Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pelo adiamento das definições e ampliação do debate

Ao Presidente da República e ao Congresso Nacional:

Sem a necessária participação da sociedade civil, o Brasil parece caminhar para um dos momentos mais importantes dos últimos anos: a definição sobre o processo de digitalização da transmissão e recepção dos sinais da TV e do rádio. Dependendo das definições acerca do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), o processo de digitalização pode dar ao Brasil uma TV e um rádio mais democráticos, com a multiplicação de emissoras, garantindo mais pluralidade e diversidade na mídia brasileira, mas pode também aprofundar a já exagerada concentração dos meios de comunicação, na qual oito grupos monopolizam os canais abertos de televisão. As escolhas feitas a partir de agora também podem garantir a promoção do maior programa de inclusão digital da história do país, levando para 96% das pessoas que assistem a TV recursos da Internet, especialmente os serviços públicos, mas também podem manter a televisão apenas como aparelho receptor, sem possibilidades de interatividade, em um país em que 78,5% dos domicílios não têm acesso à rede de computadores. O SBTVD, a depender das definições do governo, pode desenvolver a indústria nacional e fazer com que deixemos de transferir riquezas para os países desenvolvidos via pagamento de royalties, mas também pode aprofundar o déficit comercial na balança de eletroeletrônicos, que chega a US$ 8 bilhões por ano.

No dia 31 de janeiro, em audiência realizada na Câmara dos Deputados, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, defendeu abertamente os interesses do maior grupo de comunicação do país, as Organizações Globo. Segundo o ministro, o chamado ‘padrão japonês’ (ISDB) é o melhor e mais apropriado para o Brasil. A mesma defesa, com os mesmos argumentos, é feita pela Rede Globo em documentos públicos. O Jornal Nacional do mesmo dia, em evidente orquestração, abordou a escolha do padrão japonês como algo inevitável, colocando as demais opções como não adequadas ao Brasil. Numa demonstração de chantagem pública, o ministro afirmou que o Presidente Lula está com ‘a bola na marca do pênalti e que, a depender da escolha, pode fazer um golaço’.

Como pano de fundo das frases de efeito de Hélio Costa estão os interesses privados da Globo e as eleições 2006. A sociedade precisa ter clareza dessa relação. A Globo e seu mais dedicado ex-funcionário tentam convencer a população de que a grande questão está na mobilidade e na portabilidade da TV Digital, ou seja, na possibilidade da TV ser transmitida para celulares e terminais em veículos em movimento. Com o discurso de que somente o padrão japonês atenderia a essas demandas, o que não é verdade, desvirtua as questões centrais envolvidas no tema e volta a colocar em debate a definição entre os três padrões (japonês, europeu e norte-americano), tentando retirar da pauta elementos desenvolvidos por diversos consórcios de pesquisa no país.

Não é aceitável que uma empresa que se beneficia comercialmente de uma concessão pública possa utilizar-se do alcance de sua emissora em todo território nacional para pautar a sociedade com informações distorcidas. Não é possível que a classe política, em nome de mais um mandato, se curve às chantagens editorializadas feitas por veículos que, caso queiram, podem destruir a imagem de um candidato. Não é aceitável que o país perca mais uma chance de democratizar a comunicação, promover a sua diversidade cultural e incentivar o desenvolvimento do parque industrial nacional no setor que vem se constituindo como o mais importante da economia mundial. Não é aceitável que mais uma vez a sociedade seja alijada do processo de decisão sobre as questões relativas à comunicação, esfera da vida pública fundamental para a formação de valores e idéias, assim como para a circulação da produção cultural nacional.

É em nome do interesse público, da democracia e da transparência que a sociedade exige do Governo Federal e do Congresso Nacional a discussão imediata do tema de maneira ampla e transparente, com participação ativa da sociedade civil, por meio de audiências e consultas públicas, seminários e o funcionamento efetivo do Comitê Consultivo. Exigimos o adiamento imediato de qualquer definição em relação à tecnologia a ser adotada, já que, sob o prisma do interesse público, não há qualquer motivo justificável para a pressa em tais decisões.

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