Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Projeto precisa ser amadurecido

Passados mais de quatro meses do início do governo Dilma Rousseff, incertezas cercam o novo marco regulatório da comunicação brasileira. Ainda não se sabe quais pontos serão abordados pelo Ministério das Comunicações para regular o setor, praticamente livre de regras. Ao apresentar a ideia, na reta final do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o então ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins, falava principalmente em debater concentrações de audiência e proteção às produções nacional e regional e às crianças e adolescentes. ‘Quando se levanta a ameaça à liberdade de imprensa, quer-se driblar o debate. Podemos levantar os fantasmas, mas não podemos deixar que eles presidam o debate’, ironizava Martins sobre a resistência das grandes empresas de rádio e TV em discutir qualquer regulação do setor usando argumentos, inclusive, que atribuíam às propostas de regulação o papel de censura. Nos meses que antecederam a elaboração do projeto, o ex-ministro teve contato com a experiência de diversos países na regulação da área e organizou um seminário em Brasília para debater o tema.

Os fantasmas continuam por aí, mas o anteprojeto, ainda à espera de conclusão, mudou de órgão: saiu de uma secretaria ligada diretamente à Presidência da República e acabou num ministério, o das Comunicações. O titular da pasta, Paulo Bernardo, incumbido pela presidenta Dilma Rousseff de tratar do assunto para evitar ansiedades sem ter de recuar em nenhum ponto, tem adotado um discurso pouco preciso quando fala sobre o tema. Lições de primeira hora: ao assumir o cargo, deu uma entrevista afirmando que gostaria de limitar a propriedade cruzada, que é o controle de diferentes mídias (TV, rádio, internet, impresso) por um mesmo empresário ou grupo. ‘Depois que falei, recebi uma série de ligações e de e-mails falando que estava equivocado sobre a história de propriedade cruzada, que hoje a tendência é a convergência de mídias. Vamos ter que rever.’ Questionado durante entrevista coletiva sobre qual a posição da presidenta a respeito da regulação, Bernardo evitou implicar Dilma no assunto, afirmando que ela será consultada apenas depois que o projeto estiver concluído, o que fez pairar incertezas sobre a possibilidade de o trabalho seguir adiante. Além disso, o ministro decidiu colocar a banda larga em primeiro plano em sua gestão e deixou claro que não tem pressa em debater a regulação.

Parlamentares em débito com a regulação

Certo, por ora, é que se está discutindo fundamentalmente os serviços de radiodifusão, que são concessões públicas – jornais e revistas seriam abordados apenas em alguns pontos, como financiamento público ou publicidade. Quem estuda o setor pondera também que a regulação, se for efetivamente realizada, será capaz de diminuir a concentração de audiência – e de poder – nas mãos de poucos grupos da mídia, já que poderá impor limites e rever o modelo atual de concessão de frequências. Bernardo diz que o projeto de regulação precisa ser amadurecido com calma, primeiramente no âmbito do próprio ministério, depois em conjunto com outras pastas, na sequência obter o crivo da presidenta Dilma, passar por audiência pública e, por fim, ser votado no Congresso. ‘Se corrermos com a discussão, vai ser tudo muito rápido, vai terminar em dois meses. Daqui a pouco, alguém divulga alguma coisa que não tem cabimento, vamos tomar pancada até não poder mais e acabou’, afirma.

O novo marco regulatório precisa harmonizar a legislação já existente, criar regras e dar conta dos desafios que se avizinham. A Constituição de 1988 trata num capítulo específico da comunicação, vista como um vetor fundamental de uma sociedade democrática. Há cinco artigos, a maioria não regulamentada, o que dificulta sua aplicação. O primeiro deles, o 220, afirma que os meios de comunicação não podem ‘ser objeto de oligopólio ou monopólio’. Na sequência, o 221 diz que a produção das emissoras de rádio e televisão deve dar preferência a finalidades ‘educativas, artísticas, culturais e informativas’. O artigo 223 dispõe brevemente sobre as regras para a concessão do espectro eletromagnético. O seguinte, o 224, afirma que o Congresso deve constituir um Conselho de Comunicação Social. O órgão funcionou apenas entre 2002 e 2006. No ano passado, o presidente do Senado, José Sarney, prometeu reativá-lo, mas até agora não o fez.

