Publicações em língua portuguesa não são mais fontes de informação de mão única no Japão – são fóruns ativos sobre assuntos vitais para a comunidade brasileira, como imigração e educação. Na parte final de seu livro de 2004, Ethnic Media Studies, o sociólogo Shigehiko Shiramizu estuda a resposta de um jornal às mudanças nas necessidades de seus leitores.
[Perfil da companhia – Nome: International Press Japan, Co.. Fundada em 14/8/1991 (jornal International Press). Em 7/9/98, mudou de nome e de equipe ao iniciar novas operações. Capital: 30 milhões de yens (US$ 290 mil). Executivo-chefe: Takuya Muranaga. Data da primeira edição em português: 15/9/91. Data da primeira publicação em espanhol: 10/4/94. Dias de publicação: aos sábados. Circulação: em português, 60 mil exemplares; em espanhol, 25 mil. Agências de notícias contratadas: Agência Estado, Agência Brasil, Sports Press Brasil, Reuters (Reino Unido); EFE, agência de notícias espanhola, sucursal de Tóquio; El Comercio (Peru); Agência de Notícias Andina (Peru); Bloomberg News (agência internacional americana de notícias financeiras).]
Este trabalho é uma tentativa de entender o relacionamento entre os brasileiros residentes no Japão e o modo de vida brasileiro. A jornalista escolhida para a tarefa foi Fátima Kamata, editora-chefe do maior jornal japonês em língua portuguesa, o International Press (http://www.ipcdigital.com/portugues/index.html).
Os dados principais do trabalho foram tirados de uma entrevista com Fátima em 26/6/01, da qual seu colega de trabalho Kunihiro Otsuka foi intérprete e comentarista. Além das informações coletadas na entrevista, o trabalho se baseou nos quase 10 anos que o autor passou observando e estudando o IP.
Uma visão geral da mídia
Em 2001, o IP fez 10 anos, e nesse período houve muitas mudanças na comunidade brasileira no Japão. O próprio jornal mudou, seguindo o ritmo e a direção da comunidade.
[Escrito somente em português. Não há artigos sobre a população japonesa. Até a edição 50, havia também uma versão em japonês, mas não teve sucesso nem entre os brasileiros nem entre os japoneses, o que indica que os japoneses, nesta fase, só estavam interessados nos brasileiros como força de trabalho. A maioria dos leitores só lia português (mesmo os brasileiros que sabiam falar japonês não escreviam nem liam em japonês). O jornal decidiu então voltar-se para a população que fala português. O IP também publica uma edição em espanhol, para japoneses que estudam a língua espanhola.]
Quanto ao formato, nesses 10 anos a maior mudança foi no grande aumento do número de páginas. A primeira edição tinha 16 páginas, e cresceu para 72. No início, o conteúdo era quase todo de notícias do Brasil. Agora o jornal oferece temas variados, divididos em seções: notícias internacionais, notícias gerais, cartas ao editor, governo e política no Brasil, sociedade brasileira, esportes, comunidade e cultura brasileiras. Há ainda um tablóide, dividido em duas seções: últimas notícias do Brasil e classificados e programação da TV, com os horários dos programas transmitidos pelo canal Sky Perfect TV através da filiada do IP, IPC Television Station. Também há informações sobre artistas e resumo das novelas.
[O jornal International Press (semanal) tem uma edição em língua espanhola. A empresa é proprietária também da emissora por satélite IPCTV (a IPC World), com três canais: programas em espanhol produzidos pela comunidade hispânica dos Estados Unidos), programas produzidos na Espanha e programas em português produzidos pela Sky. Alguns são transmitidos ao vivo, mas a maioria se adaptou à diferença de fuso horário, e reprisam os programas. As transmissões ao vivo do Brasil são indicadas na quarta página do suplemento de TV.]
