimular a adesão ao software livre e interessante examinar nossa entrada nesse processo, mas é preciso considerar a velocidade adequada e o domínio de maiores informações.

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