O artigo 222 é o único que foi regulamentado por deputados e senadores. Em um momento de dificuldade financeira, no ano de 2002, as empresas de grande porte pressionaram o governo para que fosse autorizada a participação de capital estrangeiro nos órgãos de comunicação em até 30% da estrutura acionária. Quanto ao resto, os parlamentares estão há 23 anos em débito com a regulação da comunicação, não tendo criado os dispositivos necessários para a efetiva implementação dos instrumentos previstos pela Constituição. Não se sabe quais os limites tolerados de concentração de audiência, muito menos o que se quer dizer com ‘preferência’ a certos tipos de programação.

271 políticos donos de uma ou mais emissoras

Por isso, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (Fitert) ingressaram, em 2010, com ação por omissão no Supremo Tribunal Federal (STF) para obrigar deputados e senadores a legislar sobre o tema. Celso Schroeder, presidente da Fenaj, lamenta as dificuldades impostas por empresas e suas associações no sentido de vetar qualquer regulamentação por acreditarem na tese de que ‘lei melhor é lei nenhuma.’ A leitura da Fenaj é de que a regulação da comunicação poderia permitir que mais vozes tivessem direito a seus próprios veículos de comunicação. ‘É um debate ideologicamente marcado por um setor que ostenta privilégios absurdos, um setor que não se democratizou no pós-ditadura’, diz.

Um dos obstáculos para aprovar qualquer mudança nesse sentido é o fato de que o Congresso tem dezenas de parlamentares que estão em desacordo com a lei. O artigo 54 da Constituição é expresso ao afirmar que deputados e senadores não podem ser sócios ou donos de qualquer concessão pública. Segundo levantamento da ONG Transparência Brasil, na legislatura encerrada em dezembro havia 166 congressistas controlando rádios e TVs – 29 deles só no Senado, o que equivale a 36% das cadeiras da Casa.

Nesse sentido, o ministro das Comunicações é bastante claro ao afirmar que acha necessário vetar a posse de concessões não apenas para quem está no Congresso, mas para qualquer um que ingresse na vida política, exercendo cargos em quaisquer dos três poderes do Estado. Bernardo, vislumbrando a resistência que provoca o assunto, admite que não será possível cassar as outorgas já concedidas, mas pensa ser possível deixar de renová-las quando se esgotarem os prazos. Essa única medida já poderia provocar mudanças na radiodifusão brasileira: segundo o projeto ‘Donos da Mídia’, que reúne pesquisadores de diversas faculdades e institutos interessados na comunicação, em 2009 havia 271 políticos brasileiro eleitos que eram donos ou sócios de uma ou mais emissoras – na grande maioria, prefeitos pertencentes a DEM, PMDB, PSDB e PP.

Quatro redes controlam 843 de 1.151 veículos

Há casos antigos e notórios, como os dos senadores José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor de Mello (PTB-AL). Este é dono de pelo menos três concessões de rádio e uma de TV. Sarney e a filha, a também senadora Roseana (PMDB-MA), figuram como proprietários de três rádios e uma TV, sem contar os veículos impressos. A prática atingiu tal nível que Roberto Cavalcanti (PRB-PB), até o ano passado vice-presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, defendeu, em audiência pública, não somente seu direito de ferir o texto constitucional, como a propriedade cruzada. ‘As empresas de comunicação, hoje, só sobrevivem com sistemas como pacote. […] A distribuição do jornal é onerosa, extremamente onerosa, dentro da modernidade de outros canais de fazer com que as notícias avancem’, afirmou.

Uma das questões centrais da discussão é o estabelecimento de critérios para concessão de emissoras de rádio e TV. O problema todo nasce de uma questão técnica: as ondas pelas quais se faz a radiodifusão têm espaço limitado de frequências, o que conduz à necessidade de definir quem pode explorar este espaço. Alguns países optaram pelo monopólio público, outros adotaram um sistema misto. No Brasil (ver box ‘A regulação no Brasil’), historicamente, a outorga ficou nas mãos do presidente da República ou do Ministério das Comunicações, o que resultou numa distribuição baseada em critérios obscuros e gerou a concentração das concessões.

‘O que acontece é que se formou um monopólio, dez famílias comandam a agenda midiática. E qualquer ator político precisa articular alguns interesses com esses conglomerados’, diz Ismar Capistrano, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC). A TV Globo, por exemplo, chega a picos de 50 pontos de audiência numa escala de 0 a 100 – o que significa que, sozinha, naquele momento concentra as atenções de metade dos telespectadores. O ‘Donos da Mídia’ mostrou que, entre as 34 redes brasileiras de TV, apenas quatro delas (Globo, SBT, Band e Record) controlam 843 de 1.151 veículos, aí incluídas as geradoras e as retransmissoras.

