Um relatório do Programa Internacional de Comportamento Político da Universidade de Maryland, apoiado em pesquisas realizadas entre os meses de junho e setembro de 2003, nos EUA, constatou que 48% dos americanos acreditavam que suas tropas encontraram evidencias de ligações entre o Iraque e a al-Qaeda; 22% acreditavam que as tropas encontraram armas de destruição em massa no Iraque; e 25% acreditavam que a opinião pública mundial apoiava a ação armada dos EUA. (A análise completa da pesquisa pode ser encontrada em Steven Kull, Clay Ramsay e Evan Lewis, ‘Misperceptions, the Media, and the Iraq War’ in Political Science Quarterly, Volume 118, n. 4, Winter 2003/2004; pp. 569-598).
Todas essas percepções estavam, naturalmente, equivocadas: as tropas não encontraram evidências de ligações entre o Iraque e a al-Qaeda; as tropas não encontraram armas de destruição em massa; e a opinião pública mundial não apóia a ação armada dos EUA no Iraque.
Quais seriam as razões para essa percepção equivocada da população americana sobre a guerra do Iraque?
As pesquisas identificaram quatro fatores principais: existia uma alta correlação entre aqueles que tinham percepções equivocadas e o apoio deles à decisão de ir à guerra; o mesmo ocorria entre aqueles que eram filiados ao Partido Republicano e também entre os que pretendiam votar a favor da reeleição de George W. Bush. O quarto fator eram as fontes de informação sobre a guerra do Iraque: 80% identificaram a radiodifusão como fonte de informação principal; enquanto apenas 19% identificaram a mídia impressa.
Entre os 80% que identificaram a radiodifusão como principal fonte de informação, 30% mencionaram duas ou mais redes de rádio e televisão: 18% a Fox News; 16% a CNN; 24% as três principais redes comerciais somadas (NBC, ABC e CBS); e 3% as redes públicas (NPR e PBS).
Daqueles que declararam ter a Fox News como fonte principal de informação, 80% tinham pelo menos uma das três percepções equivocadas; contra apenas 23% daqueles que declararam ter as redes públicas como fonte principal. E mais: 45% dos que declararam ter a Fox News como principal fonte de informação sobre a guerra acreditavam em todas as três percepções equivocadas.
Alerta vermelho
Estes dados parecem indicar que quem tem a Fox News como a sua principal fonte de informação terá maior probabilidade de ter percepções equivocadas sobre a guerra do Iraque. Ou, em outras palavras, a cobertura que a Fox News realiza sobre a guerra do Iraque recebe um ‘enquadramento’ que não só favorece o ponto de vista oficial do governo Bush como omite fatos importantes em relação ao próprio conflito.
O comportamento conservador dos veículos do grupo News Corporation – um dos maiores conglomerados de mídia do planeta, controlado pelo magnata Rupert Murdoch – não é novidade para quem acompanha as análises sobre o jornalismo contemporâneo.
Recentemente foi lançado nos EUA um documentário intitulado Outfoxed: Rupert Murdoch’s War on Journalism, produzido e dirigido por Robert Greenwald. Baseado numa análise de vários meses dos noticiários da Fox – que já superou a CNN em termos de audiência – e em depoimentos de produtores, repórteres e escritores que trabalharam na emissora, Greenwald demonstra como a Fox tem servido de porta-voz dos grupos radicais de direita através da rotinização de procedimentos de propaganda e controle interno do seu jornalismo.
Tendo em vista esses fatos (e sem especular sobre quais resultados uma eventual pesquisa desse tipo revelaria sobre o jornalismo de televisão praticado no Brasil), o anúncio recente da fusão entre as duas principais empresas operadoras de televisão paga, via satélite, no Brasil – a Sky e a Direct TV – deveria preocupar a todos aqueles interessados na democratização das comunicações no nosso país.
A nova Sky, empresa do grupo News Corporation, associada às Organizações Globo, passará a controlar 95% do mercado de televisão via satélite. Para além das questões relativas à competição no mercado em decorrência do virtual monopólio que está sendo estabelecido no setor pelo grupo de Murdoch e seus parceiros no Brasil, a experiência ‘jornalística’ da News Corporation em outros países deveria constituir-se em alerta importante para todos nós.
Passo perigoso
Se considerarmos que a operadora Net das Organizações Globo – associada da News Corporation – detém cerca de 37% do mercado de televisão a cabo, veremos que em torno de 69% do mercado total de televisão paga no Brasil (incluindo cabo, MMDS e satélite) ficarão nas mãos do grupo controlado pela associação Globo/News Corporation.
A quem pode interessar uma situação como esta se considerarmos o potencial futuro da televisão paga no Brasil? Qual garantia existirá para a liberdade de expressão, tema tão caro aos empresários da mídia nos últimos tempos? E a pluralidade de fontes e a diversidade de conteúdo, fundamentos da doutrina liberal da mídia?
A esperança que nos resta é que tanto a Anatel como o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) do Ministério da Justiça – que ainda terão que se pronunciar sobre a compra da Direct TV pela SKY – não permitam que a transação se confirme. Caso contrário, teremos dado um enorme passo na direção do monopólio definitivo da televisão paga no Brasil.
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Professor aposentado da Universidade de Brasília, fundador e primeiro coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB, autor de Mídia: teoria e política (Editora Fundação Perseu Abramo)