O jornal é completo, colorido e sério. A equipe editorial é formada por jornalistas experientes. Fátima tem mais de 15 anos de experiência em jornalismo no Brasil, trabalhou inicialmente num jornal em japonês de São Paulo, o Jornal Paulista, e depois num jornal local. Em 1995, atendendo convite do IP, mudou-se para o Japão. Entre os oito editores de tempo integral, quatro tinham experiência no Brasil. Os outros quatro foram contratados no Japão. Os oito trabalham mais como editores do que cobrindo notícias e escrevendo matérias.
Os profissionais das sucursais escrevem matérias sobre as comunidades locais e as enviam à sede. Atualmente, o IP tem seis sucursais, um repórter em cada uma, e apenas um tem experiência em jornalismo. Para a mídia atual, ter alguém informado sobre a realidade das comunidades brasileiras no Japão pode ser mais útil do que um repórter formado em Jornalismo com experiência no Brasil. A própria Fátima, quando começou a trabalhar no jornal japonês de São Paulo, teve que se ajustar, aprendendo com os próprios erros que as políticas editoriais de publicações comunitárias são diferentes das de jornais comuns. Assim, nesses jornais a experiência no jornalismo tradicional não é enfatizada.
Em outras palavras, um jornal étnico é um jornal comunitário. Quem se forma em Jornalismo pela USP aprenderá como criar um jornal grande. Mas um jornal étnico tem muitos aspectos diferentes. As sucursais, especialmente, precisam reportar fatos específicos, então as habilidades para a cobertura local são mais importantes. Os editores veteranos copidescam o artigo para que ele fique bem-escrito, mas as informações do correspondente precisam ser novas e precisas.
Mudanças de conteúdo também ocorreram em jornais concorrentes, como Nova Visão, Tudo Bem e Folha Mundial. Segundo Fátima, à medida que as comunidades mudam com o Japão (especialmente pelo prolongamento de sua permanência no país) e as demandas dos leitores crescem, o jornal tenta responder". Uma mudança revolucionária ocorreu em junho de 2001, quando uma coluna sobre educação passou a ser publicada: com o tempo de residência no país aumentando, os pais não podiam mais ignorar a educação dos filhos.
As mudanças obrigaram o jornal Nova Visão, que cobre predominantemente a região de Tokai, a suspender sua circulação, voltando em 2001 em edição mensal no formato tablóide. Há ainda rádios e TVs com programas em língua portuguesa, e nas cidades de Gunma e Aichi pequenas comunidades têm jornais como Aichi Popular e Gunma, além do Ria de Rojipuro. O IP também publica a programação de rádio de cada região.
Mudanças na comunidade
Por volta de 1991, os leitores do IP queriam saber o que estava acontecendo em sua terra natal. Mas isso foi ficando de lado, na medida em que a maioria dos trabalhadores tinha planos de ficar no Japão apenas dois ou três anos, economizando dinheiro para voltar ao Brasil: estavam de passagem. Hoje, o tempo de estada aumentou, e o número de residentes permanentes tem crescido. Então, suas demandas em relação aos jornais mudam também. "As informações relacionadas a sua vida no Japão são mais procuradas", disse Fátima.
Por exemplo, uma seção com perguntas dos leitores, na página de cartas: seu conteúdo tem mudado sensivelmente nos últimos 10 anos. No início, não havia pergunta alguma sobre a vida dos brasileiros no Japão. A maioria das perguntas era simples, sobre trabalho, vistos. As perguntas estão se tornando mais variadas: "Como uma pessoa que quer comprar uma casa no Japão deve proceder?"; "Vocês sabem de algum curso que ensine a fazer pão?". Para Fátima, "essas perguntas são da vida cotidiana".
Desta maneira, o conteúdo do IP e de seus concorrentes evoluiu ao longo do tempo, respondendo às mudanças. Não estão mais oferecendo informação em mão única aos leitores, mas lhes abrem espaço para suas opiniões. A tendência é que o espaço para a manifestação do leitor cresça cada vez mais.
