Semana passada, o senador Fernando Collor de Mello divulgou parecer pedindo alterações ao projeto de lei de acesso à informação pública. Caso aprovado, o parecer provocaria um retrocesso ao direito à informação no Brasil. Collor defende a supressão de diversas adaptações a boas práticas e padrões internacionais feitas ao texto original do projeto durante audiências públicas na Câmara de Deputados, incluindo obrigações de divulgação pró-ativa de informações de interesse público, a possibilidade de requerer informação sem necessidade de justificativa e o estabelecimento de um prazo máximo no qual uma informação pode ser mantida em sigilo, entre outras.
O senador apresenta seu parecer como presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, contrariando os trabalhos de três outras comissões que já se manifestaram favoravelmente ao projeto conforme aprovado pela Câmara de Deputados.
De acordo com o parecer do ex-presidente Collor, a divulgação pró-ativa de informações de interesse público e pedidos de informação sem justificativa representaria um fardo excessivo ao governo, ameaçando sua eficiência e eficácia. Além disso, ele argumenta que a divulgação de dados e informações pela internet, como previsto pela atual redação do PLC 41/2010, aumentaria a vulnerabilidade ao ataque de hackers. O parecer dá grande atenção à classificação de informações.
A atual redação do projeto estabelece três níveis de sigilo com divulgação automática após o fim do prazo, limita quem pode classificar informação, permite uma única renovação no sigilo de informação ultrassecreta e prevê a publicação de uma lista de todas as informações classificadas; a proposta de Collor acrescenta mais um nível de sigilo, amplia quem pode classificar informação, permite renovações ilimitadas da classificação de sigilo (praticamente possibilitando o chamado “sigilo eterno”), abole a publicação da lista de documentos classificados e põe um fim à abertura automática de documentos após o fim do período de sigilo. Essas e outras mudanças são apresentadas como uma maneira de salvaguardar a segurança do Estado e da sociedade.
Obrigações de direitos humanos
Ao apresentar seu ponto de vista, o parecer deixa de reconhecer o acesso a informações públicas como um direito e uma maneira de fortalecer a democracia. Qualquer exigência de justificativa para pedir informação pública passaria uma mensagem de que o governo controla o fluxo de informação como se fosse o detentor desse poder, ao invés de o representante de um poder que está realmente nas mãos do povo. Isso se torna evidente quando o parecer considera a implementação de uma lei de acesso à informação um fardo ao governo, não um processo em direção à prestação de contas e à participação.
De fato, ao criar procedimentos para garantir a abertura pró-ativa e responder a pedidos de informação, uma lei de acesso à informação promove eficiência e eficácia na administração pública, que deve implementar sistemas de informação, reformas tecnológicas e capacitação de servidores públicos. Essas práticas aumentam a segurança da informação oficial, assim como criam uma cultura de transparência coerente com o uso e reuso de informações e dados públicos pelo cidadão. O acesso à informação é, na verdade, um elemento de boa governança.
Existe uma clara tendência nas recentes leis de acesso à informação de instituir compromissos progressivos de divulgação rotineira às autoridades públicas. Na Índia, por exemplo, a legislação exige que autoridades públicas publiquem uma descrição de todo órgão existente e se suas reuniões ou atas são abertas; um diretório de todos os funcionários e seus salários; o orçamento alocado para cada uma de suas agências e informações sobre a execução de programas de subsídio e beneficiários, entre outras.
A lei peruana é outra que institui importantes deveres de publicação de rotina às autoridades públicas, particularmente em relação à gestão das finanças públicas, cujo tema envolve 14 artigos. No Reino Unido, toda autoridade pública precisa desenvolver, publicar e executar um “plano de publicação”, especificando as classes de informação, a forma de publicação e se há ou não a intenção de cobrar por alguma publicação em particular.
As mudanças propostas pelo parecer relacionadas ao sigilo de documentos não implantariam um regime de acesso à informação no qual o acesso é a regra e o sigilo a exceção. A promoção de uma cultura de transparência é um desafio, mas o governo brasileiro já avança nesse sentido. No último 13 de abril, um representante do Ministério de Relações Exteriores revelou, em uma audiência pública no Senado, que o órgão começou a adaptar suas práticas às exigências do PLC 41/2010, inclusive seus períodos de sigilo. Isso demonstra que as disposições do PLC 41/2010 podem ser aplicadas sem prejuízo à segurança e imagem do Estado brasileiro.
A Artigo 19 pede aos senadores que rejeitem o parecer de Collor e aprovem o PLC 41/2010 conforme redação instituída na Câmara dos Deputados. A atual redação segue diversas boas práticas e padrões internacionais, sendo que a aprovação do projeto representaria um importante avanço para o direito à informação no Brasil e enviaria um claro sinal à comunidade internacional de que o país está cumprindo suas obrigações de direitos humanos.
[Para assinar a petição contra o sigilo eterno de documentos clique aqui]
Leia também
Collor, sempre elle – Luiz Egypto
***
[Arthur Serra Massuda, da Artigo 19, São Paulo, SP]