‘A Ouvidoria recebeu esta semana uma mensagem da leitora Aline Scherer dizendo que estava indignada com a cobertura criminosa que a mídia tem feito no caso do acidente da TAM. Ela escreveu: ‘Não podemos deixar que a mídia dê o veredicto, o laudo técnico, a verdade, aponte o culpado, enforque o suposto culpado em praça pública e tudo isso antes sequer de sair a análise da caixa preta’. Não compete a esta Ouvidoria fazer análises sobre o comportamento da mídia em geral, mas como a Agência Brasil está inserida entre as principais agências de notícias, resolvi analisar sua a cobertura sobre o acidente para ver se a crítica era procedente. Neste momento, em que boa parte da sociedade brasileira se encontra consternada pela tragédia e mobilizada na busca de suas possíveis causas, parece relevante considerar o papel da Agência Brasil nesse debate e ver se sua cobertura conseguiu refletir os preceitos do jornalismo de uma empresa pública de comunicação.
Desde as 19h36 do dia 17 de julho até as 19h36 horas do dia 25 foram publicadas 276 matérias sobre o acidente. Às 19h58 da terça-feira, dia 17, já na terceira matéria, a Agência informava que a companhia de aviação disponibilizava uma linha telefônica gratuita para familiares dos passageiros e tripulantes.
Em uma matéria publicada às 20h24 era informado que o avião havia atravessado os limites do aeroporto e cruzado a Avenida Washington Luís, batendo num depósito de carga e um posto de gasolina e, imediatamente, incendiando-se. Informava também que o avião que se incendiou, um A320 da TAM, fazia o vôo 3054, procedente de Porto Alegre, levando 170 passageiros mais a tripulação. Por último dizia a reportagem que a Aeronáutica havia iniciado investigações para apurar as causas do acidente e as condições em que a pista havia sido liberada pela Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) para pousos e decolagens em 29 de junho, porém ainda sem as ranhuras conhecidas na aviação como grooving, que auxiliam no escoamento de água e na frenagem dos aviões.
Até a meia noite de 17 de julho foram publicadas 23 matérias: média de uma matéria a cada 11 minutos. Nelas foram ouvidos, entre outros, o presidente Lula, o procurador-geral de Justiça do Estado, Rodrigo Pinho, e o governador José Serra. A reportagem ouviu também o especialista em aviação civil e comercial Valtécio Alencar, que afirmou ser possivelmente um conjunto de fatores o desencadeador do acidente, mas que uma das causas mais prováveis era o deslize do avião na pista. ‘Entregar uma obra [inacabada] que custou mais de R$ 30 milhões é, no mínimo, uma coisa crítica’, afirmou. ‘Uma coisa é pousar no Aeroporto Santos Dumont [no Rio de Janeiro], que está ao nível do mar. Outra coisa é pousar em Congonhas, que está 860 metros acima do nível do mar.’ Segundo ele, com altitude maior, o ar fica mais rarefeito, o que exige ‘mais pista ou então mais recursos de frenagem para a aeronave’.
No dia seguinte ao acidente, 18 de julho, foram publicadas 89 matérias: média de uma a cada 16 minutos. Essas matérias, ao mesmo tempo em que informavam sobre as ações de resgate procedidas por bombeiros, policiais e membros da defesa civil, também falavam das providências tomadas por autoridades da Aeronáutica, da Infraero e por funcionários da companhia aérea. As repercussões foram feitas com o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, e outros parlamentares, promotores do Ministério Público – pedindo o fechamento do aeroporto –, testemunhas oculares, parentes das vítimas e moradores próximos do local onde ocorreu o acidente. As matérias divulgaram ainda notas oficiais do presidente da República, da Aeronáutica, da TAM, da Infraero e as mensagens de condolências enviadas por diversos chefes de Estado. Nesse dia foi ouvido também o professor de Aeronáutica da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), James Waterhouse, que afirmou que a pressão psicológica dificulta a tomada de decisões em que o condutor precisa definir, de forma rápida, os procedimentos para evitar um acidente.
Segundo o professor, as principais falhas de Congonhas são o excesso de tráfego aéreo e o tamanho das pistas, que têm 1.940 metros. ‘Em pista curta, o piloto sabe que não pode errar, senão é obrigado a arremeter’, avaliou o professor, que citou como exemplos de comparação as pistas dos aeroportos de Galeão, com 4 mil metros, e Viracopos, com 3,7 mil. A do Galeão tem na verdade 4.240, e, segundo a Infraero, é a mais longa do Brasil.
Algumas fontes ouvidas nesse dia 18, quarta-feira, atreveram-se a indicar as possíveis causas do acidente. Dentre elas, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, que divulgou nota, pedindo o afastamento imediato de ‘todos os envolvidos com a má gestão do espaço aéreo brasileiro’. Outra pessoa ouvida foi Angelita de Marchi, presidente da Associação de Familiares e Amigos e das Vítimas do Vôo 1907 da Gol. Ela afirmou que o descaso e a omissão do governo com a infra-estrutura dos aeroportos brasileiros foram responsáveis pelo acidente com o Airbus A320 da TAM.
