Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Precisamos realmente de mais democracia?

No último domingo (26/4), tive o prazer de assistir àTV Educativa do Paraná, onde, no programa Brasil Nação, se discutia a Confecom (Conferência Nacional de Comunicação), a Jornada pela Democratização da Comunicação, realizada em Curitiba, rede mundial de computadores e temas afins. [Todo domingo, 21:30 h, ao vivo pela rede, www.rtve.pr.gov.br . Quem se interessar em ouvir a gravação que fiz do áudio do programa, MP3 40 Kbps, 1:30 h, 21 Mb, basta copiá-la aqui.]

Chamo a atenção do leitor para o encerramento do programa, com uma excelente proposta de reflexão da parte do telespectador, como prova da necessidade de uma conferência para o setor: existe alguma TV comercial discutindo este tema?

Certamente, o ministro da Globo, Hélio Costa, responderia: Não há necessidade alguma de se fazer uma conferência. Já estamos democratizando tudo! [ver aqui]

Em dado momento, após quase meia hora de debate, surgiu a seguinte questão: Como fazer para que mais tecnologia (na comunicação) represente, de fato, mais democracia? (aos 27 minutos do áudio citado).

R$ 1.5 bilhão em publicidade

Então, é neste ponto, gostaria de aprofundar numa reflexão, inspirado no clima crítico e contundente em que ocorria o debate… Isto é impossível no limitado tempo da TV, em função dos vários assuntos em foco. Também há pouco interesse do público e dos grandes capitalistas em discutir este tema publicamente, os quais são anunciantes das grandes redes comerciais. Mas, certamente, deve apimentar o cardápio de nossos maiores empresários, em seus encontros mais discretos.

Democracia é como gravidez, em que, ou e está ou não se está grávida? Ou é um processo gradual em que, após estabelecida, é possível vários graus de democracia? Uma democracia padrão poderia ser mensurada em índices do tipo 10%, 50%, 100% ou 150%? Ou só existe democracia padrão 100%, sendo impossível haver menor ou maior intensidade desta forma de governo? Menos que 100% de democracia é sempre uma ditadura? O que é uma democracia plena? É-se possível radicalizar na democracia? Ou ela, em si mesmo já é o máximo possível de radicalização? É possível existir democracia com um déficit (uma deficiência) de si mesma? Uma democracia meia-boca é uma democracia de verdade? Merece este nome?

O Estado, dominado pelos grandes capitalistas, estabelece um senso comum de que estamos numa democracia de verdade. Isto é disseminado através do sistema de ensino e do sistema teoricamente público de comunicação. Muito especialmente quando se trata de uma concessão pública para o setor privado, o qual atua apenas para atender aos interesses particulares, políticos e comerciais de seus donos e de seus anunciantes. O próprio Estado privatizado destina para este sistema 1,5 bilhão de reais anualmente, na forma de publicidade. E, para as emissoras (e jornais) comunitárias, nada! Ou melhor, apenas perseguição. Mais de 1.200 por ano foram fechadas no atual governo. Assim, já podemos imaginar como foi este programa.

O privilégio do capital

Somos bombardeados diuturnamente com uma lavagem cerebral nos inoculando com a categórica afirmação de que estamos em uma democracia ou em um Estado Democrático de Direito. É o que determina nossa Constituição Federal. Com 74% de analfabetos e semi-analfabetos, a manipulação dos conceitos mantém presa em uma matriz, em um molde, em um pensamento único (ver Matrix, o filme), a quase totalidade da população. Quase ninguém é capaz de pensar por si próprio e questionar as informações que recebe constantemente, tomando tudo por verdade. Nem jornalistas diplomados, que deveria fornecer à sociedade informação com ética e qualidade. São meros paus-mandados de seus patrões manipulando a notícia para não perder a boquinha, completamente desamparados de qualquer condição que lhe permita exercer o verdadeiro jornalismo.

