Participação social, capacitação da sociedade para uma leitura critica da mídia, desenvolvimento da cultura, reestruturação do mercado e a universalização dos sistemas de comunicação em uma rede pública e única são algumas das propostas que o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) levará à Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). O encontro ocorrerá entre os dias 14 e 17 de dezembro, em Brasília.
Em seu ‘Programa para a Democratização da Comunicação no Brasil’, o Fórum apresenta pontos que considera estratégicos para que essa transformação ocorra – como a reestruturação da sociedade pela construção de políticas públicas para o setor. Com o advento da convergência dos sistemas de comunicação, o FNDC defende ainda a necessidade de uma rede pública e única que garanta à população acesso universal aos meios e a oferta de vídeo, voz e dados.
Para organizar os serviços digitais e o gerenciamento da infraestrutura de redes nas tecnologias existentes e nas que porventura venham a surgir, o Fórum sugere a criação da Organização Nacional de Serviços Digitais (ONSD). Seguindo o conceito de rede pública e única, a ONSD terá a função de evitar o desperdício de recursos públicos e privados na implantação de infraestruturas, impedindo o aumento dos custos dos serviços a serem repassados aos usuários.
‘A universalização dos sistemas é fundamental’, aponta Gerson Almeida, secretário Nacional de Articulação Social e representante na da Comissão Organizadora Nacional (CON) da Secretaria Geral da Presidência da República. ‘Para tanto, as empresas privadas e o governo precisam ter políticas efetivas para que essas novas redes de tecnologia possam chegar a todos os brasileiros. Esse é o desafio, através de um misto de redes privadas e públicas’, avalia o secretário.
Para o consultor jurídico do Ministério das Comunicações, e presidente da CON da Confecom, Marcelo Bechara, uma rede pública de comunicação permitiria aos cidadãos acesso a diversos tipos de informação. ‘A TV digital introduziu esse conceito de uma forma interessante’, acredita. Bechara cita ainda a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) como um aperfeiçoamento desse sistema. ‘A EBC está formando uma rede de comunicação pública que põe à disposição do cidadão informações na área da educação, da cultura. O Canal da Cidadania tem uma proposta de levar conteúdos locais com aplicações de governança eletrônica no âmbito do sistema de TV digital, por exemplo’, expõe.
Controle público
Segundo o FNDC, é preciso construir mecanismos de controle público articulando a sociedade, o Estado e um marco regulatório elaborado para as comunicações. Para alcançar objetivos gerais de uma política de comunicações, se faz necessário o compartilhamento das responsabilidades entre os três setores da sociedade. Neste contexto, o Estado, segundo o FNDC, deverá ser afirmado e fortalecido no seu papel de regulador e qualificador das práticas sociais (leia mais aqui).
O fortalecimento do Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso, inativo desde o final de 2006, assim como a implementação de conselhos estaduais e municipais de comunicação, é um dos exemplos de agentes reguladores propostos pelo Fórum. Para o FNDC esses conselhos serviriam para fortalecer o debate e a ação da sociedade civil sobre as questões da comunicação, com destaque para políticas de regionalização da produção cultural, artística e jornalística.
O subchefe da secretaria de comunicação social da Presidência da República, Ottoni Fernandes Júnior, considera adequada a existência de um controle através de um órgão regulatório para o conteúdo jornalístico, no caso de concessões de radiodifusão. ‘Isso é uma posição pessoal minha, que vamos ainda discutir dentro do governo’, afirma. Fernandes salienta que existem normas ainda não reguladas no Brasil, no que tange as concessões, como a veiculação de publicidade e de conteúdo independente e regional. ‘Essas questões precisam ser verificadas através de um órgão regulador que faça cumprir as determinações legais. Além disso, esse órgão deveria fiscalizar, por exemplo, se esses canais com concessões públicas fazem programas que afetem aos costumes, a moral ou que ofendam públicos determinados’, sugere.
De acordo com Bechara, antes de pensar na criação de novas agências reguladoras, é preciso aprimorar ferramentas de fiscalização e estruturar órgãos já existentes, como o Ministério das Comunicações. ‘Alguns instrumentos precisam ser aperfeiçoados. Temos que desburocratizar procedimentos dentro do Ministério, como as renovações de concessões’, defende. A participação social nesses processos é destacada pelo consultor. ‘Essa é uma forma de dar transparência à sociedade sobre a prestação de serviços’, afirma. Para Bechara, nesse momento há o amadurecimento de um projeto regulatório para as comunicações com base nesses fundamentos.
