Dos 191 países da ONU, só um não tem Lei de Imprensa. O Brasil. Alguma coisa está errada nesses números. Claro que sofremos, por tempo demais, com a pior Lei de Imprensa do planeta. Mas, pior mesmo, é não ter lei nenhuma.
Os jornais dizem que Inglaterra e Estados Unidos também não têm, só que são realidades diferentes. Não apenas por serem países da common law (com menos ênfase nas leis e mais ênfase nas decisões), mas, sobretudo, por não haver lá, sobre o tema, o vazio que agora passamos a ver por aqui.
A Inglaterra tem um Código de Ética jornalística desde 1938; e a House of Commons (seria o equivalente à Câmara dos Deputados) aprovou um código de procedimentos para a Press Complaints Commission (comissão de queixas da imprensa) que vem sendo consensualmente cumprido.
Nos EUA, ao lado da Libel Law (o capítulo dos crimes contra a honra do Código Penal federal norte-americano), temos vasto conjunto de regras espalhadas em diferentes normativas. O australiano Rupert Murdoch por exemplo, quando quis entrar naquele mercado, teve que se naturalizar americano por exigência da FCC (Comissão Federal de Comunicação, na sigla em inglês). Sem contar que, contra todas as tradições, o Congresso chegou a discutir, dez anos atrás, a adoção de algo como uma Lei de Imprensa, em um Libel Reform Act elaborado pelo Instituto Annenberg.
Interesse coletivo
De parte essa observação estatística, cumpre ver quem ganha e quem perde com essa decisão do Supremo Tribunal Federal revogando nossa Lei de Imprensa. Jornalistas, com certeza, perdem.
Uma Lei de Imprensa democrática lhes garantiria direitos fundamentais, como a ‘cláusula de consciência’, com a qual poderiam não assinar reportagens contra suas crenças ou ideologias sem ser demitidos por isso; teriam direito à ‘exceção da verdade’, que os protegeria de processos; ou, dado exercerem o ofício de emitir opiniões, teriam tratamento penal diferenciado – a pena de privação da liberdade restaria limitada à reiteração de práticas eticamente reprováveis. Jornais também perdem.
Uma lei democrática levaria a que fossem processados apenas onde têm sede ou sucursais – evitando o que hoje ocorre com a Folha de S.Paulo, respondendo a processos dos filiados da Igreja Universal em mais de uma centena de fóruns. E não podem se aproveitar dos benefícios da ‘retificação espontânea da notícia’ – usualmente deferida, nas legislações, com um estímulo a que os próprios jornais expressem a verdade dos fatos, independentemente do direito de resposta –, evitando, assim, condenações por indenizações.
Por fim, e sobretudo, perdemos nós, cidadãos. Os jornais relutarão em dar notícias com receio de processos em casos de oposição entre o direito à informação e o direito à privacidade – quando, segundo as leis de imprensa dos países culturalmente maduros, esses conflitos se resolvem ‘em favor do interesse coletivo da informação’.
Otimistas incorrigíveis
Também não haverá obrigatoriedade da identificação de reportagem paga, protegendo o leitor. Nem vasto conjunto de exigências do direito de resposta – como a gratuidade. À falta de uma legislação específica sobre o direito a resposta, vamos sofrer nas ações perante juízes que relutarão em aplicar um direito que, embora formalmente assegurado pela Constituição (artigo 5º, V), claramente só ganhará efetividade com a regulamentação que agora deixa de existir.
O exemplo dos Estados Unidos, nesse caso, não nos serve. Lá, mesmo constando em legislações estaduais, o direito de resposta foi declarado ilegal pela Suprema Corte (em 1974) no caso Miami Herald x Tornillo, por ofensa à Primeira Emenda. E, não obstante, os jornais usualmente o concedem, para evitar o risco de serem condenados a pagar indenizações quase sempre severas. A decisão do Supremo, dadas tantas evidências, permite duas visões.
Uma otimista, que se extrai do voto do ministro Ricardo Lewandowski – segundo o qual esse fato deve servir de estímulo a que o Congresso Nacional aprove uma nova lei, em substituição à agora revogada. Outra pessimista, que se vê nos discursos aligeirados, ufanistas e lamentavelmente equivocados, segundo os quais a decisão aprimora a democracia brasileira – como uma promessa negra de que tudo vai ficar como está.
Seja como for, incorrigíveis otimistas, os brasileiros rogam ao Congresso, o mais rápido possível, a edição de uma nova Lei de Imprensa verdadeiramente democrática. Que garanta o máximo de liberdade na informação, sagrado direito de todos e de cada um, mas que também garanta o máximo de responsabilidade no exercício dessa liberdade.
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Franklin quer regra em direito de resposta
Alexandre Rodrigues # reproduzido do Estado de S.Paulo, 7/5/2009
O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República, Franklin Martins, defendeu ontem a regulação do direito de resposta a quem se sentir prejudicado por peças jornalísticas. Com a derrubada da Lei de Imprensa, de 1967, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada, o tema ficou sem regulamentação. Para o ministro, seria perigoso deixar pedidos de resposta para a interpretação de juízes à luz da Constituição, que assegura genericamente o ‘direito de resposta, proporcional ao agravo’ e indenização por eventuais danos.
‘Acho que não é bom deixar sem amparo legal situações que se produzem cotidianamente na sociedade, que precisam de uma legislação. Seja para impedir abusos em caso de indenizações excessivas, seja para impedir que determinado órgão de imprensa não publique um direito de resposta quando atingiu a honra de alguém. Quem é que pode dirimir esse conflito? É o Judiciário, mas com base numa lei, não numa interpretação’, opinou o ministro, depois de participar do debate ‘O que ameaça a liberdade de imprensa? E quem a imprensa ameaça?’, organizado pela Unesco na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
‘Do jeito que está, cada juiz vai decidir de uma forma e isso não é bom’, disse Franklin. Ele saudou a decisão do STF por ‘enterrar a lei que vinha da ditadura’, mas ressaltou que o governo não tem posição oficial sobre a regulamentação do direito de resposta. Deixará a iniciativa para o Legislativo, onde tramitam diversos projetos sobre o tema.
Participante do evento, o procurador da República André Carvalho Ramos defendeu o direito de resposta como forma de zelar pelo contraditório e a exposição de diferentes pontos de vista. O coordenador de Comunicação e Informação da Unesco, Guilherme Canela, afirmou que, além da segurança física dos jornalistas, a ONU está preocupada com a concentração de propriedade dos meios de comunicação e as pressões políticas e econômicas sobre os profissionais.
Elvira Lobato, repórter especial da Folha de S.Paulo, contou como se tornou alvo de mais de cem processos simultâneos em cidades remotas do País após publicar reportagem sobre a evolução patrimonial da Igreja Universal do Reino de Deus. ‘O objetivo (dos autores) não era ganhar, mas penalizar o jornal e o jornalista.’
O ministro Franklin Martins reconheceu que há limitações à liberdade de imprensa no Brasil, como ações judiciais de censura prévia, mas ressaltou que os meios de comunicação estão inseridos num contexto de grande independência. ‘Isso não quer dizer que a imprensa faz bom uso dessa liberdade’, criticou. ‘Sinto que, se for contra o governo, publica-se o que for.’
Para Franklin, a internet vem se tornando uma espécie de fiscal da grande imprensa ao dar visibilidade a eventuais erros. ‘A internet é o grilo falante dos jornais’, definiu.
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Advogado, pós-graduado pela Universidade Harvard (EUA). Foi presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e da Empresa Brasileira de Notícias, além de secretário-geral do Ministério da Justiça (governo Sarney)