O verdadeiro jornalismo, o jornalista de fato e a mídia realmente livre divulgam, com a freqüência e ênfases adequadas, idéias, fatos, pessoas e organizações que os poderosos se esforçam para esconder, minimizar ou criminalizar. O resto é assessoria de imprensa, omissão, manipulação, mercenarismo, entretenimento, mero diletantismo filosófico, conciliação de classes e/ou crime de lesa-pátria.

Mas o que significa, realmente, um Estado Democrático de Direito? Pura e simplesmente que há direitos teoricamente assegurados às pessoas em muitos ou todos os setores da atividade humana, inclusive o de viver sob uma democracia, ter acesso ao trabalho, saúde, educação, salário digno, lazer, e à própria justiça, etc.

Portanto, um Estado Democrático de Direito é uma ficção científica, jurídica, política, econômica e social, mas não há garantia alguma que funcione verdadeiramente, na prática. Basta observarmos a elevada concentração de riqueza em nosso país, onde 10% da população abocanharam 75% da riqueza nacional e o número de milionários cresce a 19% ao ano, enquanto leva-se quatro anos para que a classe média cresça 17%. Permanece, como sempre, o privilégio do capital, apesar de alguns avanços. O salário mínimo constitucional deveria ser R$ 2.000,00 [www.dieese.org.br], sendo o trabalhador desta faixa de remuneração furtado mensalmente em mais de R$ 1.500,00 [ver aqui].

As viúvas da ditadura

Quanto tempo se leva para um processo ser concluído na justiça. Justiça? Por que mais de 1517 sem-terra assassinados pelos ruralistas de 1988 a 2000, raramente tiveram seus autores julgados e condenados? [ver aqui]

Por que o processo do assassinato de Celso Daniel está parado em sua fase inicial há anos e não anda como outros processos que não envolvem interesses políticos da mesma dimensão? [ver aqui]

Há democracia, onde não há justiça? Onde um banqueiro condenado tem dois habeas corpus concedidos pelo seu amigo (sócio?) e presidente do Supremo Tribunal Federal duas vezes em 48 horas, apesar de tentar impedir o andamento da justiça, subornando seus investigadores? Onde este mesmo criminoso internacional afirma impunemente que na instância superior seus processos terão a solução que lhe interessa? Onde o pobre não tem direito a um advogado, os milhares de processos se acumulam nos tribunais e sentenças são vendidas como banana em uma feira? Ou num leilão?

Vale a pena lembrar, que nem os militares, quando implantaram no país a censura, fecharam o Congresso Nacional, seqüestraram, torturaram e assassinaram milhares de pessoas, assaltaram o trabalhador, furtaram o fruto de seu trabalho e o concentraram nas mãos de uma minoria, elevando a inflação e a dívida externa absurdamente, com uma redução descomunal do salário-mínimo, jamais diziam tratar-se de uma ditadura. Alegavam estar fazendo a vontade do povo e defendendo a Nação contra uma outra forma de ditadura desta feita, de esquerda. E não falta quem acredite nesta balela até hoje. São as viúvas da ditadura pseudo-militar de 1964. E ainda querem que ela volte… Mas será porque nossos militares não se candidatam democraticamente e não buscam o voto dos eleitores como Hugo Chávez, na Venezuela?

Estado serve interesses de minoria

Agora, imagina o que seria um Estado Democrático de fato! Um estado em que todas as fantasias e sonhos do Estado Democrático de Direito se tornem realidade. Esta seria a verdadeira democracia. O governo seria do povo diretamente ou através de seus legítimos representantes. Mas entenda que um legítimo representante é aquele que representa seus eleitores, e não seus financiadores de campanha, como ocorre hoje.

E quem tem condições de colocar tanto dinheiro assim num candidato? Naturalmente, pessoas muito ricas. Elas se tornam legitimamente representadas por quem recebe seu dinheiro para fazer uma propaganda maravilhosa e enganar os mais pobres como se fossem fazer tudo que estes querem. Ao ganhar a consciência dos eleitores, este político vai governar para quem? Para o trabalhador otário que acreditou na propaganda enganosa ou para a classe patronal que lhe deu milhões de reais para realizá-la?