Espaço-chave para a pluralidade

Um decreto de 1995 do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso determinou que as concessões de emissoras comerciais deveriam ser disputadas por meio de edital, sob responsabilidade do Ministério das Comunicações. O problema é que os critérios continuaram pouco claros – a maioria dos concorrentes recebe nota máxima na disputa e o desempate fica por conta de um sorteio. Além disso, restou uma brecha nada desprezível, uma vez que as concessões de emissoras comunitárias ou de caráter educativo continuaram a ser prerrogativa do Executivo.

A renovação das licenças, por sua vez, deveria ocorrer a cada dez anos para emissoras de rádio e a cada 15 para as de TV, ocasião em que haveria amplo debate nas comissões de Ciência e Tecnologia da Câmara e do Senado e nos plenários das duas Casas. Não é o que se observa na prática. Francisco Fonseca, professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entende que qualquer avaliação, da maior à menor emissora, deve ser alvo de discussão, levando-se em conta se foram seguidos os preceitos educativos e de respeito à verdade. ‘Quem ousaria insinuar que a Rede Globo pode perder sua concessão? Ela pode fazer o que bem entender, inclusive ser golpista, como já foi várias vezes.’ Diferentemente do Brasil, países europeus que estabeleceram regulamentos mais precisos para a mídia previram também uma escalada de punições para quem os descumprir: multa, suspensão temporária das transmissões e até perda da concessão.

O ministro Bernardo defende uma medida que, acredita, vá alterar o quadro atual em relação às outorgas: uma agência reguladora deve tratar do assunto. A crença é que um órgão da administração indireta teria melhores condições de fazer uma avaliação isenta e de ficar menos subordinado a pressões por barganha política.

De qualquer forma, seja qual for o tipo de órgão a tratar dessas questões, será necessário definir qual o grau de concentração tolerado de audiência e os instrumentos para evitar que se extrapolem os limites. Além disso, é preciso reforçar o caráter regional das emissoras de menor alcance, que hoje são, de forma geral, meras retransmissoras ou afiliadas dos grandes grupos, com pouquíssima produção local. João Brant, do Coletivo Intervozes, grupo que luta pela democratização das comunicações, ressalta que as chamadas ‘democracias avançadas’ veem a comunicação como um espaço-chave para a pluralidade. ‘A regulação no Brasil ajudará a democracia se contribuir para que os diversos discursos, pontos de vista, ideias e valores tenham espaço coerente com sua existência’, argumenta.

Um único sinal

Os EUA, por exemplo, inspiração de modelo político liberal para parte da mídia brasileira, já na primeira metade do século passado barraram abusos em relação à propriedade cruzada de meios. O veto à formação de conglomerados, que durou até a década de 1990, resultou na formação de ao menos 50 grupos regionais que dividiram entre si a audiência, sem notórias concentrações. Na França, o Conselho Superior de Audiovisual (CSA), órgão independente do governo, é responsável por controlar os níveis de audiência. Aqueles que ultrapassem os limites tolerados devem se desfazer de uma ou mais de suas empresas até voltar ao patamar permitido por lei. Os dispositivos anti-concentração foram sendo aperfeiçoados por uma série de regulamentos aprovados desde 1986, ano em que o país decidiu abrir sua comunicação à participação privada. Nenhuma emissora de TV pode controlar mais de 20% da audiência, regra que vale também para a mídia impressa. No caso das rádios, uma emissora não pode ter mais de 10% dos ouvintes potenciais de cada região. Em relação à propriedade cruzada, há limites bastante claros quanto à impossibilidade de acumular o controle de vários veículos.

Por aqui, a avaliação é de que a grande concentração pela Rede Globo, dona de emissoras de rádio e TV, de canais de TV por assinatura, portais da internet, jornais e revistas, provedores de conexão de banda larga e de TV a cabo, tolhe a voz de muitos grupos sociais. Fonseca, da FGV, entende que o caminho para alterar esse quadro passa fundamentalmente pela distribuição de concessões entre os diferentes grupos da sociedade. ‘Hoje, a televisão é para uma classe média de brancos e loiros, e a pluralidade não está na programação’, lamenta o autor do livro O consenso forjado (Hucitec, 2005).

A Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert), por sua vez, pensa que não há concentração e que o máximo que se necessita são aperfeiçoamentos. ‘Das 8 mil emissoras de rádio e TV no Brasil, o número de proprietários supera os 20 mil. Porque, inclusive, a maioria das emissoras tem mais de um proprietário’, diz o diretor de Assuntos Legais da entidade, Rodolfo Machado Moura, em entrevista ao sítio da Rede Brasil Atual. A questão que se discute, obviamente, não é se há ou não um grande número de proprietários, mas qual o poder de cada grupo de comunicação.

