Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Papéis do Estado e da sociedade são indissociáveis

Lançada em Santos (SP) no início de setembro, a pesquisa O Direito à Comunicação no Brasil traz uma análise sobre a legislação brasileira e o envolvimento do Estado e da sociedade civil para a efetivação da comunicação como um direito humano. Realizado pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, com o apoio da Fundação Ford, o relatório é parte das ações da articulação CRIS Brasil (Comunications Rights in the Information Society).

O objetivo central é revelar a situação atual no Brasil dos diversos elementos que formam, em conjunto, o que é chamado de direito à comunicação. São abordados temas como liberdade de expressão, pluralidade dos meios, propriedade intelectual, respeito à diversidade cultural, privacidade, acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e participação da sociedade civil nas decisões sobre essas questões.

Para isso, foi utilizado um Quadro de Referência Genérico, concebido em conjunto por pesquisadores de diversos países (Brasil, Colômbia, Quênia, Filipinas, Itália, Canadá, Irlanda, Estados Unidos, Reino Unido, entre outros) para ser usado em estudos comparados ao longo do tempo.

Em entrevista ao redeGIFE, André Deak e Marcio Kameoka, da equipe de comunicação do Intervozes, e Diogo Moyses, da equipe de finanças do coletivo, falam sobre o papel da sociedade civil na cobrança pelo direito à informação, democracia e liberdade de comunicação no Brasil.

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A pesquisa toma como referência quatro pilares: esfera pública, uso do conhecimento e domínio público, liberdades civis na sociedade da informação e acesso eqüitativo a TICs. Como eles foram definidos?

Equipe Intervozes – A partir de um estudo histórico das questões ligadas à efetivação do direito à informação e da liberdade de expressão, acrescentamos outros temas que passaram a fazer parte dos estudos de comunicação e que atualmente compõem o mosaico de direitos humanos ligados ao campo. Esses quatro pilares também são os princípios que definem a carta CRIS (Comunications Rights in the Information Society) e são compreendidos como os componentes que concretizam o Direito Humano à Comunicação na sociedade de hoje. Por exemplo, o Pilar Um, sobre a esfera pública, engloba os direitos mais conhecidos, como a liberdade de expressão e o acesso à informação. Na sociedade de hoje – ou na Sociedade da Informação, se preferir – esses direitos não bastam para garantir um pleno desenvolvimento humano. O direito ao conhecimento, livre e colaborativo, a privacidade e o acesso às novas tecnologias da informação e comunicação também são elementos fundamentais.

De maneira resumida, como podemos identificar a participação da sociedade civil em cada um deles?

Equipe Intervozes – O Direito à Comunicação é de natureza diferente de outros direitos, como a saúde, por exemplo, porque não se trata meramente de ‘fornecer comunicação’, da forma como o Estado fornece saúde ao construir hospitais e postos de saúde. A sociedade tem de se apropriar da comunicação e de seus diferentes componentes, para que esse direito efetivamente se realize. A sociedade tem de ter seus próprios mecanismos, não-estatais e não-privados, para garantir sua liberdade de expressão, promover o uso e criação do conhecimento, preservar suas liberdades civis e potencializar sua diversidade. Se olharmos do ponto de vista macro, veremos que o movimento que atua pela democratização das comunicações – ou pelo direito à comunicação – é, além de pequeno, disperso e fragmentado. E isso é compreensível, em parte: a grande mídia simplesmente ignora a existência do movimento e das idéias que o guiam e cria ainda mais dificuldades para tornar pública a questão, o que é compreensível – não quer perder o controle. Quando aparecem propostas ligadas ao controle público das comunicações, a imprensa grande vai além e se torna um típico panfleto eletrônico, agindo para desconstruir as iniciativas democratizantes. Nos últimos tempos, algumas áreas específicas conseguiram conquistas pontuais, em especial o movimento de software livre e o cinema de baixo custo. Apesar de ambas as áreas também contarem com apoio significativo do governo federal, o empurrão dos movimentos organizados foi fundamental para garantir tais conquistas.

Há diferenças muito significativas no modo como é exercido o direito à comunicação nas diversas regiões brasileiras?