E no caso em que o povo governe verdadeiramente, seria possível o povo governar mais ou menos? A ação de governar numa democracia exige que se tenha maioria de votos. Algo matemático e científico! Os trabalhadores, que são a classe com maior número absoluto da sociedade e maior número percentual, devem ter o maior número de representantes e estes devem defender os interesses desta categoria. Legítimos mesmos, né?

Mas não ocorre o contrário? Os políticos eleitos governam prioritariamente para a classe mais abastada que lhes financiou o acesso ao cargo público. Então, este cargo público se torna privado e o Estado serve aos interesses de uma classe minoritária da sociedade, ao invés da maioria. Isto jamais pode ser chamado de uma República, mas de uma reparticular. Nem de democracia. Nem de democracia burguesa. Como pode ser burguês o governo do povo?

Superar a incompetência

Numa democracia de verdade, é o povo quem governa. Ou governa ou não governa. Não me parece possível o povo governar mais ou menos, termos mais ou menos democracia. Por exemplo, uma classe social, uma categoria, uma raça ou um gênero ter mais votos que a proporção de cada categoria, no Congresso Nacional… Os grandes, médios e pequenos capitalistas teriam representação proporcional ao seu número na sociedade. Numa democracia, o número de representantes não seria maior nem menor que a proporcionalidade de cada parte que compõe a sociedade. A menos que se tenha decidido democraticamente privilegiar minorias numéricas ou políticas perseguidas e dar-lhes maior peso nas decisões, como uma reparação pelos danos que sofreram.

Portanto, defendo que é impossível termos mais democracia. Ela é matemática e cientificamente limitada pelo tamanho de cada grupo social que constitui uma nação, uma unidade da federação ou um município.

Diante deste conceito de democracia, lamentavelmente, somos forçados a concluir que estamos muito longe ainda de uma verdadeira democracia. Por outro lado, ao atingi-la, um dia, talvez, quem sabe, não precisaremos de mais nada, neste sentido. Por enquanto, se formos honestos, jamais diremos que é o povo que governa este país (democracia), mas os ricos. Trata-se de uma ditadura do poder econômico. Uma plutocracia.

Para quem ainda não sabe, Plutão era o deus das riquezas dos gregos e a tudo que se refere ao poder material pode ser utilizado o termo pluto. Como cracia significa governo, temos plutocracia para denominar o governo dos ricos. Cleptocracia é o governo dos ladrões, corruptos e simpatizantes. Clepto quer dizer roubar, como em cleptomania. Já corporocracia é o governo das corporações ou grande empresas, como IBM, General Motors, Ford, Microsoft, Vale do Rio Doce, Votorantim, Bradesco, Itaú etc.

Usa o nome que quiseres, mas usa o nome correto para cada coisa. Dá o nome certo aos bois!

Não precisamos de mais democracia. Precisamos mesmo é revisar nossos conceitos sobre ela e outros temas relevantes. [ ver ‘Sem conceitualização não há revolução!‘]

Precisamos apenas de uma boa, pura, simples e justa democracia. Nada mais, nada menos que a classe trabalhadora, por ser a maioria absoluta da população, se organize e assuma o comando deste país. Mas será que o trabalhador tem algum interesse em tal coisa? Ou está imbecilizado pela hipnose coletiva patrocinada pelos senhores do Estado, da educação e da mídia?

De uma coisa não tenho a menor dúvida: enquanto julgarmos que temos uma democracia por aqui, jamais lutaremos com a disposição suficiente para alcançar ‘mais democracia’. Ou para alcançarmos a única democracia possível e absolutamente garantida: a ditadura do proletariado. [ http://brasil.indymedia.org/eo/red/2008/10/432128.shtml ]

Mas, antes de tudo isto, teremos de superar nossa incompetência em colocar os mais elevados ideais na prática [‘O Fator Humano]. Mais detalhes aqui.

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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (CMQV)