Os dois jornalistas, o ex-editor do jornal e um investidor envolvidos no escândalo das ações do Daily Mirror receberam condenações diferenciadas por terem investido em ações de empresas que eram recomendadas na coluna de investimentos do diário britânico. Anil Bhoyrul, um dos jornalistas que escrevia a coluna City Slickers, foi condenado apenas a prestar 180 horas de serviço comunitário. Seus advogados alegaram que, embora sua conduta de manipular o mercado fosse errada, ele não estava sob ‘liderança apropriada’, mesmo fazendo parte da ‘conversa diária no mais alto nível’ dentro do jornal.
Já James Hipwell, que também escrevia a coluna e lucrou US$ 71 mil, foi considerado culpado no mês passado e receberá sua sentença de prisão depois de terminar de fazer exames médicos relacionados a um transplante de rim. O juiz informou a Bhoyrul, que lucrou US$ 26 mil com investimentos em ações de empresas durante seis meses – de agosto de 1999 a fevereiro de 2000 –, que ele receberia uma sentença de prisão se não tivesse admitido sua culpa.
Stephen Solley QC, advogado de Bhoyrul, contou à corte que Piers Morgan, ex-editor do Mirror, ‘sabia e participava do que estava acontecendo, ia às reuniões diárias, e estava envolvido e animado com o ganho de dinheiro nestes meses’. ‘As conversas diárias deveriam ter sido a luz vermelha para alertar e parar estas atitudes. Ele deveria ter dito: ‘Isto deve parar, mantenha estas informações em segredo, ninguém – seja você ou qualquer pessoa – deve comprar ações sabendo de antemão da coluna’, afirmou.
Depois do julgamento, Bhoyrul afirmou que se arrependeu de não ter contado aos leitores de sua coluna sobre o conflito de interesses entre a negociação de ações e seu papel como jornalista. ‘Quero deixar claro que nunca agi desonestamente; os artigos nunca eram impressos com a intenção de enganar o público deliberadamente. Eu comprei ações de forma transparente, no meu nome e usando minha conta bancária. A atmosfera e a falta de liderança e responsabilidade moral enquanto eu trabalhava no Mirror contribuíram significantemente para estes eventos’, disse em declaração.
Conflito de interesses
O juiz informou que levou em consideração que não havia orientação dos superiores de Bhoyrul ou dos advogados do jornal, além de haver evidência de que havia a cultura de ter informações de antemão sobre as dicas publicadas dentro do próprio jornal. Durante o julgamento de Hipwell, soube-se que diversas pessoas da equipe do Mirror, incluindo Morgan e o advogado Martin Cruddace, além dos colunistas, compraram ações pouco antes delas serem indicadas na coluna. Todos justificaram que isto foi apenas coincidência, menos Bhoyrul.
Em uma primeira ocasião, Bhoyrul contou que até ‘funcionários da cantina freqüentemente perguntavam sobre o que seria publicado na coluna’. O escândalo veio à tona em 2000, quando a City Slickers revelou que a empresa Viglen Tecnology estava se preparando para explorar a internet e as ações da companhia subiram espantosamente, gerando lucros tanto para o proprietário da Viglen quanto para os colunistas e Morgan, que haviam investido nas ações da empresa. Morgan teria comprado US$ 117 mil em papéis acionários, parte deles no nome de sua esposa.
Depois disso, a Autoridade de Serviços Financeiros, o Departamento de Comércio e Indústria, a Trinity Mirror – que publica o Mirror – e a Press Complaints Commission (PCC) – órgão regulador da imprensa britânica –, iniciaram investigações sobre o caso. Morgan contou aos investigadores que não havia visto as dicas sobre a Viglen antes de elas terem sido publicadas e que teria comprado as ações depois do jornal ter sido impresso. No entanto, Bhoyrul contou aos investigadores que o editor e o advogado haviam discutido sobre as dicas e que Morgan teria afirmado que comprou ações e encorajou outros a fazerem o mesmo. Ainda assim, a Trinity Mirror demitiu Bhoyrul e Hipwell por má conduta e insistiu que ‘não havia base para acusar’ Morgan. O investidor Terry Shepherd, que lucrou US$ 32 mil ao espalhar as dicas de antemão na internet, foi condenado a três meses de prisão. Informações de Chris Tryhorn e Simon Bowers [The Guardian, 20 e 21/1/06].