Integração e abrangência
Na época do lançamento do jornal, não se imaginava que ele viesse a ter grande abrangência: os brasileiros registrados nos anos 1990 eram apenas 56 mil. Nos anos 2000, são 250 mil.
O jornal está dividido em seções porque seguem o formato dos jornais brasileiros. Na gráfica em que o IP é impresso, Mainichi, as máquinas não podiam imprimir em cores. Agora, Mainichi tem máquinas que imprimem colorido. Mas o jornal ainda sai apenas duas vezes por semana, às sextas e segundas. Também há correlação entre o aumento do tamanho do jornal e o do número de leitores. Se o número de leitores cresce, é mais fácil vender espaço de publicidade.
Quando a permanência dos brasileiros no Japão aumentou e cresceu o número de perguntas sobre a educação dos filhos, o IP foi capaz de abrir espaço para essas questões, assim como diversificá-las de acordo com a localidade de origem, status social e faixa etária.
Problemas educacionais
Um dos maiores problemas de hoje é a educação para crianças brasileiras no Japão. Há um crescente número de instituições educacionais em língua portuguesa abrindo no Japão. Com isso, o IP aumentou o número de páginas dedicadas ao assunto, desde a edição de 30/6/01.
O IP diminuiu duas páginas de notícias do Brasil, e dedicou uma a assuntos da comunidade e outra a assuntos educacionais. O primeiro tema abordado: os filhos de imigrantes. Numa das matérias, crianças fizeram o papel de repórteres, perguntando sobre a educação japonesa a crianças que vivem no Japão há mais tempo, assim como a crianças que conseguiram ou não se ajustar.
O IP planeja incluir matérias e imagens feitas pelas próprias crianças, além de entrevistas com alunos. Quer ainda entrevistas crianças residentes no Brasil, mas cujos pais estejam trabalhando no Japão.
Adaptação e entretenimento
A situação econômica dos japoneses não está muito boa. Em comparação à fase de boom do trabalho imigrante, há menos vagas, e diz-se que o salário por hora está caindo. A despeito deste fator, o número de brasileiros vivendo no Japão continua crescendo ano após ano. De 1999 a 2000, o número de brasileiros residentes no Japão aumentou de 224 mil para 254 mil (no fim de 2002 este número estava um pouco abaixo de 270 mil). Com isso, as áreas residenciais também estão mudando.
Muitos brasileiros já vivem no Japão há mais de 10 anos, os chamados "brasileiros estabelecidos". Mas vivem segundo seus próprios parâmetros psicológicos, ou seja, seu contato com os japoneses não está necessariamente progredindo.
No trabalho, na vizinhança e no divertimento, eles interagem com brasileiros. A permanência deles no Japão é maior, mas não lêem jornais e revistas japoneses. Entretanto, hoje não é incomum que os filhos de brasileiros que estão crescendo no Japão falem melhor japonês do que português. Também por isso foram criadas páginas para crianças, para que não esqueçam a língua portuguesa e não percam interesse na cultura brasileira. "E, é claro, também existe uma esperança de que eles se tornem leitores do IP no futuro", disse Fátima.
Quanto mais os negócios étnicos e a mídia étnica emergem, mais os brasileiros do Japão podem viver como se estivessem no Brasil. Eles têm sua própria música e interesses. No que diz respeito ao entretenimento, parecem ter quase nenhum contato com os japoneses. O problema está na segunda geração de brasileiros, mais íntimos da língua local. Como o jornal responderá a essa mudança? Isso deve ser considerado numa perspectiva de longo prazo.
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Professor de Estudos de Mídia Social e decano do Departamento de Sociologia da Universidade de Musashi, Tóquio; doutorado em Sociologia pela Universidade de Rikkyo, é autor de várias publicações sobre a mídia étnica no Japão e participa do programa Daybreak, da CNN