Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um estímulo à competição no mercado de TV a cabo

O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (30/08) pela TV Brasil discutiu o impacto da aprovação do Projeto de Lei da Câmara 116 (PLC 116) no setor de telecomunicações do Brasil. O projeto abre o mercado de TV a cabo para as empresas de telecomunicações nacionais e estrangeiras e unifica a regulamentação de TV por assinatura. A iniciativa pretende ampliar a competição e, com isso, baratear os serviços. Um dos pontos mais polêmicos do projeto, que aguarda a sanção da presidente Dilma Rousseff, prevê cotas para a programação nacional e independente. A reserva é de três horas semanais em horário nobre. Metade deste tempo, para a produção independente. A Agência Nacional do Cinema (Ancine) é a entidade designada para fiscalizar a aplicação das cotas.

Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro os jornalistas e produtores Nelson Hoineff e Leonardo Dourado. Diretor de televisão e especialista em novas tecnologias, Hoineff é presidente do Instituto de Estudos de Televisão (IETV). Dourado trabalhou na TV Globo e, há 20 anos, criou a Telenews, empresa que produz documentários e séries. É fundador e membro do Conselho da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV). Em São Paulo, participou André Mermelstein, editor da revista Tela Viva, especializada em mercado e regulamentação do setor de televisão aberta, TV paga e mídias digitais.

Em editorial, Dines destacou que, em comparação com outros projetos de lei, a tramitação do PLC 116 foi rápida. “Milagre em matéria de velocidade e milagre em matéria conceitual, já que a nova lei tem uma função reguladora e, no Brasil, quando se fala em regulamentação de qualquer coisa ligada à mídia, empresas, entidades e parlamentares têm surtos alérgicos”. Para o jornalista, com a aplicação da nova legislação, o número de assinantes pode saltar de 11 milhões para 35 milhões em cinco anos. “Alguns dos interessados estão resmungando, mas a oposição ao projeto de lei foi insignificante.”

Melhor para o consumidor

A reportagem exibida antes do debate ao vivo entrevistou autoridades e especialistas no campo audiovisual. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, avaliou que o consumidor será o maior beneficiado com o PLC 116. “Esse PL, na verdade, vai possibilitar o aumento da oferta, estimular a disputa, a competição entre as empresas que já atuam e novas empresas que vão atuar como, por exemplo, as grandes empresas telefônicas ou pequenas empresas que já tenham cadastro na Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações]”, sublinhou o ministro. Mais de 600 empresas estão cadastradas à espera de permissão para explorar a TV a cabo, mesmo que seja em um número pequeno de municípios.

O ministro comentou que estúdios, produtoras e redes de televisão irão lucrar com as cotas para a produção nacional. Para Paulo Bernardo, a indústria cultural e do entretenimento terá um grande impulso e será valorizada. Além disso, aumentará a oferta de empregos para diversos profissionais do mercado audiovisual. Sobre a possibilidade de que parte do horário seja destinada à exibição de programas de caráter religioso ou de vendas, o ministro assegurou: “Existirá uma exigência de jornalismo e de produção cultural nacional. Eu acho que canais com conteúdo religioso certamente vão continuar existindo, como existem hoje, mas não vejo como enquadrá-los neste conceito de produção nacional, independente, de cultura. Seria uma interpretação muito elástica”.

Um dos elementos centrais do PLC 116, para Manoel Rangel, diretor presidente da Ancine, é firmar um compromisso com a cultura brasileira através da obrigatoriedade da exibição de mais obras nacionais na TV por assinatura. “Tem gente que fica dizendo por aí que o governo vai dizer o que o cidadão tem que assistir em sua casa. Nem o governo dirá, nem hoje o cidadão tem a liberdade de programar a sua TV por assinatura. Quem programa a televisão é um sujeito contratado de uma empresa que decide o que vai passar e em que horário vai passar”, disse. Rangel garantiu que a Ancine tem capacidade para absorver a nova demanda e contará com o apoio do Poder Executivo e do Congresso Nacional para que sejam supridas as futuras necessidades da agência.

