Às vésperas da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), uma dica para a democratização do mega-setor comunicacional: o investimento de movimentos sociais em mídia comunitária. A sugestão parece óbvia, mas, quando conferida na prática, percebe-se uma prioridade das organizações sociais em investir pesado nos veículos de massa. Além de sair mais caro, dificilmente a comunicação é efetiva, em virtude da pouca duração, do público heterogêneo e da contra-informação lançada nos espaços editoriais desses mesmos veículos. Enquanto isso, mídias de menor porte, com alcance popular, sofrem com escassez de recursos.
Uma campanha publicitária em emissoras de televisão como as da Rede Brasil Sul (RBS), com suas múltiplas afiliadas da Rede Globo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, custa centenas de milhares de reais, se for considerada a exibição em horário nobre. Acrescentam-se a esse valor os gastos com uma agência profissional de publicidade que, na busca da aceitação do público, reproduz os mesmos apelos tecno-estéticos da indústria cultural. Quanto maior o tempo da propaganda, maior é o preço. Quanto mais exibições, mais dinheiro entra na conta de emissoras privadas.
Rádios tornam-se orgânicas na população
Se o alto preço do investimento é certo, o retorno parece duvidoso. Uma entidade sindical deveria privilegiar a mobilização de sua base através de experiências midiáticas alternativas e diálogo cotidiano, quando privilegia, não raro, a propaganda no intervalo da novela. A defesa da chamada comunicação de massa parte da intenção de garantir a divulgação de algo para uma parcela significante da sociedade. Assim, mesmo que o indivíduo discorde da reivindicação, ele ao menos saberá que o problema existe e que alguém se predispõe a solucioná-lo.
No entanto, a grande falha nessa lógica está na desconstrução que o veículo hegemônico faz posteriormente, em uma quantidade de tempo superior à da publicidade, ao longo da sua programação. Dá para imaginar uma propaganda do movimento sem-terra nas páginas da revista Veja? Que tal a pauta de luta por mudanças, levantada por estudantes universitários, nas chamadas comerciais da rádio CBN? Ou mesmo a defesa da democratização da comunicação entre um bloco e outro do Jornal Nacional? A história tem demonstrado a inviabilidade de conciliar tais interesses.
Do outro lado de todo esse aparato midiático que sustenta o oligopólio dos meios de comunicação no Brasil estão veículos alternativos, como as rádios (verdadeiramente) comunitárias. Estas emissoras não só lutam todos os dias contra a repressão do Estado, como enfrentam sérias dificuldades financeiras para expandir suas atividades. Pela inserção que possuem na comunidade, há casos de doações de ouvintes e divisão de gastos entre seus múltiplos comunicadores. Quando bem trabalhadas, estas rádios tornam-se orgânicas na população local, que não só a escuta, como também contribui com a produção de conteúdo.
Primeiro, arrumar o próprio quarto
Ao contrário da mídia de massa, a experimentação de novos modelos de mídia alternativa possibilita a construção de formatos contra-hegemônicos de comunicação. De modo independente, barato e popular. Em épocas de segmentação de público, tal caráter pode conquistar parcelas da população que interessam às organizações de esquerda, tornando-se, assim, muito mais interessantes para a publicidade da mobilização social.
De acordo com a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias do Rio Grande do Sul (Abraço-RS), o conjunto de sindicatos locais disponibilizou apenas R$ 6 mil para a totalidade de rádios comunitárias no estado. Para os grandes veículos, a soma passou dos milhões de reais. Ora, imagine esses montantes, oriundos de impostos sindicais (dinheiro público), invertidos – sendo carreados para a mídia alternativa –, que potencial midiático de acessibilidade diferenciada não haveria? Sabe-se que com cerca de R$ 10 mil qualquer um pode contar com equipamentos de qualidade para fazer rádio e TV via web.
Portanto, vale a pena a compreender que a batalha pela democratização da comunicação ultrapassa o discurso de quem a defende. Faz-se necessária uma nova cultura da esquerda para abrir os olhos não só para as possibilidades já existentes, como também antever as que virão, a partir de estudos das mídias digitais, por exemplo. Há uma quantidade expressiva de organizações que produzem um bom conteúdo sem estar subordinadas aos ditames do capitalismo contemporâneo. Tudo isso torna válida a reflexão de que não adianta mudar o mundo sem arrumar primeiro o próprio quarto.
******
Respectivamente, professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e graduando em Comunicação Social-Jornalismo na mesma instituição