Capacitação da sociedade
O FNDC considera imprescindível a capacitação da sociedade para uma leitura crítica da mídia. Nesse sentido propõe a criação de um programa de Capacitação da Leitura Crítica dos Meios de Comunicação e Debate da Estética, assim como uma política pública nacional que inclua no currículo escolar do ensino fundamental e médio disciplinas sobre a mídia (veja mais aqui).
Na opinião de Fernandes é preciso aumentar o grau de educação da sociedade como um todo, fortalecendo a cidadania através dela. ‘Você tem que fazer uma educação mais genérica, educar para a cidadania, educar para seus direitos’, acredita. Para Bechara, a educação para a mídia é um ponto importante. Ele aponta a possibilidade de se fazer uma leitura critica através do sistema público e estatal. ‘Você desenvolve uma consciência critica através de informação, dentro das visões plurais que cada um desses sistemas possa permitir. A partir desse ponto, o cidadão pode ter uma consciência em relação a determinado tipo de noticia que é veiculada’, argumenta Bechara, salientando que isso não significa o enfraquecimento do sistema privado.
A capacitação da sociedade através da leitura critica sobre os meios é relevante para todas as áreas, aponta Almeida. ‘Uma sociedade civil com capacidade de construção autônoma de opinião é fundamental para a democracia. E para que a mesma avance é basilar, a opinião critica, não apenas em relação à mídia, mas em relação ao conjunto de instituições e formadores de opinião. Pois é isso que assegura mediações sociais que evitam a opinião única na sociedade’, opina.
Desenvolvimento da cultura
Para o Fórum é premente uma política de desenvolvimento da cultura para que o Brasil possa exercer sua soberania, respeitando sua diversidade cultural. Nesse contexto, corrobora Bechara, ‘qualquer sociedade que quiser ter um papel de liderança, inclusive no cenário global, precisa de investimento na cultura do seu povo’.
O consultor destaca o papel da Agência Nacional de Cinema (Ancine) no processo de valorização da cultura e da produção audiovisual brasileira. ‘A cultura tem que ser objeto de uma política pública clara, que valorize o que o País tem de mais eficiente’, acentua. Ele cita o exemplo dos Estados Unidos como uma nação ‘que soube fazer de isso de uma forma eficiente na produção de conteúdo, distribuindo os seus produtos pelo mundo inteiro’.
Na visão de Almeida, para uma política de desenvolvimento da cultura é preciso haver um projeto nacional de desenvolvimento e inclusão social. ‘Precisamos ter de fato um processo de inclusão não só em termos econômicos, mas como uma política de sociedade, e o Estado é parte disso, para universalizar o acesso à informação, ao cinema, às bibliotecas, às escolas e universidades de boa qualidade. Enfim, é um conjunto de luta contra exclusões de toda ordem’, ressalta.
Reestruturação do mercado e dos sistemas
Dentro dos preceitos do Fórum, a comunicação social para ser realmente democrática deve ser exercida pelo maior número de agentes possíveis. Cabe ao Governo Federal a garantia desse processo, através da adoção de medidas de estimulo à concorrência, à pluralidade e à capacidade de produção de empresas e entidades, para ampliar e diversificar o mercado.
Bechara salienta a importância da complementaridade dos sistemas público, estatal e privado, estabelecida pala Constituição de 1988. ‘Ao definir os sistemas, a Constituição foi muito clara ao dizer que eles não são os mesmos. São três sistemas e nenhum é mais importante que o outro. Eles são complementares, eles devem coexistir’, conclui.
Almeida acredita que o avanço democrático implica numa ampla liberdade de manifestação de todos os segmentos, sem que nenhum setor econômico monopolize a comunicação ‘È imperativa uma regulação democrática, assegurando que todos os setores estejam articulados com preceitos de universalização e de responsabilidade com as suas orientações’, aponta. É importante, afirma o secretário, no que diz respeito à informação e à opinião pública, que seja possível o maior número de veículos, de fontes de produção. ‘Mídias com alcance nacional, com alcance regional e local se completam e ambas são importantes’, reforça. [Com participação de Fabiana Reinholz]