Mais competição

A competição, na avaliação do presidente executivo da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), Alexandre Annenberg, sempre favorece o consumidor. “Existe no mercado de TV por assinatura uma competição bastante acirrada. Porque em todas as localidades onde existe uma operação de TV a cabo, por exemplo, existem pelo menos umas quatro ou cinco operações de satélite. Esta abertura torna [o mercado] ainda mais aguerridamente competitivo. Tem a favor da abertura a necessidade de investimento muito grande na infraestrutura de telefonia que, por ser antiga, precisa ser totalmente incrementada para que se tenha redes tecnologicamente adequadas ao século 21, a essa multiplicidade de serviços”, comentou Annenberg.

Elvira Lobato, repórter especial da Folha de S.Paulo especializada no setor de radiodifusão, explicou que a lei foi aprovada após uma negociação entre os setores interessados onde foi firmado um acordo na cadeia de valores da TV por assinatura. “Isso separou o que as companhias telefônicas podem fazer e o que o radiodifusor pode fazer, e essa legislação deixou claro que companhia telefônica não pode controlar a produção de conteúdo. Esta separação não só protegeu a radiodifusão, como abriu caminho para o mercado da produção de conteúdo”, afirmou.

Na avaliação da jornalista, as cotas podem ser positivas para o mercado audiovisual. Elvira não concorda com a argumentação de que os canais por assinatura irão oferecer uma programação de pior qualidade nos horários destinados à produção nacional. “A cota será obrigatória em horário nobre. Então, os canais pagos estarão competindo com a TV aberta no momento em que ela tem os melhores programas para oferecer. Não vão preencher aquele horário com qualquer porcaria.”

Fiscalização polêmica

Para Orlando Senna, ex-secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, o PLC 116 pode ser considerado histórico porque abre a possibilidade de discussão, em um marco geral das comunicações do Brasil, da questão da propriedade cruzada. “No PLC 116 está muito claro que uma mesma empresa não pode operar ao mesmo tempo a produção e a difusão desta operação”, ressaltou. O ex-secretário explicou que o papel da Ancine será apenas verificar se a produção é independente ou regional e fiscalizar o cumprimento das cotas pelos canais. A agência não irá interferir no conteúdo.

O cineasta Silvio Tendler disse que a expectativa dos produtores é extremamente positiva. “Existe uma estimativa que em três anos a televisão pode gerar uma produção de mais de três mil horas que ela vai comprar nas produtoras independentes”, disse. Para o documentarista, a iniciativa é bem vinda porque o grande problema do cinema nacional hoje é atingir o público brasileiro em massa. “É preciso formar plateias para isso”, sublinhou.

No debate ao vivo, Dines perguntou aos convidados a quem o projeto desagradou. Leonardo Dourado disse que, nos quatro anos de tramitação, “muita gente resmungou”. Na reta final, os “muxoxos” se concentraram na questão da propriedade cruzada, que desagrada a uma emissora de TV aberta e a alguns canais internacionais. A ABPITV tem consciência de não ser possível que o projeto agrade a todos os setores, mas está confiante quanto ao panorama futuro. Para a associação, quando o PLC entrar em vigor – em três anos a partir da sanção presidencial –, o quadro brasileiro de televisão por assinatura será promissor e todas as partes envolvidas estarão satisfeitas com o resultado.

“O projeto não pode efetivamente agradar a todo mundo. Se você me perguntar se as cotas são boas… três horas e meia por semana, meia hora por dia no horário nobre, são minguados quinze minutos por dia de produção independente. Sem contar que todos os países que tiveram uma indústria audiovisual desenvolvida, em algum momento da sua história, tiveram ou têm até hoje cotas para beneficiar a produção nacional”, disse Dourado.

