Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Reflexões sobre um desastre ambiental

Nos últimos dias praticamente todo o Brasil se comoveu com a tragédia ocorrida após o rompimento de duas barragens da mineradora Samarco, localizadas no distrito de Bento Rodrigues, pertencente ao município mineiro de Mariana, situado a cerca de 100 quilômetros da capital, Belo Horizonte. Os resultados do fatídico acontecimento foram centenas de quilômetros quadrados inundados de lama tóxica e um grande número de desaparecidos, mortos e desabrigados. Como toda adversidade, essa tragédia nos proporciona ao menos duas oportunas reflexões sobre a cobertura midiática.

A primeira reflexão diz respeito à grande solidariedade da população brasileira que, concomitantemente à divulgação das primeiras notícias do rompimento das barragens, prontamente se colocou à disposição para ajudar no que fosse preciso. Nas redes sociais, internautas iniciaram campanhas com o intuito de arrecadar donativos para as famílias que foram afetadas pela inundação. Ao contrário do que é comumente propagado pela elite econômica, nosso povo não deve ser caracterizado somente por adjetivos negativos. Mesmo com todas as intempéries cotidianas, é nas situações mais delicadas que o brasileiro demonstra a sua preocupação com a dificuldade alheia. Nesse sentido, a mídia cumpriu uma importante função social ao divulgar as imagens da tragédia para que um maior número de pessoas tivesse conhecimento do ocorrido e pudesse ajudar de alguma maneira.

Já a segunda grande reflexão, bem mais aprofundada e complexa, diga-se de passagem, refere-se ao fato de os grandes veículos de comunicação terem negligenciado os reais motivos que condicionaram a fatalidade ocorrida em Minas Gerais: a ganância inerente à sociedade de mercado. Sendo assim, a necessidade de se superar o sistema capitalista é cada vez mais evidente. Conforme é do conhecimento de todos, o principal pilar do modelo econômico hegemônico na civilização ocidental é a busca pelo lucro independente de quaisquer obstáculos ou princípios éticos. Desse modo, a natureza (vista por outras culturas como fonte de reverência e admiração) transforma-se, sob o prisma capitalista, em excelente possibilidade para gerar vultosos rendimentos para as grandes corporações.

Nessa lógica de completa mercantilização do meio natural, Minas Gerais é vista desde o período colonial exclusivamente como fonte de auspiciosas commodities. Desse modo, o subsolo mineiro tem sofrido com a constante degradação em busca de riquezas que, na esmagadora maioria das vezes, locupletam poucos, ao custo do trabalho e sofrimento de muitos. Essa prática tornou-se ainda mais problemática nos anos 1990, quando o governo federal adotou intensamente os princípios neoliberais, privatizando empresas estatais de diversos setores como a mineração, tornando a exploração de recursos naturais ainda mais sistemática e nociva ao meio ambiente e ao ser humano. Só para constar, metade das ações da Samarco, empresa responsável pelas barragens que romperam em Bento Rodrigues, pertencem a Vale, antiga empresa estatal privatizada há dezoito anos. Na busca incessante por mais capital e “progresso” não importa se ocorram efeitos colaterais como a tragédia de Mariana. Essa é a lógica capitalista: um jogo de soma zero, em que para alguém ganhar, outros, inexoravelmente, devem perder. Justamente o oposto da solidariedade popular citada anteriormente.

Dinheiro, não se come

Em reportagem do jornal Brasil de Fato, Marcio Zonta, dirigente do Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM), denunciou que rompimento de barragens da Samarco “não é um acidente”, pois a vistoria nas barragens não é feita por órgãos públicos, mas exclusivamente pelas empresas, que a fazem conforme sua lucratividade não seja abalada. “É um acontecimento de total responsabilidade das empresas. A mineração é uma coisa que se expande sobre a natureza e as comunidades, só que não há um planejamento da empresa para que você tenha a possibilidade para prever este tipo de acidente”, concluiu Marcio Zonta.

Por outro lado, é importante salientar que enfatizar a necessidade de superar o capitalismo não quer dizer acreditar em visões fatalistas, típicas do século 19, que apontam estar a humanidade fadada a um futuro marcado por sociedades perfeitas e igualitárias. Esses paradigmas são anacrônicos. Asseverar sobre a urgência de se pensar a substituição do capitalismo nada mais é do que contatar que um modelo econômico que pressupõe produção e consumo ilimitados não condiz de forma alguma com um planeta de recursos inevitavelmente finitos. Consequentemente, lembrando uma famosa citação da ONG Greenpeace, somente quando não existirem mais os recursos naturais é que o homem vai perceber que não se pode comer dinheiro. Aí, infelizmente, será tarde demais.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG