Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Por um melhor jornalismo educacional

Educação como tema recorrente, insistente, inevitável. Irá exigir um jornalismo educacional que supere a mera informação ou o simples noticiar de problemas constantes versus soluções esporádicas.


A carta-compromisso lançada por várias instituições no final do passado mês de agosto, tendo à frente o Movimento Todos pela Educação, apresenta metas inegociáveis para o Brasil nos próximos 10 anos: inclusão de todas as crianças e adolescentes de 4 a 17 anos na escola; universalização do atendimento da demanda por creche; superação do analfabetismo; aprendizagem ao longo da vida para todos; redução dos níveis de desigualdade na educação e ampliação do ensino profissionalizante e superior.


As entidades que assinaram essa carta propõem aos que vão governar o país na próxima década que ampliem o financiamento da educação pública, valorizem os professores de modo real e cabal, promovam a gestão democrática nas escolas e aperfeiçoem políticas de avaliação e regulação.


Encontramos nessas justas reivindicações um roteiro para analisar as iniciativas do MEC e das secretarias de Educação estaduais e municipais, mas também um critério para verificar o quanto a mídia colaborará nesta luta pela qualidade educacional.


Em artigo recente na revista Veja (ed. 2181), o economista Gustavo Ioschpe mostra-se em sintonia com uma das preocupações explicitadas pelo Todos pela Educação. O título da matéria é longo: ‘Uma meta para o próximo presidente: todo aluno sai da escola alfabetizado’. Pensando em termos de crescimento econômico, Ioschpe compara os números brasileiros com os de outros países, e constata que ‘estamos falhando barbaramente’, que o nosso setor universitário é ‘mirrado’, que o insucesso do esforço para alfabetizar é ‘uma verdadeira chaga coletiva’, ‘uma vergonha nacional’, que o Brasil, em suma, ‘vai muito mal’ no campo da educação.


Ioschpe, no entanto, esqueceu de dizer que não chegamos a esse estado de coisas de repente. Nossas atuais dificuldades para superar tantos problemas educacionais se devem, em boa medida, a que presidentes e demais governantes do país, sobretudo a partir da década de 1970, não estiveram à altura de uma situação já calamitosa, como denunciava, em 1962, o então ministro da Educação, Darcy Ribeiro.


Caminho certo para o fracasso


Durante meio século, muito do que se deveria fazer não se fez, ou se começou a fazer muito tarde. Muito do que se fez não era para se fazer. Muito do que se quer fazer de bom não conta com a compreensão e união de todos. Concretamente, assistimos ao longo das décadas à imoral desvalorização da profissão docente. O professor, elemento fundamental do sistema escolar, está fragilizado, vulnerável, embora a população continue acreditando que as crianças e os jovens devem confiar em seus mestres. O magistério precisa – está mais do que claro, mas é preciso repetir, repetir – de melhores salários, de melhores condições de trabalho.


O economista Ioschpe também não comentou que nesses últimos 40 anos o Brasil continuou adotando uma arquitetura escolar de tipo prisional, que corresponde a uma mentalidade ultrapassada do que é ensinar e aprender. Os alunos da escola pública frequentam um espaço que tolhe e desmotiva. Também os professores se sentem meros instrutores e vigias da impossível disciplina. Faltam à escola pública condições materiais em que o aluno goste de estudar e o professor se sinta realizado como profissional do ensinar. Faltam, em sua grande maioria, áreas verdes, salas de aula com um número menor de alunos (25 é o ideal), salas de teatro, de arte, de ginástica, salas de vídeo, de música, biblioteca, tecnologia etc.


No que tange à tecnologia, não se pode mais adiar ou impedir o ingresso pleno da escola pública na Idade Mídia. Um projeto-piloto do MEC, conforme matéria da Folha de S.Paulo de domingo (05/09/2010) assinada por Guilherme Voitch, demonstra que os alunos de uma escola municipal de São Paulo aproveitam muito mais as aulas quando podem dispor, cada um deles, de um laptop, com o qual desempenham tarefas que fogem ao repetitivo, à decoreba, à ausência de sentido. Não importa o quanto custe sair da era do mimeógrafo. Economizar em educação é caminho certo para o fracasso.


Melhorar ou… melhorar


Torna-se cada vez mais patente o consenso de que o ensino público deve melhorar… ou melhorar! Caberá ao jornalismo educacional acompanhar o que se faz a favor ou contra essa melhoria. E os motivos que há para se trabalhar contra! E quem são, afinal, os que trabalham contra ou a favor da educação.


Trata-se de denunciar, entre outras situações intoleráveis, o uso sistemático da educação para fins eleitoreiros. Pois uma coisa é mencionar a educação como prioridade, e outra é agir em consequência. Pensemos no caso da educação paulista em seu âmbito estadual. Vejamos 10 dos muitos problemas reais, cotidianos (comentados à boca pequena nas redes sociais, em que professores temerosos  usam perfis falsos para desabafar), problemas que a imprensa do estado mais rico da nação ignora, não sabe avaliar ou simplesmente abafa:


** Lentidão deliberada ou deliberada recusa a investir na infraestrutura das escolas.


** Delonga para informatizar a educação.


** Bibliotecas e laboratórios de informática fechados.


** Boicote a programas do governo federal, como é o caso da coleção DVD Escola, pouco usada.


** Professores que trabalham em escolas mais degradadas ou com problemas de segurança deveriam ganhar mais.


** Ausência de programas de formação docente continuada mais arrojados. Por exemplo, enviar professores de inglês para estágio no exterior. Veja-se, em contrapartida, uma iniciativa nesse sentido.


** Boicote ao piso nacional do professor.


** Demora para estruturar sistema disciplinar estadual, tendo em vista questões de segurança e outras, que acabam ‘sobrando’ para os professores.


** Carga de 33 aulas. Como realizar trabalho de excelência com tantas aulas?


** Milhares de professores temporários, não concursados, em situação precária, o que resulta em insuficiente envolvimento com a escola e os alunos, acentuando defasagens e contribuindo para a sensação de que tudo é meio esculhambado mesmo.


Tais problemas são conhecidos quando entramos no âmbito da educação em sua realidade, que é a realidade dos professores e alunos, das famílias. O jornalismo educacional implica uma investigação sem receio de encontrar, mais do que um diagnóstico numérico do nosso atraso, os obstáculos que geram esses números. E, além dos obstáculos em si, que tipo de concepção de política e de sociedade gera esses obstáculos.


Mais ainda. Investigar quem constrói esses obstáculos. E quem é conivente. E quem se esconde atrás desses obstáculos. E quem, depois, vem queixar-se da inexistência de mão de obra qualificada no Brasil, queixar-se do analfabetismo funcional, escolhendo como bode expiatório o professor, aquele mesmo professor que não tem tempo para ler os jornais.

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br