Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Recadastramento e direito à informação pública

Quando assumiu o Ministério das Comunicações (MiniCom), em janeiro de 2003, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) declarou à Folha de S. Paulo que iria abrir a ‘caixa-preta’ da radiodifusão divulgando, pela internet, o cadastro com os nomes dos sócios das emissoras de rádio e de televisão do país (cf. ‘Lista de nomes de donos de rádios e TVs estará na internet, diz ministro’, Folha de S. Paulo, 5/01/03).

A promessa tornou-se realidade onze meses depois, em novembro de 2003. De fato, o cadastro das entidades concessionárias de radiodifusão passou a estar disponível no URL http://www.mc.gov.br/rtv/licitacao/ACIONISTAS.pdf (hoje uma página desativada).

Por incrível que possa parecer, foi a primeira vez que o público tomava conhecimento dessa informação que sempre deveria ter sido pública. Os Decretos Legislativos, publicados no Diário Oficial da União, trazem os nomes das empresas concessionárias, mas não especificam os nomes de seus sócios. Dessa forma, o interessado só poderia saber quem eram os titulares das concessões de radiodifusão se fosse diretamente às Juntas Comerciais e cartórios de registro de documentos em cada um dos municípios do país onde existisse uma concessionária.

Informação não acessível

A divulgação do cadastro possibilitou conhecer os nomes dos sócios que aparecem nos contratos de concessão desse serviço público. Apesar da maioria das irregularidades descobertas ter sido sempre atribuída pelos envolvidos à ‘desatualização’ do cadastro, ele passou a ser uma referência básica. O cruzamento dos nomes constantes no cadastro com a relação de políticos no exercício de mandato eletivo, por exemplo, revelou que muitos deles controlavam boa parte das emissoras de rádio e televisão pelo país afora. Claro, os ‘laranjas’ e os parentes não são detectados nesses cruzamentos.

O cadastro esteve no sítio do MiniCom de novembro de 2003 até o início deste ano. Depois, desapareceu. Quem acessar o URL mencionado acima lá não encontrará nada. E quem acessar o sítio do MiniCom, clicar em ‘radiodifusão’ e depois em ‘sócios e dirigentes’, encontrará um aviso de ‘PÁGINA EM MANUTENÇÃO’ com a seguinte orientação:

‘A consulta ao Relatório de Sócios e Dirigentes das Entidades de Radiodifusão, deverá ser realizada através do link ANATEL (http://sistemas.anatel.gov.br/siacco/), onde os dados são atualizados periodicamente’.

Acontece que o Sistema de Acompanhamento de Controle Societário da Anatel (SIACCO) oferece informações sobre o perfil das empresas de radiodifusão desde que quem consulte saiba o nome da entidade e o seu CNPJ. É um cadastro de cada uma das entidades, isoladamente. Não é um cadastro geral das entidades concessionárias. Essa informação não está mais acessível. Regredimos, portanto, à situação pré-2003.

Apenas um esquecimento

A dificuldade de acesso a essa informação é tão incrível que mereceu, inclusive, um Projeto de Lei (PL 1879/03), de autoria do deputado Edson Duarte (PV-BA). Ele tramita atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados e ‘dispõe sobre a obrigatoriedade da divulgação na internet da relação de proprietários e diretores das empresas de radiodifusão sonora e de sons e imagens’.

Qual será a razão para se tratar uma informação que é pública por sua própria natureza – a relação dos concessionários de um serviço público – como segredo de Estado?

Nesse contexto, surge a Portaria 447 do Ministério das Comunicações, publicada no Diário Oficial da União em 13/8, que determina o recadastramento de todas as concessionárias, permissionárias e autorizadas a prestarem serviço de radiodifusão sonora e de sons num prazo de 60 dias. Segundo release do MiniCom, o último recadastramento foi realizado há 35 anos e o objetivo é atualizar as alterações contratuais e estatutárias havidas, bem como as que modificaram a composição dos quadros societários e diretivos das 3.530 entidades detentoras de outorgas de rádio e TV no país. O número de emissoras pertencentes a essas entidades, no entanto, é certamente maior, de vez que muitas oferecem mais de um serviço de radiodifusão ao mesmo tempo.

Entre as informações solicitadas, estão: a composição do capital social, com distribuição entre os sócios e indicação individual do número de cotas ou ações; composição do quadro diretivo; nomes dos procuradores com poderes de gerência e administração, quando houver; endereço da sede social e para correspondência; e a denominação de nome fantasia, se for o caso.

Nenhuma referência foi feita nas declarações do ministro das Comunicações ou na Portaria 447 ou no release de sua divulgação ao sumiço do cadastro com os nomes dos sócios das emissoras de rádio e de televisão do sítio do MiniCom. O fato também não mereceu qualquer atenção da grande mídia. Deve ter sido apenas um esquecimento.

Para além do recadastramento, no entanto, é indispensável que se recoloquem as informações sobre os concessionários à disposição do público – razão última da existência das próprias concessões.

O público tem o direito à informação pública, vale dizer, saber o nome dos ‘curadores’ do serviço público de radiodifusão no país.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007