Em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, o Grupo RBS, ligado à Rede Globo, entrou na mira do Ministério Público Federal. O conglomerado regional é dono de 12 das 28 geradoras de TV gaúchas e detém a quase totalidade dos diários catarinenses. Pedro Antônio Roso, procurador da República em Canoas, lembra que há muitas cidades que recebem somente o sinal da emissora global. ‘Isso influencia a política, a democracia, a concepção de valores. Impõe-se uma ideologia e uma conduta para toda a sociedade.’

Volume de negócios de 10 a 15 vezes maior

A Argentina, que ostenta um quadro muito parecido ao brasileiro, entrou de cabeça no debate. O grupo Clarín controla o maior diário, as emissoras de TV e rádio de maior audiência, portais na internet, provedores de TV a cabo e de conexão de banda larga e, até pouco tempo, o papel usado em jornais e revistas. O Congresso argentino aprovou, em 2009, a Ley de Medios, que começou a impor limites à concentração de veículos. A Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca) é a responsável pelo cumprimento das quase duas centenas de artigos, que preveem que nenhum grupo pode ter mais de dez licenças de rádio e TV com alcance nacional, nem um canal de TV aberta e um a cabo na mesma localidade. Foi estabelecida também uma divisão do espectro, com 33% para cada um dos segmentos: privado, comunitário e público.

O grupo Clarín, quando se encerrar a possibilidade de recorrer via Judiciário, terá de se desfazer de parte de seus veículos. Lá, como cá, o debate transcorreu sob acusações de que o governo queria cercear a liberdade de imprensa e calar os grandes grupos de comunicação, que se colocavam no papel de defensores da democracia. ‘A liberdade de expressão vai além do direito do emissor dizer o que pensa. É também direito do receptor, do telespectador, do leitor, de receber uma variedade de informações e de pontos de vista’, afirmou Toby Mendel, da Unesco, durante seminário organizado em 2010 pelo ex-ministro Franklin Martins.

A Abert admite a existência de um fator que pode abreviar o caminho da mudança. O setor assiste, pelo retrovisor, à chegada de um perigo apelidado carinhosamente de ‘jamanta’. A convergência de mídias por meio da internet e de novos aparatos eletrônicos, em especial o celular, fez com que desaparecesse a tênue linha entre radiodifusão e telecomunicações. As teles (Telefonica, Oi-Brasil Telecom-Portugal Telecom, Embratel) investem crescentemente no setor de conteúdo e, em breve, podem transformar os atuais caçadores em caça. Essas corporações têm um volume de negócios de 10 a 15 vezes maior que o do setor de radiodifusão – e o que poderia ser um fator para melhorar a produção pode contribuir para criar um cenário ainda mais concentrado.

‘A melhor solução é a autorregulação’

O debate sobre a regulação é marcado pela explícita desconfiança de que ela se transforme numa espécie de censura. De que maneira pode haver regulação de conteúdo sem que isso signifique censura ou sem que haja o risco de que a punição se transforme em um instrumento de disputa entre empresas? Os próprios defensores da regulação admitem que o caminho tem seus riscos, mas garantem que é possível. O pressuposto é assegurar total autonomia da agência reguladora em relação a governos e setor privado. Na França, a agência reguladora tem poderes de monitoramento e fiscalização, mas não pode punir as emissoras, devendo encaminhar os problemas aos órgãos do Executivo e do Judiciário.

‘Quando falamos em influenciar o conteúdo, estamos falando em uma série de critérios que podem ser consensualizados. Vetos à homofobia, ao racismo’, explica Fonseca. A maior inspiração, nesse caso, volta a ser os países europeus. O Reino Unido estabeleceu, em 2003, punições por meio do Communications Act, que assegura a proteção de menores de 18 anos e pune desrespeitos a questões de religião, danos e ofensa, racismo – enfim, a tudo o que seja considerado conteúdo preconceituoso e inadequado, em moldes bastante parecidos ao francês. A lei desse país indica que a liberdade de imprensa encontra limites no respeito à dignidade humana, no caráter pluralista das correntes de opinião e na proteção da infância e da adolescência e dos interesses nacionais. Em seu relatório anual de 2009, o CSA mostrou estatisticamente que a TV dedica pouquíssimo espaço às minorias, exibindo uma programação apenas com brancos.

Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), discorda fortemente da possibilidade de regulação de conteúdo. Ele entende que qualquer atuação neste sentido é ‘um flerte com o totalitarismo’ e que a melhor solução é a autorregulação, ou seja, os instrumentos criados por empresas ou associações representativas no sentido de melhorar a própria produção – ouvidorias e ombudsman são os exemplos mais conhecidos. ‘Quanto mais uma sociedade debate sua imprensa, melhor fica a imprensa, mesmo se as críticas são injustas. A imprensa fiscaliza o poder e a sociedade fiscaliza a imprensa.’

Acesso ao debate

Capistrano pensa que a autorregulação não é suficiente, considerando que se trata de uma maneira de os empresários evitarem um debate aberto sobre o assunto, numa tentativa de passar a impressão de que o tema é resolvido pelo mercado. O pesquisador é um dos autores do projeto que prevê a criação do Conselho Estadual de Comunicação do Ceará. O texto, apresentado pela deputada estadual Rachel Marques (PT), provocou grande polêmica e despertou a atenção de alguns jornais de grande circulação do eixo Rio-São Paulo, que acusaram haver tentativa de censura.

‘É sempre a lógica de que liberdade de expressão significa liberdade de mercado’, lamenta Capistrano. O projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa enumera 27 objetivos para o conselho estadual, a maioria com a intenção de fortalecer os órgãos públicos de comunicação, participar da definição de diretrizes para a política estadual no setor, acompanhar a programação para a elaboração de relatórios e encaminhar ao Ministério Público ou à Anatel denúncias de violações dos direitos humanos. Apesar das acusações de censura, não haveria qualquer previsão de análise de conteúdo prévia à publicação e o conselho acompanharia apenas a programação das concessões estaduais de rádio e TV. ‘São instâncias para que a sociedade civil e também o poder público possam discutir as diretrizes dos investimentos do governo estadual e dos projetos de comunicação comunitário’, acrescenta o professor. O governador Cid Gomes, no entanto, anunciou o veto ao projeto por considerar que o tema é de responsabilidade da União.

Há tentativas de criar conselhos estaduais de comunicação em vários outros locais. O texto que está na Assembleia Legislativa paulista, também alvo de críticas, é de autoria do deputado Antonio Mentor (PT). A intenção, como no caso do Ceará, é monitorar o que está sendo veiculado nas emissoras de alcance estadual para encaminhar problemas aos órgãos responsáveis. ‘Se a sociedade não conhecer o assunto das comunicações, nunca vai ter acesso ao debate e, portanto, nunca teremos uma sociedade plural’, defende o deputado.

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A regulação no Brasil

No começo, era o presidente quem definia. A Constituição mudou a regra, mas, na prática, pouca coisa se alterou.

1934 – A Constituição prevê, pela primeira vez, que cabe ao presidente da República – no caso, Getúlio Vargas – a outorga das concessões de rádio. O princípio seria mantido pelos textos constitucionais de 1937 e 1946.

1962 – O Código Brasileiro de Telecomunicações delineia uma série de mudanças no setor, entre as quais o estabelecimento de prazos para as concessões de rádio e televisão e a abertura de editais para as novas outorgas.

1988 – A Constituição trata num capítulo específico da comunicação, com previsão de limites a oligopólios e de uma programação com finalidade educativa, mas o Congresso não regulamenta a maior parte dos artigos.

1995 – O decreto nº 1.720, assinado por Fernando Henrique Cardoso, define regras para os editais de concessão das emissoras de caráter comercial. Mas, com o passar do tempo, fica claro que a avaliação não é feita com o rigor exigido, e a maior parte dos candidatos recebe notas muito parecidas, deixando o desempate a critério do Executivo.

1997-98 – O ministro das Comunicações de FHC, Sérgio Motta, apresenta o projeto da Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, que prevê, entre outras coisas, a criação de uma agência reguladora e o veto à propriedade cruzada de mídia eletrônica. Com a morte de Motta, em 1998, o texto é engavetado.

2002 – O Congresso aprova a lei nº 10.610, a única regulamentação dos artigos da Constituição de 1988. Ela prevê a abertura do mercado para o capital estrangeiro, desde que se chegue a, no máximo, 30% de participação acionária.

2009 – É realizada a Confecom, primeiro encontro entre entidades, profissionais do setor, empresas de comunicação e Poder Executivo para debater os rumos do setor. A maior parte dos grandes grupos não participa da conferência argumentando haver um ‘jogo de cartas marcadas’.

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Jornalista