Embora a decisão não tenha considerado o mérito, mas o procedimento que excluiu as audiências públicas determinadas por lei, um Tribunal Federal de Apelações (The United States Court of Appeals for the Third Circuit), na Filadélfia, derrubou, na quinta-feira (7/7), a decisão da Federal Communications Commission (FCC)– a agência reguladora das comunicações nos Estados Unidos – que permitia a um mesmo grupo de mídia aumentar o número de jornais e emissoras de radiodifusão sob seu controle, em uma mesma cidade.
Além de decidir que devem ser mantidas as limitações à propriedade cruzada, o Tribunal determinou que a FCC encontre formas de garantir o controle da mídia por mulheres e grupos étnicos (ver aqui matéria do New York Times, em inglês).
Propriedade cruzada nos EUA
As regras que restringem a propriedade cruzada no setor de comunicações nos EUA estão em vigor desde o Radio Act, de 1934. A norma original determinava que nenhum grupo que controlasse emissora de rádio e/ou televisão poderia também ser dono de um jornal no mesmo mercado.
A mais recente “flexibilização” dessas regras havia sido estabelecida pela FCC em 2008, e considerava os índices de audiência das emissoras e o número de veículos independentes (que não faziam parte de uma rede/network) já existentes no mercado. Essa “flexibilização” só era válida para as vinte maiores áreas de mercado dos EUA (210 no total) e, apenas, no caso de canal de televisão, se a emissora não estivesse entre as quatro de maior audiência e, ainda, se restassem, pelo menos, outros oito veículos independentes (ver “Por que e como se limita a propriedade cruzada“).
Após protestos generalizados de organizações da sociedade civil, a “flexibilização” foi derrubada pelo Congresso americano e, agora, também pela Justiça.
E no Brasil?
Na Terra de Santa Cruz não existe agência reguladora para a radiodifusão (nada sequer parecido com a FCC). Nem qualquer controle sobre a propriedade cruzada da mídia. Decisão judicial que determinasse à autoridade competente outorgar concessões de rádio e televisão para “mulheres e grupos étnicos” por óbvio seria considerada “censura judicial” e/ou uma interferência indevida no mercado.
Em fevereiro deste ano comentei na Agência Carta Maior a posição do Grupo RBS, que considera o controle da propriedade cruzada superado pela “convergência de mídias”, além de “ranço ideológico”, “discurso radical que flertava com o autoritarismo”, “impasse ultrapassado” e “visão retrógrada” (ver “Propriedade cruzada: interesses explicitados“ e “Marco regulatório da comunicação: ainda a propriedade cruzada“).
Diante da decisão do Tribunal Federal de Apelações da Filadélfia, nos EUA – referência de liberdade e democracia –, seria interessante saber se um dos grupos de mídia que mais se beneficia com a total ausência de controle à propriedade cruzada no Brasil mantém sua posição.
A ver.
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[Venício A. de Lima é professor titular da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011]