Um dos temas mais palpitantes no setor de comunicação das últimas semanas é a criação recente de conselhos regionais de comunicação. Tem ocorrido uma verdadeira gritaria em alguns meios de comunicação que temem que esses coletivos sirvam de pretexto para atos de censura.
No Ceará, a Assembleia Legislativa aprovou lei que institui o órgão, ligado à Casa Civil e responsável, entre outras coisas, pela definição de políticas públicas de comunicação naquele estado. O surgimento de uma instância como aquela segue deliberações da Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro passado. A Confecom aprovou cerca de 600 teses, amplamente debatidas em conferências municipais e estaduais, e se constituiu numa oportunidade histórica para se discutir temas de uma área importante, mas quase sempre preterida pelos poderes públicos: a comunicação.
Além do Ceará, outros estados têm tramitando em seus legislativos propostas para criação de conselhos semelhantes. Já existe uma experiência em Alagoas, e não se pode ignorar o caso do Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Senado Federal criado pela Constituição em 1988 e regulamentado em 1991. Isto é, os conselhos de comunicação não são uma novidade no país. Apenas não saíram totalmente do papel, não serviram à sociedade de forma suficiente.
Confusão proposital
Em editoriais ou ‘reportagens’, alguns veículos de comunicação ‘alertaram’ a sociedade do ‘perigo dos conselhos’. Segundo dizem, governadores ou parlamentares podem usar esses órgãos para amordaçar a imprensa, censurar jornalistas e privar os cidadãos de informação. Isso pode acontecer? Difícil dizer. Tão difícil quanto fazer. Afinal, vivemos um momento bastante particular de nossa democracia, com instituições bem consolidadas, com eleições diretas e regulares, alternância de poder e aumento da participação popular na vida pública. Isto é, o Estado democrático de direito está em plena vigência, e as camadas organizadas da sociedade mostram-se cada vez mais intolerantes com abusos de poder e atos despóticos.
Mas os conselhos de comunicação podem servir aos interesses da classe política? Podem. Mas a população também pode fiscalizar esses atos, contrapor-se a eles, denunciar aquilo que contraria seus interesses.
Por que então dispor de conselhos desse tipo? Por algumas razões de caráter republicano:
a) Comunicação é assunto de interesse público e coletivo, já que informação séria e estratégica é essencial para a tomada de decisões;
b) Serviços de comunicação em radiodifusão são considerados serviços públicos, dependem de autorização ou concessão do Congresso Nacional, e portanto têm clara finalidade pública;
c) A Constituição Federal previu a criação do Conselho Nacional de Comunicação em 1988, e os correlatos nos estados podem assessorar os governos locais na discussão e definição de políticas claras e democráticas de comunicação.
Não bastasse tudo isso, há que se considerar que o setor de comunicações no Brasil é dos mais desregulamentados da atividade produtiva. Em outros países não é assim, veja-se o caso das nações escandinavas ou mesmo da Inglaterra, onde o Office Communication (Ofcom) estabelece políticas na área e zela pelos interesses dos cidadãos. E é aí que parece haver uma confusão proposital no debate sobre os conselhos no país. Seus críticos atuam como se a criação de um órgão de participação pública fosse prejudicial ao interesse do público, e a manutenção de um mercado sem regras fosse melhor. Ora, só é melhor um ambiente sem normas para quem está se servindo dele.
Valores e interesses
A instituição de conselhos de comunicação permite regular o setor. É preciso sim criar e implementar regras para a indústria da comunicação. Isso não significa regrar ou restringir seu conteúdo. Aí está o ponto.
Estabelecer regras técnicas – como protocolos de transmissão de sinal –, normas jurídicas – que reforcem a responsabilidade social das empresas –, limites mercadológicos – que evitem monopólios, oligopólios e carteis – são, sim, necessárias em qualquer setor produtivo; no das comunicações, assumem uma importância vital dada a relevância e centralidade das informações na vida social contemporânea. Na Inglaterra, por exemplo, nenhuma empresa na área pode ter mais de 30% do mercado. Isso incentiva a concorrência, e aumenta a pluralidade e diversidade de opções do consumidor.
Não se tolera censura, cerceamento, obstrução ou controle do conteúdo. Os conselhos de comunicação não podem e não devem arbitrar sobre isso. Mas podem atuar para fazer prevalecer a vontade popular, seus valores e seus interesses. É disso que trata o debate sobre os conselhos de comunicação: de participação popular, de regras mais claras e justas para o setor, de discussão ampla de um assunto que a todos interessa. Porque contraria interesses de lado a lado, o debate vai longe. Vamos discutir, então.
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Professor da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS)