Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Roteiristas lutam para que o trabalho do autor não desapareça

Recentemente, a Associação Brasileira dos Roteiristas Profissionais de Televisão e Outros Veículos de Comunicação (AR) conseguiu um feito importante para a classe, que foi o de receber pagamento de direito autoral sobre obras audiovisuais criadas no Brasil e exibidas na Espanha. Agora, a AR providencia sua filiação à Confédération Internationale des Sociétés d´Auteurs e Compositeurs – Cisac, organismo que congrega todas as sociedades de gestão coletiva de direitos autorais do mundo, através do qual poderá se qualificar para receber direitos autorais de autores-roteiristas brasileiros de todas as arrecadadoras.

O fato representa, para os criadores, um passo em direção à sua valorização na cadeia produtiva e contribui para que possam continuar trabalhando e se mantendo da sua profissão. Em entrevista ao e-Fórum, o roteirista Marcílio Moraes, presidente da AR, explica como se dá o processo de arrecadação dos direitos autorais sobre obra audiovisual e as expectativas para uma organização do processo.

“Roteiristas e diretores ficaram sem pai nem mãe”

Marcílio Moraes– O direito autoral, tal como é concebido pela lei na Europa e também no Brasil – ainda que a nossa lei seja um pouco ambígua –, é para a pessoa física do autor. Na obra audiovisual, é reconhecido ao roteirista, ao diretor e ao músico. Nos Estados Unidos, vale o sistema copyright, em que o produtor é o dono de todos os direitos. O cara que criou o Super-homem, por exemplo, morreu na miséria. Na Europa, o autor que escreveu, o que dirigiu e o que criou a música recebem direito autoral. O valor é recolhido por sociedades arrecadadoras e é devido única e exclusivamente à pessoa física do autor. O produtor não tem nada com isso. Quando é exibida uma novela, um filme, o exibidor paga um percentual do faturamento da emissora. O que vem acontecendo é que passam filmes brasileiros, novelas, seriados na Europa e o dinheiro recolhido sobre os direitos autorais não é repassado aos autores porque as sociedades arrecadadoras só podem repassar esses direitos aos seus associados ou a outra entidade apropriada, de outro país.

O Brasil não tinha uma sociedade arrecadadora para os roteiristas e diretores. Em parte, porque nunca se organizaram suficientemente para isso. Os músicos, que estão organizados há muito tempo, têm o Ecad, que recolhe o direito autoral. Aqui também existe a SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais), que arrecada para autores de teatro, mas já há alguns anos atravessa difícil situação administrativa, que a deixa sem condições internacionais de recolher esse dinheiro. As arrecadadoras internacionais pararam de repassar para a SBAT há mais de 15 anos. Então, os roteiristas e diretores ficaram sem pai nem mãe nesta questão. O dinheiro recolhido na Europa, sem ter a quem repassar no Brasil, acaba indo patrocinar fundações do setor dos próprios países.

“Para o audiovisual, não existe arrecadadora”

Até então, pelas obras brasileiras exibidas na Europa, o roteirista e o diretor não recebiam?

M.M.– Não. Na televisão, se eu escrevo uma novela e ela é vendida por uma emissora, o autor tem lá uma participação, mas isso enquanto produtor. A produtora Globo, a produtora Record, por exemplo, sobre uma obra minha, me paga uma parte – a que for acertada em contrato. Quando a obra é vendida, exibida na Europa – em Portugal, na Espanha, por exemplo, o exibidor paga o direito autoral para o autor – pessoa física do roteirista, do diretor e do músico. Mas a gente não tinha como receber este dinheiro. E é um absurdo um país como o Brasil, com a produção audiovisual que tem, com a sua importância, não ter aqui uma arrecadadora. Já nos Estados Unidos, não é recolhido. O produtor é o dono e acabou.

Por isso, a AR entrou nisso. Até por força da exigência moral. Em princípio, nem era uma vocação da Associação dos Roteiristas se tornar uma arrecadadora. Assim, incluímos no nosso estatuto que poderíamos ser uma arrecadadora, fizemos um primeiro convênio com a SGAE (Sociedad General de Autores y Editores) da Espanha e já obtivemos um primeiro resultado (leia aqui). O segundo passo que daremos, será tornar a AR uma sociedade arrecadadora plenamente em termos internacionais. Para isso, ela tem que ser aceita na Confederação Internacional das Sociedades Arrecadadoras (Cisac), que tem as representações de todos os outros países. E o que todas essas arrecadadoras esperam é que a gente arrecade aqui no Brasil também, para os representados deles, os direitos autorais e repasse a eles. É uma outra batalha a gente conseguir cobrar isso aqui no Brasil. Neste processo de filiação à Cisac, nós contamos com o apoio da SGAE.

Como isso vai funcionar? Tem que ter um fiscalizador?

M.M.– Aqui no Brasil, como já citei, existe o Ecad, que recolhe para os músicos, e a SBAT, para o teatro, numa pequena medida, mas ainda arrecada. No caso do audiovisual, ainda não existe, a AR está se tornando esta entidade. Agora, para efetivamente cobrar, bater lá na porta da Globo e dizer: “Olha, eu quero 1% – ou seja quanto for – do faturamento para os autores”, vai ser duro. Se for aprovada essa nova lei do direito autoral (Leia aqui), vai facilitar que essa cobrança seja efetuada.

“A questão do download de filmes é complicada”

De que forma, especificamente, facilitará?

M.M.– É que essa nova proposta explicita mais esse direito. A lei atual (Lei 9.610/98) diz que os detentores dos direitos autorais da obra audiovisual são o autor roteirista e o músico. No entanto, só os músicos conseguem receber pela execução das suas obras. Os músicos têm um artigo, além deste, que diz que é devida a remuneração pela execução das músicas em qualquer circunstância. E esse direito de remuneração não está explicitado num artigo legal para os roteiristas e diretores. Já nesta nova proposta de legislação está explícito. Pelo menos, nós propusemos e foi aceita no projeto de lei.

Quais são os países maiores exibidores de conteúdo audiovisual brasileiro?

M.M.– Posso dizer que Portugal, por exemplo, exibe muitas novelas. Na Espanha, França, Alemanha e Argentina exibem muito cinema brasileiro. Mas eu estaria chutando, se afirmasse quais os maiores exibidores.

Sobre os downloadsde filmes, como você se organizam para arrecadar direitos?

M.M.– É uma questão mais complicada. Essas sociedades de arrecadadores do movimento internacional têm convênios, contratos com o Google e outros para arrecadar sobre direito autoral. O próprio Ecad tem. Mas é difícil.

“A questão de como cobrar é um desafio”

Qual sua opinião sobre o PLC 116, que tramita no Senado? O texto prevê cotas de conteúdo nacional para as TVs por assinatura.

M.M.– Eu, pessoalmente, acho interessante. Quanto mais produtores e exibidores tiver, melhor. Em princípio, vai ter mais dinheiro para produção – a gente vive em televisão uma situação no Brasil quase monopolística. Hoje existe já alguma concorrência, com SBT, Record, mas a Globo ainda domina o mercado fortemente. Por isso, quanto mais concorrência, melhor. E na TV por assinatura, especialmente, tem que ter produção nacional – que até já aumentou, nos últimos anos, mas continua pequena, pelo volume que se tem, pela população. Aparentemente, com esse projeto de lei, a produção vai aumentar, vamos ter mais chances, pode-se até diversificar, em vez de fazer só novela, fazer outras coisas também.

Com o desenvolvimento da TV digital, há expectativa de abertura de mercado?

M.M.– Quanto mais produtores e exibidores de audiovisual existirem, melhor. Porque existe [no Brasil] o monopólio. A perspectiva é de que os multimeios são interessantes porque diversificam as possibilidades de trabalho. A produção audiovisual brasileira para a televisão ainda está muito centrada na produção de novelas. Isso restringe o número de profissionais trabalhando. Agora, a questão de como cobrar o direito autoral é um desafio. Que a obra seja exibida, reciclada, aproveitada para outras pessoas – mas que o direito de autor não desapareça é a nossa batalha.

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[Da Redação do FNDC]