Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pautas para a agenda de uma categoria desunida

Diariamente vemos nos principais jornais as análises de economistas afirmando que emprego e renda melhorarão assim que a economia brasileira atingir um nível de crescimento anual de 5% ou 6% do PIB. Essas argumentações, porém, são generalistas e apontam para a indústria e o comércio. Nesses setores, a análise é valida e sensível. Afinal, crescimento econômico significa abrir novas fábricas, lojas e tudo o que for possível para suprir uma demanda maior de consumo.

Mas, e no setor de comunicação? Essa relação já não é tão clara assim. Para os grandes jornais, crescimento econômico significa aumento de tiragem, anúncios e lucro, só isso. Nos últimos dois anos, todas as grandes empresas de comunicação obtiveram lucros recordes. No entanto, a folha de pagamento dos jornalistas não chega a 6% do faturamento total.

A Globo Comunicação e Participações S.A. (TV Globo, Editora Globo, Globosat, Globonews, Globo.com etc. etc.) investe apenas 5,88% de sua receita em salários. É importante também sabermos que a Globo anunciou lucro de R$ 2 bilhões em 2005 e propôs reajuste de 4,8% a seus jornalistas. O lucro líquido da Infoglobo – que publica os jornais do grupo –, por exemplo, cresceu 60%, e seu patrimônio líquido, 158%. Contudo, não vemos essa ‘euforia’ acompanhada de uma visível abertura de vagas.

Piso injusto

Recentemente, o site Comunique-se publicou reportagem sobre os pisos salariais estabelecidos nas capitais de cada estado da Federação. A situação é realmente estarrecedora e mostra os efeitos de uma classe desunida, sem representatividade nacional forte. Os valores publicados são compatíveis com os de trabalhadores que jamais cursaram uma graduação e que não se vêem obrigados a dominar pelo menos um idioma estrangeiro e várias ferramentas da informática.

A média salarial de um motorista de ônibus, por exemplo, está em R$ 1.000 mensais. É praticamente igual à média nacional dos jornalistas, que está em R$ 1.077,10. Esse valor supera os ganhos de jornalistas de Amapá, Rondônia, Maranhão, Minas Gerais, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina e Sergipe. No restante, a situação não está muito melhor e se aproxima muito do que é pago em Goiás, Acre, Mato Grosso, Espírito Santo, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul.

Até mesmo no Rio de Janeiro – a segunda maior economia do país –, o piso proposto pelo patronato, nas empresas com até 50 jornalistas profissionais, é de R$ 750 por uma jornada de cinco horas diárias e R$ 1.200 por sete horas. Sem menosprezar o cargo de motorista, não é justo que profissionais que estudaram e investiram tanto quanto engenheiros, psicólogos, advogados, entre outros, vejam sua profissão tão desvalorizada.

Democracia e regionalização

Diante do atual cenário de desunião e dos catastróficos salários, torna-se necessária uma série de medidas. Uma das poucas saídas para melhorar esta realidade é a luta pela profissionalização do jornalismo brasileiro e a reformulação da legislação de rádio e TV.

É imprescindível, por exemplo, a proposta aprovada no Fórum Audiovisual Mercosul (FAM), que sugere a regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal, que tramita no Congresso Nacional há 15 anos. De autoria da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o projeto prevê a regionalização da produção cultural, artística e jornalística nas emissoras de rádio e TV. Ele está parado por pressão dos barões da mídia.

Ainda assim, a maioria dos líderes de bancada do Senado aprovou o requerimento. Somente os integrantes do PFL não assinaram o pedido para que ele vá ao plenário. Não há dúvida de que a regionalização fomentará a pluralidade, a diversificação e o mercado de trabalho para os jornalistas. No fim, quem ganha é a sociedade brasileira. Com a chegada da TV digital ao país, essa é uma discussão que ganha contornos muito importantes. Sem a regionalização não será possível promover a tão sonhada democratização. Pelo projeto atual que está no Senado, as emissoras seriam obrigadas a ter 40% de produção independente em suas grades de programação.

Novos empreendimentos

Outro problema muito sério no Brasil é a questão da distribuição das concessões de rádio e TV. No domingo (18/6), reportagem do jornal Folha de S.Paulo com o título ‘Governo Lula distribui TVs e rádios educativas a políticos‘ denunciou que a prática desonesta de distribuição de concessões de rádio e TV para políticos continuam no governo Lula. De acordo com a reportagem…

‘…o governo Lula reproduziu uma prática dos que o antecederam e distribuiu pelo menos sete concessões de TV e 27 rádios educativas a fundações ligadas a políticos. Também foi generoso com igrejas: destinou pelo menos uma emissora de TV e dez rádios educativas a fundações ligadas a organizações religiosas. Esse fenômeno confirma a afirmação de funcionários graduados do Ministério das Comunicações de que, no Brasil, a radiodifusão ‘ou é altar ou é palanque’. Entre políticos contemplados estão os senadores Magno Malta (PL-ES) e Leonel Pavan (PSDB-SC). A lista inclui ainda os deputados federais João Caldas (PL-AL), Wladimir Costa (PMDB-PA) e Silas Câmara (PTB-AM), além de deputados estaduais, ex-deputados, prefeitos e ex-prefeitos’.

É imprescindível que se inicie uma campanha envolvendo toda a sociedade sobre este problema. É um assunto de interesse público e seria interessante que os jornalistas aproveitassem o encaixassem como pauta em seus veículos. É mais do que clara a necessidade de democratização das concessões de rádio e TV para diminuir o poder dos barões da mídia, e aumentar a pluralidade da informação.

Além da distribuição honesta das concessões, é importante que os jornalistas exijam políticas públicas para a melhora do mercado de trabalho, além de linhas de incentivo e financiamento do BNDES e do Sebrae para novos empreendimentos em comunicação.

Ano de eleição

Na área da legislação trabalhista também há vários projetos que atingem em cheio a realidade dos jornalistas profissionais. Apesar de toda a polêmica que causou, o Conselho Federal de Jornalismo é um deles e não está morto. Em breve voltará a ser discutido. Na prática, é tolice negar a importância de um conselho federal sem um debate profundo. Desde que se tirem os exageros que a primeira proposta trouxe, este é um instrumento que tem força para entrar nas redações. Por isso, não é algo a que os jornalistas devam simplesmente virar as costas.

Com ele, por exemplo, torna-se possível a criação dos Comitês de Redação – úteis para dirimir entraves trabalhistas, abusos ou injustiças do patronato brasileiro. Com essas duas medidas, já se tornaria viável o estabelecimento de pisos salariais dignos. Portanto, não adianta virar as costas à Fenaj, numa atitude que só fortalece o patronato. O importante é debater e gerar a união dos jornalistas para um bem comum.

O ano de 2006 é um ótimo momento para que os jornalistas exijam alguma atitude dos governantes. É ano de eleição e não é impossível iniciar uma mobilização nacional em torno de cada sindicato regional. Cada sindicato pode convidar ministros e candidatos à Câmara e ao Senado federal, para que sejam apresentadas as propostas da categoria.

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Jornalista e professor de História