Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os primeiros movimentos

A reformulação do Marco Regulatório das Comunicações já revela sinais concretos, a começar pela possível transferência da Agência Nacional de Audiovisual (Ancine) da tutela do Ministério da Cultura (Minc) para o Ministério das Comunicações (Minicom). O projeto de aglutinar duas grandes agências regulatórias, Ancine e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), numa mesma pasta permitirá maior correlação entre a regulação do conteúdo e da infraestrutura do setor.


Membro convidado para a Comissão Interministerial que estuda a reformulação no Marco Legal, o professor da Universidade de Brasília (UnB) Murilo Ramos confirma a hipótese: ‘Foi discutido e acordado; se vai estar ou não, vai depender dos ministérios presentes na Comissão e do presidente da República’. Ramos também enxerga como viável esta possibilidade, com base em experiências internacionais e nas necessidades do ambiente de convergência: ‘Isso é natural e mais coerente que assim seja’, sintetiza o professor. 


Um desafio posto é desmembrar as atuais atribuições da Ancine, segundo Murilo ela contém um vício de origem ‘incompatível’: o fato de as funções de fomento estarem relacionadas às regulatórias. A idéia é manter uma estrutura no Minc voltada apenas para o fomento e repassar para o Minicom as funções regulatórias.


O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, coloca a dificuldade dos movimentos sociais em conhecer os termos nos quais são tratadas as discussões para reforma regulatória: ‘Não sabemos o que está sendo hegemônico. São duas tendências, uma encabeça pelo Minicom, ligada a radiodifusão, e outra aposta ingenuamente nas teles, como se nelas estivesse o local da democracia’.


Quanto as modificações na Ancine, Celso, pondera: ‘Depende da estrutura. Concordo com Murilo de que algumas funções são superpostas (regulação e fomento). Mas o problema é a submissão ao Minicom, que tem sido o local de barganha. As agências reguladoras precisam de autonomia’.


Ancinav


Curiosamente, tal junção, da Ancine com o Minicom, pode caminhar para cumprir a lacuna deixada pelo abandono da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav). Ainda no primeiro mandato de Lula, após ataques uníssonos das grandes empresas comerciais de comunicação e cultura, a Ancinav ficou tachada como ameaça as liberdades artísticas, intelectuais e da imprensa.


Sem transforma-se em Ancinav, a Ancine tem limites para estimular a produção nacional e independente na TV aberta e por assinatura. Segundo dados de 2009 da agência, apenas 0,7% da programação é destinada a longa metragens nacionais, nas emissoras cabeça de rede na TV aberta. Enquanto isso, os longa metragens estrangeiros ocupam 5%, em média, a cada 24 horas de exibição. Já em 12 canais de cinema das TVs fechadas, os longas nacionais ocupam 14,6% da programação contra 85,4% dos estrangeiros. Equação atenuada pelo Canal Brasil, que destina 92,9% ao filmes brasileiros.


Murilo Ramos considera uma boa oportunidade para ocupar as lacuna deixadas pelo abandono da Ancinav: ‘É só lembrar o que ela (Ancine) já exerce para além do cinema. É natural que se retome na nova configuração algumas questões tratadas na Ancinav. Se trata de uma lei que vai configurar novo ambiente legal para o rádio e TV’.


Riscos


Produtores e distribuidores nacionais enxergam que o modelo da operação pode colocar o audiovisual brasileiro sob maior influência de visão economicista da cultura e dos mesmos grupos que barraram a proposta da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), para perpetuar a concentração no setor e até mesmo a fragilidade da cadeia produtiva nacional.


‘Defendemos a Ancine onde está nesse momento. O Minc tem função importante para pensar projeto cultural mais amplo, com fundamentos vinculados à cidadania, sensível ao diálogo com a sociedade. Já nas Comunicações há muita influência de grupos poderosos’, afirma o presidente do Congresso Brasileiro de Cinema e Audiovisual (CBC), Rosemberg Cariri. Já o professor Murilo Ramos tranquiliza o CBC, caso a proposta de transferência da Ancine seja realizada: ‘Tenho razoável segurança que as preocupações do CBC têm a ver com o fomento’. 


A engenharia que sustenta o argumento de Cariri é o histórico recente das duas pastas. O Minc patrocinou reformas significativas no setor, que incluem as discussões para o fortalecimento do Sistema Público de Televisão, sob a coordenação de Gilberto Gil (PV) e Juca Ferreira (PV-BA). Já o Minicom demonstrou, ao longo dos oito anos do governo Lula, dificuldades em mover alterações em prol da democratização das suas atribuições, tendo como marca o ministro Hélio Costa (PMDB-MG), responsável por implementar o Sistema Brasil de Televisão Digital, que fortaleceu a concentração da propriedade e tecnológica na radiodifusão.


O ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Franklin Martins, admitiu publicamente que o governo sai ‘devendo’ na área e que o Minicom precisa ser ‘refundado’. Já o presidente Lula alegou que a vigente correlação de forças no Congresso dificultou as movimentações. O mais cotado para assumir o novo Minicom do governo Dilma Rousseff (PT) é o atual ministro do Planejamento, Paulo Bernado (PT-PR), visto pelo setor cultural como quadro técnico economicista, pouco familiarizado com as devidas particularidades. 


PL 29


Na quarta-feira (1/12), o Senado discute o Projeto de Lei da Câmara (PLC)116 (ex-PL 29) que pode ampliar a envergadura da Ancine. Se aprovado, o incremento dos recursos oriundos das movimentações na TV por assinatura, via Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), tende a ser utilizado para fomentar as cotas de produção nacional e independente previstas no PLC, o que gerou apoio contundente no último CBC, em Porto Alegre.


Os principais opositores da aprovação são o senador Antônio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA) e Flexa Ribeiro (PSDB-PA). Por outro lado, o governo tem atuado de forma incisiva para aprovação da medida ainda este ano.