Começam a circular nas redes sociais certas dúvidas e certos temores. Teria o presidente Bolsonaro alguns problemas mentais, já manifestados na juventude? Em todo caso, ao defender mais uma vez o voto impresso, de uma maneira compulsiva, chegando mesmo a refazer a ameaça de não haver eleições em 2022, caso não seja aprovado o retorno ao voto impresso, Bolsonaro inquieta até seus novos amigos do Centrão, que lhe haviam pedido moderação.
Em lugar de postular de maneira serena seu projeto de retrocesso eleitoral, pelo qual quer retroceder aos anos anteriores a 1996, quando o Brasil inovou com o voto eletrônico, Bolsonaro em pleno delírio promoveu novas manifestações, em diversas capitais, denunciando fraudes numa eleição que ainda não houve, a de 2022. Isso depois do seu fracasso em provar ter havido fraudes eleitorais nas eleições anteriores e mesmo na de 2018, na qual foi eleito.
Seu objetivo ao chamar às ruas seus seguidores vestidos de verde e amarelo, numa demonstração nacionalista de força, tinha um objetivo: forçar a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça, da PEC, Proposta de Emenda Constitucional, em favor do voto impresso. Apesar do empenho de Bolsonaro em aprovar o novo método de impressão do voto a ser depositado numa caixa de acrílico, junto à urna eletrônica de votação, e de seu alto custo, cerca de 2,5 bilhões de reais, não seria garantido o novo equipamento ficar pronto para as próximas eleições presidenciais.
Nesse caso, qual seria a solução? Adiar as eleições? Ou se fazer eleições não eletrônicas, acusadas por Bolsonaro de permitirem fraudes, retornando-se ao sistema antigo de cédulas de papel impressas? Seria essa opção a explicação para tanto empenho de Bolsonaro? Ora, se Bolsonaro joga nessa hipótese está realmente delirando porque o Tribunal Superior Eleitoral, na falta das novas urnas, manteria o sistema atual e não retrocederia ao antigo voto em papel convencional.
Por que Bolsonaro parece decidido a forçar a aprovação do voto impresso? Ao que tudo indica por ter sentido ameaçada sua reeleição pelo atual desgaste de sua imagem com queda da popularidade. Assustado com a provável perda da imunidade presidencial, que o tornará passível de diversos processos, dos quais o principal será o de prevaricação na gestão da crise sanitária, onde houve a indicação, fabricação e propaganda de remédios ineficazes e um enorme atraso na compra e utilização de vacinas, sem se falar no caso da vacina Covaxin.
Diante disso, Bolsonaro se inspirou na tática do ex-presidente norte-americano Donald Trump, que se anunciava vitorioso antes das eleições para poder afirmar ter sua vitória roubada, no caso de derrota. Trump incitava seus seguidores, fanatizados como os de Bolsonaro, a reagir no caso de derrota, a ponto de muitos deles decidirem invadir o Capitólio.
Ora, Bolsonaro vem incitando seus seguidores com as afirmações de não haver eleições no próximo ano, se não for aprovado o voto impresso. E de convocar milhões de seus seguidores, também chamados de “gado”, caso seja necessário. Para que? Para agirem como os eleitores do Trump derrotado, que invadiram o Capitólio? É provável toda essa movimentação de Bolsonaro em torno do voto impresso não passar de um ardil diante da derrota eleitoral cada vez mais provável, ardil capaz de lhe dar o pretexto para anular as eleições e provocar um golpe.
O ataque ao Capitólio foi controlado, mas houve mortes e feridos. Ora, mesmo assim, Bolsonaro parece interessado em utilizar seu rebanho para fazer algo parecido, provocar o caos e atacar a democracia brasileira, numa tentativa insana de golpe. Entretanto, essa tentativa felizmente vem sendo repudiada. E a prova será a Câmara enterrar a PEC do voto impresso ainda na Comissão de Constituição e Justiça, sem sequer deixar ir à discussão e votação, como reação às declarações golpistas de Bolsonaro nestes últimos dias.
Entretanto, sua impetuosidade, sua falta de controle e de tática e sua impulsividade têm chamado a atenção, pois num regime democrático ninguém governa com ameaças de golpes e retaliações contra seus opositores. Bolsonaro teria perdido o pé, aquela lucidez necessária a um governante? Algumas dúvidas têm surgido.
Em abril do ano passado, já era a própria revista conservadora inglesa The Economist que se assustava e dizia “Bolsonaro mostra sinais de insanidade”, diante da maneira como Bolsonaro agia na crise sanitária provocada pelo coronavírus. Ainda mais recentemente, em maio, o Blog do Noblat reproduzia um texto do ex-governador, ex-ministro e ex-senador Cristovão Buarque, levantando a mesma questão da insanidade de Bolsonaro por afrontar desnecessariamente a China sem levar em conta a importância das relações econômicas do Brasil com os chineses. Buarque chegou mesmo a se referir à rainha portuguesa Maria I, que, ao fim do reinado, ficou conhecida como Maria, a Louca.
Mais recente é o texto do jornalista e ex-correspondente internacional do jornal O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo, o respeitado colega Ricardo Kotscho, publicado e distribuído pelo UOL. Nele, o jornalista não tem meias-medidas: “o deprimente pastelão sobre fraudes na urna eletrônica apresentado ao vivo na noite de 5ª feira (29), durante 2 horas e 49 minutos, na TV Brasil e pelas redes sociais, mostrou que o presidente Jair Messias Bolsonaro não tem mais a menor condição de continuar governando o país”.
E cita o teólogo Leonardo Boff: “Bolsonaro deve ser interditado por uma junta de especialistas, convocada pelo STF, por ser incapaz de liderar uma nação e de sustar o genocídio em curso. Alguém com poder deve fazer isso. Se não, passaremos por um povo insensível e cruel face a seus mortos por culpa de um genocida”.
Por sua vez, o editor do blog Náufrago da Utopia, conhecido resistente à ditadura militar, jornalista Celso Lungaretti, deu destaque ao editorial do jornal O Estado de S. Paulo, do 31 de julho, “Bolsonaro insulta o Brasil”, por não apresentar nenhuma prova de fraude com o voto eletrônico e por repetir suas ameaças golpistas.
Diz o jornalista: “tal editorial é um indício de que existe um segmento importante da burguesia chegando à mesmíssima conclusão. Com enorme demora, parece que os poderosos vão percebendo que precisam nos livrar do louco que colocaram no Palácio do Planalto.
Talvez já o tivessem feito se o Brasil possuísse bombas atômicas e nosso presidente, como o dos EUA, pudesse ordenar sua utilização. Pois, de indivíduos com insanidade mental num grau tão acentuado como Bolsonaro, deve-se sempre esperar o pior. Ele é um Jim Jones em potencial e, quando for inevitavelmente afastado do cargo, leva todo jeito de que tentará causar a maior destruição possível”.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.