Equipe Intervozes – Assim como existe uma enorme desigualdade na distribuição de renda, muitos aspectos da comunicação têm pesos diferentes país afora. Por exemplo, o acesso à internet e outras novas tecnologias de comunicação se difundiu muito mais rápido no Sul e no Sudeste. Até hoje, a conectividade na região Norte é mais cara do que no resto do país. Da mesma forma, os centros de inovação e geração de conhecimento também são concentrados, uma conseqüência – e também uma causa, agora – da desigualdade de desenvolvimento do país.

Podemos dizer que o sistema democrático brasileiro trouxe liberdade de expressão e comunicação ao país? Até que ponto isso é responsabilidade do poder público e onde deve entrar a própria sociedade?

Equipe Intervozes – Costuma-se dizer que não há liberdade de imprensa no Brasil, mas liberdade de empresa. Com algumas poucas famílias controlando quase que absolutamente todos os meios de comunicação e com a divisão que foi feita de rádios e canais de televisões durante o governo Sarney – que seguiu um modelo semelhante à divisão e distribuição das capitanias hereditárias – é difícil crer que exista liberdade de expressão e comunicação no país. Os meios de comunicação devem ser sempre a expressão das culturas locais, além de um ambiente plural de circulação de valores e idéias, sob os seus mais diferentes aspectos. Por isso, se é a expressão da cultura local, a comunicação certamente é exercida de diferentes maneiras, formas e linguagens, por diferentes grupos. Se a questão é em relação ao grau de efetivação dos direitos ligados à comunicação, também há variações, das mais diversas. Mas podemos dizer que algumas violações de direitos são comuns à maioria, como a não possibilidade de participação ativa em relação aos meios de comunicação. Outras violações são marcadas pelo desenvolvimento econômico e social de determinada região, ou mais especificamente pela classe social a qual pertencem esses cidadãos. Por certo, quanto mais pobre, mais a pessoa terá seu direito violado. A sociedade brasileira se mobilizou por liberdade, e isso foi um dos processos detonadores da redemocratização do Brasil. Então, liberdade de expressão e democracia são indissociáveis, assim como é difícil separar os papéis de Estado e sociedade na realização do Direito à Comunicação. Claro, o poder público é o guardião dos direitos humanos e das liberdades civis, mas se ‘todo o poder emana do povo’, a sociedade civil tem de zelar permanentemente pelo bom uso desse poder.

Quais aspectos causam dificuldades ou podem impedir o real direito à comunicação no Brasil? Como evitar que eles se destaquem?

Equipe Intervozes – Hoje, um dos principais entraves é a grande concentração da propriedade dos meios de comunicação na mão de uns poucos grupos empresariais. E não há dúvida de que essas corporações fazem uso político desses meios. Além de defenderem seus próprios interesses, esses veículos pasteurizam a cultura, imprimem um pensamento único e impedem a expressão de alternativas de cultura e comunicação. Outro entrave importante é que o conhecimento é tratado como mercadoria. É a cultura da patente e da propriedade intelectual. O contraponto a isto é o início da discussão sobre software livre e os trabalhos colaborativos.

Além da liberdade de expressão, também é importante falar sobre o dever de comunicar informações reais e com transparência. O Brasil tem avançado neste sentido? É possível comparar com outros países?

Equipe Intervozes – Apesar da instituição de algumas leis no sentido da transparência terem sido instituídas nos últimos anos, a sociedade brasileira ainda tem acesso muito limitado a informações. No tocante às informações públicas, por exemplo, os últimos governos têm negligenciado pleno acesso à sociedade. Alguns exemplos disso são os sistemas de execução financeira, só acessíveis a gestores públicos, e os arquivos militares do Brasil, que incluem, por exemplo, informações do período da ditadura e da Guerra do Paraguai, e que permanecem fechados. Não temos dados o suficiente para uma grande comparação com outros países. Sabemos, por exemplo, que a situação da Colômbia é muito mais grave que a do Brasil, pois lá existe uma situação quase de guerra civil. Na União Européia, por outro lado, as informações estão em sua maioria disponíveis, mas são muito difíceis de compreender, porque precisam ser relacionadas a dados dentro de cada um dos países componentes da UE. E por aí vai. No mundo todo, entretanto, ainda é novidade a transparência em empresas privadas. Em um mundo onde as multinacionais têm tanta influência sobre os cidadãos em geral, o conceito de transparência empresarial ainda é quase insignificante e pouco cobrado.

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Repórter do redeGife