Já o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Crise Aérea, ouvido pela reportagem, informou que os dados indicariam que o avião pousou em uma velocidade superior à recomendada. Torres disse que um dos vídeos a que teve acesso havia mostrado que o avião da TAM havia percorrido em 3,5 segundos um trecho, usado para desaceleração, que os aviões normalmente levam 11 segundos para percorrer.
Em outra matéria no mesmo dia 18, a reportagem ouviu o ministro da Justiça, Tarso Genro, informando que o presidente da República havia determinado à Polícia Federal a abertura de um inquérito para verificar se a pista na qual o avião aterrissara havia sido entregue em condições técnicas adequadas ao uso.
No dia 19 de julho, foram publicadas 34 matérias, que continuaram informando sobre as dificuldades encontradas pelos bombeiros nas ações de resgate dos corpos e as providências tomadas por entidades de defesa dos familiares das vítimas e pelo Estado para garantir os direitos dos envolvidos na tragédia. Nessas matérias, o presidente da Infraero aparece várias vezes descartando hipóteses levantadas por especialistas e outras fontes ouvidas nos dias anteriores, como deficiências na pista, excesso de peso ou de velocidade da aeronave.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi ouvido pela reportagem e afirmou que não faltaram investimentos para ampliação e reforma de praticamente todos os aeroportos do país. Faltou à reportagem perguntar qual o montante desses recursos, onde e como foram aplicados.
Em outra matéria, neste mesmo dia, foi ouvido o coronel Carlos Minelli de Sá, chefe do Serviço Regional de Proteção ao Vôo de São Paulo. Ele disse que o movimento no espaço aéreo do Aeroporto de Congonhas e o volume de chuva não estavam num nível perigoso na hora do acidente.
Nas 26 matérias publicadas na sexta-feira, 20 de julho, os leitores tiveram acesso a dados sobre o andamento das investigações, as dificuldades na identificação dos corpos e as primeiras providências tomadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para solucionar os problemas de congestionamento aéreo em Congonhas. As matérias não esclareceram quais são as competências de cada órgão envolvido na administração do setor aéreo.
Duas matérias reproduziram o pronunciamento do presidente Lula à nação.
Durante o fim de semana, foram publicadas 16 matérias sobre as buscas pelos corpos em meio aos escombros, a identificação de vítimas pelos legistas do Instituto Médico Legal e a missa dominical da Catedral da Sé, que contou com a presença de familiares de vítimas e funcionários da TAM. O ato transformou-se em um protesto por mais segurança no sistema aéreo brasileiro, segundo a reportagem. Nela, o arcebispo de São Paulo, dom Odilio Scherer pediu: ‘Que tudo seja feito para que o acidente e as responsabilidades sejam esclarecidas e que tragédias como essa sejam evitadas’.
No dia 23, segunda-feira, foi o presidente Lula que abriu a cobertura da Agência Brasil em uma matéria sobre o Programa Café com o Presidente, tratando do assunto e pedindo para que se evitassem julgamentos precipitados. O ritmo da semana anterior foi retomado com 26 matérias publicadas. Continuação do resgate, identificação dos corpos e situação do aeroporto, com seu possível fechamento, foram a tônica da cobertura.
Na terça-feira, uma matéria anunciava as providências tomadas pela Anac para tentar resolver os problemas do aeroporto. Outra informava sobre o ato ecumênico de sétimo dia do acidente realizado por familiares, funcionários da TAM e mulheres dos controladores de vôo em Congonhas. Ao todo foram publicadas 23 matérias nesse dia. Foram ouvidos pilotos, que falaram das dificuldades em pousar em Congonhas, e funcionários da Aeronáutica, além de deputados da CPI da Crise Aérea, que trataram do andamento das investigações.
Finalmente, pois concluo aqui essa análise da cobertura, no dia 25 foram publicadas 17 matérias até as 19h36, depois de o presidente Lula nomear seu novo ministro da Defesa, depois de o presidente da Anac dizer que a agência não teve culpa pelo acidente, depois de os legistas divergirem sobre as técnicas para identificação dos corpos, depois de o vice-presidente da TAM dizer que a falha no reverso não provocou o acidente, depois de um dia inteiro de debates na CPI da Crise Aérea e depois de o prefeito de São Paulo prometer uma fiscalização intensa contra construções irregulares nos arredores do aeroporto.Tudo isso o leitor pôde acompanhar pelas matérias publicadas no dia 25 na página da Agência Brasil.
A Ouvidoria em sua análise não constatou motivos para considerar a cobertura tendenciosa ou, como afirmou a leitora, de maneira genérica em relação à cobertura da mídia, ‘criminosa’. Ela está dentro dos parâmetros do jornalismo da Radiobrás. Esperamos poder contar também com a opinião dos demais leitores. Tudo indica que há uma crise cujos limites e responsabilidades ainda não foram definidos, mas certamente o cidadão encontrará na cobertura da Agência Brasil informações suficientes para tirar suas próprias conclusões e avaliar a credibilidade das fontes ouvidas nas matérias, sem precisar ser induzido a nada, por ninguém.
Até a próxima semana.’