‘Gostava de fazer aqui uma proposta que me surgiu como uma espécie de ‘Momentary Lapse of Reason’, mas felizmente sem drogas pelo meio, apenas umas tiras de presunto, uma morcela assada em aguardente bagaceira e um jarro de sangria. Com tanta asneirada que anda pelo jornal em termos de tradução de despachos de agências noticiosas pq não começar a ‘distribuir trabalho’ pelos leitores? Se não há dinheiro para pagar a revisores pq não passar a coisa para os leitores?
Eu e muito boa gente estamos on-line o dia todo. Poderíamos receber a notícia da agência, ou até já a tradução de um jornalista. Parece-me óbvio que o Público tem leitores mais do que capazes de analisar e responder rapidamente a erros colocados em papel, pq não fazer uma ‘task force’ preventiva quando eles ainda fermentam na Redacção?
Um leitor diz um conjunto de temas em que se sinta à vontade, enviam-lhe uma determinada notícia para ele traduzir e reduzir e depois ele responde em x tempo indicando as fontes. Sempre era uma forma de muitos leitores (a começar por mim que sou um chato) pararem de carpir pelos ataques à qualidade do jornal.
Teríamos, portanto, o acesso de um jornalista a um conjunto de despachos de agências noticiosas. Depois a verificação dos leitores que estivessem on-line e disponíveis para tratar dela e o envio para eles da dita notícia em bruto. O leitor reduzia-a e analisava um conjunto de fontes do resultado final reduzido que depois seriam entregues ao jornalista-encarregado. Isto tinha a vantagem de acabar com aquela estafada desculpa de que há falta de tempo e que se estava com pouco pessoal para fechar a edição, tão comum que por aí se lê. Desta forma pode-se alargar imenso a Redacção do jornal sem aumentar custos (se bem que um jantarzinho de quando em vez não ficava mal, nem que fosse darem-nos os ingredientes e nós tratávamos de confeccioná-lo) e acabar de vez com a ‘gap’ (fosso) que existe entre os jornalistas profissionais e os pesquisadores que muitos leitores são. É que muitas vezes uma simples busca pelo Google podia prevenir imensos problemas. Caso este ‘fact-check’ resultasse em pequenas notícias podia ser depois alargado às grandes e mais complexas peças de jornalista. E aí já tinham de sortear um BMW M5 entre nós. Mas isto já será se calhar esticar o orçamento…
Mas que sei eu? Que pode saber alguém de 29 anos? Muito pouco. Mas assim como a minha idade não inviabiliza a qualidade desta morcela também não inviabilizará a qualidade da minha ideia. O PÚBLICO garantia uma rede de colaboradores com provas dadas e nós leitores passamos de gente rancorosa a rir (e a rir imenso, ultimamente) de fora do problema para parte da solução.
E com estas palavras a noite caiu em Melgaço. E aí vai um pouco de Miles Davis para o Provedor ouvir’, escreve Pedro Maia, um leitor do Porto.
Solicitei um comentário ao director.
‘Suponho que os meus avós, que muitas vezes foram de férias para Melgaço, nunca terão tido a oportunidade de ver a noite cair ao som de Miles Davis, mas sei que, tal como o leitor, sempre foram fiéis leitores de jornais num tempo em que pouco mais havia como fonte de informação. E se retomo a nota final da sua crónica com esta nota entre a nostalgia de um tempo que já passou e a consciência de que vivemos um tempo novo é porque, mesmo sem morcela nem sangria, vejo na sua mensagem tanto a ironia como a oportunidade. Estranho? Talvez não.
A ironia sobre a ‘asneirada’ pode ter, aqui e além, razão, até porque ninguém é perfeito, nem o rio Minho que deve ter no seu horizonte. O que sugere como método de trabalho parte do princípio, errado, de que o trabalho do jornalista é atamancar uns telexes de agências, melhor ou pior traduzidos, e partir para uns copos no bar mais próximo. A primeira parte, se excluirmos o atamancar, tem o seu quê de verdade: nos jornais utilizam-se os despachos das agências como na televisão se utilizam as imagens enviadas de todo o mundo pelas… agências. É assim, e ainda bem, desde que o senhor Havas e o senhor Reuters começaram a proporcionar este tipo de serviço. Há, contudo, peças de agência melhores do que outras, e entre os vários milhares que chegam por dia apenas uma pequena parte é aproveitada.