Os descontentes

André Mermelstein ressaltou que o projeto sempre foi controverso porque aborda temas polêmicos. “É importante lembrar que as companhias estrangeiras já estão na TV por assinatura no satélite, no DTH. O projeto mexe especificamente na questão da TV a cabo”, explicou o editor da revista TelaViva. Mermelstein disse que o PLC 116 foi apoiado desde o começo pelas operadoras de telecomunicações, sobretudo as estrangeiras, como a Telefónica e a Embratel. Ainda há uma série de questionamentos sendo levantados, sobretudo na área jurídica. Não se sabe se a presidente Dilma irá sancionar o projeto da forma como foi enviado ou irá vetar algum artigo. Mermelstein ressaltou também que alguns pontos ainda precisam ser regulamentados, como, por exemplo, a definição de horário nobre.

De acordo com o jornalista, os principais opositores foram a Sky, única grande operadora de TV por assinatura que não é ligada a nenhuma operadora de telecomunicação, e os programadores internacionais. Estes serão os grandes prejudicados porque terão que ceder espaço e mexer no modelo de negócios para atender a esta produção independente. “Quando se diz que há um consenso em torno do projeto, o que na verdade se diz é que há uma série de concessões que foram sendo feitas. Talvez nem os produtores independentes tenham ficado plenamente satisfeitos. Todo mundo teve que abrir mão um pouco para que este projeto saísse. No final, ele atende à maioria dos interesses”, avaliou Mermelstein. Inicialmente, a produção independente teria o dobro de cotas.

Quem determina o conteúdo?

Nelson Hoineff ponderou que a questão das cotas se sobrepôs a outros pontos do projeto, que são extremamente complexos. O diretor disse que, quando a televisão passou a se organizar através de redes internacionais, a lógica da programação sofreu profundas alterações. “Há uma expectativa de que a produção de conteúdo seja privilégio do primeiro mundo. Isso não pode ser assim. No momento em que as redes de televisão passam a se organizar internacionalmente – você levanta um sinal de algum ponto da América do Norte e da Europa e esse sinal está em todos os continentes –, alguma coisa tem que ser feita em relação à programação. Não é lógico que a produção de conteúdo seja privilégio do primeiro mundo”, criticou.

Nos Estados Unidos, as redes de TV por assinatura já respondem por 60% da audiência, enquanto no Brasil o número de assinantes é pouco maior do que 10 milhões. “A base de assinantes praticamente dobrou em dois anos. O crescimento da TV por assinatura se dá no Brasil atualmente a uma taxa de mais ou menos 20% ao ano. As programadoras que distribuem os canais, que controlam as redes internacionais de televisão, têm tido, na sua maioria, uma atuação muito pobre, muito modesta não só no Brasil”, avaliou Hoineff.

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Regulação necessária

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 608, exibido em 30/08/2011

Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.

A espera até que não foi demorada: o Projeto de Lei Complementar – PLC – número 116 tramitou apenas durante quatro anos nos corredores do Senado até ser aprovado pelo plenário há duas semanas. Milagre em matéria de velocidade e milagre em matéria conceitual, já que a nova lei tem uma função reguladora e, no Brasil, quando se fala em regulamentação de qualquer coisa ligada à mídia, empresas, entidades e parlamentares têm surtos alérgicos.

O PLC 116 vai organizar e dinamizar o setor da TV por assinatura, isso significa: supervisionar a convergência da TV paga com as operadoras de telefonia, desconcentrar o mercado, estimular a concorrência e, sobretudo, alavancar a produção de conteúdo nacional para TV. Hoje, temos no Brasil apenas 11 milhões de assinantes; aprovado o PLC 116 chegaremos a 35 milhões em cinco anos.

Alguns dos interessados estão resmungando, mas a oposição ao projeto de lei foi insignificante. O texto vai subir à sanção presidencial e terá 180 dias para ser regulamentado, enquanto a Anatel e a Ancine se preparam para as suas novas funções fiscalizadoras. É importante lembrar que os fantasmas da censura e do controle de conteúdo não conseguiram embaraçar o processo regulador. É importante lembrar também que você, telespectador, será o maior beneficiário.