“A lei é sempre algo que nos protege. Não há liberdade de informação sem leis que organizam. A lei não é sempre a tirania. Ora, ela cria uma tirania na ditadura, sim, mas ela é o benefício na democracia”, afirma o sociólogo francês e especialista em mídia Dominique Wolton, em entrevista a Opera Mundi.
Na última semana, Wolton esteve em São Paulo em evento da Faculdade Cásper Líbero para discutir liberdade de expressão no contexto do atentado à sede da revista satírica Charlie Hebdo em janeiro de 2015, quando 12 pessoas foram mortas — a maioria profissionais da comunicação.
>> Assista a trechos da entrevista, legendada em português, de Dominique Wolton
Sobre liberdade de expressão, o especialista não apenas abordou o fatídico episódio, mas também se dedicou a explorar a importância da regulamentação da imprensa ao redor do mundo, principalmente em tempos em que os avanços técnicos da internet se sobrepuseram à análise crítica dos atuais fenômenos midiáticos.
“Se quisermos fazer da internet uma ferramenta da democracia, precisamos criar um mínimo de direito. A lei não mata a liberdade. Ela é a condição da liberdade”, sintetiza Wolton, que também é diretor do CNRS (Centro Nacional para a Pesquisa Científica), em Paris.
Para o sociólogo, essa regulamentação é importante até para conter o poder de gigantes da internet, como Google, Amazon, Facebook e Apple. Aos seus olhos, estas empresas apresentam uma natureza dialética: por ora, simbolizam a liberdade, mas também mascaram em seu discurso uma tirania sob a ideologia do que chama de “tecno-euforia”
“O jornalismo é a grande vítima do progresso. De 50 anos para cá, o progresso técnico mudou as condições de produção e de difusão de informação. Nós jamais investimos em reflexão crítica para os jornalistas. Os jornalistas se adaptaram. Agora, acredito que eles sejam vítimas dessa loucura técnica, da velocidade, da concorrência e do dinheiro. É preciso dar um ‘stop’ para que os jornalistas façam um trabalho de autorreflexão”, sugere.
‘Comunicar não é informar’
Sobre a visão tecnicista que os jornalistas têm dado ao processo comunicativo, Wolton propõe um novo olhar para comunicação, que vá além do modelo ‘emissor-receptor’. Para o sociólogo, comunicar não é apenas informar ou transmitir uma notícia. Pelo contrário, o processo está na interação, “na relação com o outro”.
“Comunicação é negociar, coabitar e entender as diferenças. Uma das condições da paz é o respeito às diversidades, sejam elas culturais, linguísticas ou regionais. Comunicar é a convivência com o outro”, analisa.
Para o sociólogo, situações de violência e extremismo, como no ataque à Charlie Hebdo, são fruto do processo oposto da comunicação, ou seja, da “incomunicação”— a falta de diálogo e o entendimento mútuo entre sujeitos.
“Diversidade cultural é uma questão de comunicação, pois comunicar é negociar. Garantir a diversidade cultural é uma obrigação democrática”, diz.
Regulamentação francesa
Na França, a regulamentação da imprensa é feita pelo CSA (Conselho Superior do Audiovisual). O órgão é composto por nove conselheiros, dos quais três são indicados pelo presidente; três, pelo Senado; e os outros três pela Câmara dos Deputados.
Conforme as normas do CSA, nenhum grupo de mídia pode controlar mais de 30% da imprensa diária, seja televisão, rádio, jornal ou internet. O organismo ainda exige pluralismo de opiniões e diversidade cultural, podendo punir com multas, advertências e até suspensão de licença quem não seguir o marco regulatório. Qualquer incitação de discriminação, ódio ou violência é considerada crime e, portanto, passível de ações judiciais.
Em 2010, Emmanuel Gabla, um dos comissários do CSA foi à Brasília para um ciclo de palestras sobre comunicação e mídias. Na ocasião, ele explicou que a regulamentação na França trata de questões técnicas, econômicas, culturais e sociais. “Nenhum setor pode esmagar o outro”, afirmou em entrevista à Agência Brasil. “A liberdade é total, se respeitada a lei”, sintetizou.
Neutralidade da rede
Outro ponto abordado por Wolton, a neutralidade da rede parte do pressuposto de que a web deve ser encarada como um serviço público e, portanto, os provedores de internet devem tratar todo o tráfego online de forma igual, sem fazer discriminações entre os usuários.
Um dos principais obstáculos para pôr em prática esta noção são os interesses econômicos das empresas de telecomunicações e provedores de internet, que bloqueiam ou dificultam o acesso a sites e serviços por meio de pacotes de dados, visando ao lucro. Desta maneira, a internet sai de um espaço de inclusão social para uma esfera de exclusão.
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Patrícia Dichtchekenian e Dodô Calixto, do Opera Mundi