Se os jornalistas fossem dispensáveis, a mesa onde pousa o seu copo e dispõe as suas tiras de presunto estariam cheias de montes de papéis sem ordem aparente, escritos nos quatro cantos do planeta, e levaria o dia inteiro só a escolher o que valia a pena ler. Teria tanto trabalho e consumiria tanto tempo para conseguir desfrutar da informação de que necessita como se tivesse de fazer a sua morcela desde o início, ou ir colher as uvas, pisá-las, deixar o vinho amadurecer e, por fim, juntar-lhe o necessário para um boa sangria. Cada um desses passos deve ser bem feito, como saberá apreciar pelo resultado final, mas regressar à ‘acumulação primitiva’ da informação não é solução para os males de o PÚBLICO por vezes padece, e que nem tentarei explicar.
Mas se esse regresso ao passado seria despropositado e inútil, o que me interessa na sua Melgaço é a maquineta de onde enviou a mensagem. É através dela que me fala, a mim, via Provedor, mas também aos leitores. Não lhe deve servir para fazer o que deve ser o trabalho do jornalista, mas pode servir, era bom que servisse, para fazer o trabalho que o jornalista não pode fazer: fazer de si, porventura abusando da sua disponibilidade, parte dos muitos olhos e ouvidos a que gostaríamos de estar abertos, não apenas para que nos fale de um seu dia de férias (suponho), mas que nos faça chegar realidades que por mais atentos que possamos estar nunca atingiremos.
Queremos, e estamos a trabalhar para isso, que os leitores sejam olhos e ouvidos do seu jornal. Não mais jornalistas ou serviçais, mas antenas que um dia nos espetam uma farpa (e a que mais me dói é estar aqui a escrever noite dentro e sem nenhuma morcela para petiscar…) e nos outros nos trazem informações, opiniões, pedaços da realidade invisíveis e que podem, e devem, permitir não só uma interactividade entre a minha pessoa, na cadeira do director, e o seu humor, mas o ponto de encontro de muitas sensibilidades diferentes.
Não lhe respondi? Não respondi ao Provedor? Acho que sim, que respondi: o nosso papel de jornalistas é o de separar a boa da má informação e não asneirar. Falhamos se falharmos nesse papel de distinguir o essencial do acessório de apontar ao leitor onde está a informação mais relevante e os temas mais interessantes. Isto sabendo que os leitores, enviando uma carta ou escrevendo num blogue, sem serem jornalistas, podem ser a nossa ‘rede’.
A rede que facilita a circulação das ideias e das informações, não aquela para que se oferece e apenas serve, o que mesmo assim não seria coisa pouca, para amparar o trapezista desastrado’, respondeu José Manuel Fernandes.
A resposta parece-me convincente, será do Miles Davis?
O provedor está mesmo a precisar de férias…
Post-scriptum – No primeiro semestre deste ano um leitor elogiou um(a) jornalista. Pareceu-me importante publicar esse depoimento por uma questão de justiça. E de transparência. Também há excelentes profissionais no Público.
‘No passado dia 1 de Julho, na página 18 do Primeiro Caderno, o Público trazia uma notícia intitulada ‘Ministro japonês justifica bomba atómica de 1945’.
Decidi escrever-lhe porque considero que a notícia, apesar de não estar assinada, está redigida de uma forma que considero exemplar e que já não é comum encontrar.
De facto, o texto começa por um parágrafo em que o essencial da posição do ministro é enunciado, segue-se um segundo parágrafo onde é apresentado o essencial da posição dos que discordam do ministro e, finalmente, um último parágrafo onde é resumido o que se passou em 1945 e que está na origem da actual controvérsia, sem comentários e sem tomar partido.
E tudo isto em três pequenos parágrafos, de forma clara, concisa e completa; é uma beleza!’, escreve Eugénio de Sousa, um leitor de Lisboa.
De acordo com o Livro de Estilo ‘todos os textos são assinados’ e ‘os textos baseados em notícias de outros órgãos de comunicação devem mencionar de forma inequívoca a sua origem’, mas isso nem sempre sucede nas páginas do PÚBLICO. E, aparentemente, nem os bons (as boas) jornalistas respeitam sempre esta regra. É pena.’