Nunca fui um roqueiro de carteirinha. Aliás, meus ouvidos sempre foram mais chegados à MPB. No entanto, uma notícia que li recentemente, nem sei bem onde, me entristeceu… A Rádio Cidade do Rio de Janeiro não existe mais; em seu lugar no dial surge a Oi FM, que já se fazia presente nas cidades de Fortaleza, Recife e Vitória.
É claro que a Rádio Cidade que andava no ar nada tinha a ver com a emissora que surgiu no já distante ano de 1977. Tanto que no rádio do meu carro, a freqüência de 102,9 MHZ não tinha vez. A Cidade que me traz boas recordações e que me faz escrever este artigo durou pouco, mas, com toda certeza, ocupou um lugar de destaque na história do rádio brasileiro.
Quem não ouviu pode achar que é exagero, mas a verdade é que o modelo de programação implantado pela emissora no final da década de 1970 foi o ponto de mutação da freqüência modulada. Até então, FM era trilha sonora de consultório de dentista ou de elevador. E não se trata de brincadeira, é a mais pura verdade. A rádio FM, no Brasil começou investindo na música ambiente.
A primeira emissora foi a Rádio Imprensa, que começou em 1955, vendendo sua programação a uma rede carioca de supermercados. A emissora tinha dois canais, um comercial e outro de música ambiente (ou, como costumava se chamar, música funcional). As seqüências de ‘sucessos’ eram transmitidas para lojas e escritórios. Como havia poucos aparelhos receptores que captassem a freqüência modulada, a emissora decidiu adquirir toda a produção brasileira da empresa alemã Telefunken. Os aparelhos eram alugados aos clientes.
Na início da década de 1970, com o surgimento da JB FM, o Grupo Jornal do Brasil dá o impulso que faltava à freqüência modulada no Rio de Janeiro, bem como os Diários Associados, com a Tupi FM. Em 1973, o Sistema Globo de Rádio lança a Globo FM, com uma novidade: a transmissão em estéreo. Dois anos depois, outra iniciativa inovadora. A Rádio Nacional também decide ocupar uma posição no dial de FM e com uma programação exclusiva de música brasileira.
A revolução da Cidade
Com a ditadura militar chegando ao fim e com os ventos da abertura soprando ao longe, uma grande jogada mercadológica do Grupo JB fez surgir, em 1977, a Rádio Cidade FM, nome inspirado na Radio City of America, a RCA dos EUA .
O público-alvo era aquele que não tinha direito a ouvir suas músicas favoritas sem os chiados do AM. A música pop finalmente adentrava ao FM e com ela trazia uma legião de jovens ouvintes.
O ritmo do momento fazia as discotecas decolarem. O grupo Village People estava no topo da parada de sucessos da Billboard, com Y.M.C.A. E Michael Jackson, ainda negro, junto com os irmãos do Jackson Five, brilhava com Ben e I´ll be there. Completando a programação, flash-backs dos anos 1960 e 70.
Mas não eram apenas as músicas que atraíam os ouvintes. A Rádio Cidade trazia um diferencial: seus locutores.
Na trilha de um tal Big Boy
No começo dos anos 1970, comandando o microfone da Rádio Mundial, o locutor Big Boy foi o primeiro a falar para os jovens com a linguagem que eles entendiam e queriam ouvir. Dono de uma personalidade marcante, ele mudou a cara do AM.
Já no FM, esta tarefa coube aos locutores da Rádio Cidade. O bate-papo entre eles nas passagens de horário fazia tanto sucesso quanto as atrações musicais. A descontração e o bom humor dos diálogos cativavam o ouvinte, que se identificava com os disc-jóqueis. Com a certeza alguns nomes vão ser esquecidos, mas cito alguns, como Fernando Mansur, Eládio Sandoval, Paulo Martins, Romilson Luis, Jaguar e Mario Lúcio.
As vinhetas, gravadas nos Estados Unidos também chamavam a atenção. A idéia era adaptar ao Brasil o modelo adotado por diversas FMs jovens dos EUA – principalmente a WBLS FM, de Los Angeles, e a WABC, de Nova York.
Na programação algo em torno de 45 a 60 músicas diárias; as mais pedidas voltavam ao longo do dia e era assim que se forjavam os sucessos, que logo estouravam nas lojas de discos. Era o início de um duradouro casamento entre o FM e as grandes gravadoras.
Brasil afora
O sucesso imediato no Rio de Janeiro fez com que o selo Cidade ocupasse o dial de diversas cidades brasileiras. Nessa época ainda não havia como transmitir a programação via satélite (tal tecnologia só seria implantada em rádio em 1991). No início dos anos 1980, as chamadas ‘redes de rádio’ eram formadas por emissoras associadas que reproduziam o formato da programação da emissora-sede. Ou seja, abria-se a possibilidade de uma programação mais regional, ou pelo menos mais voltada ao público de outras cidades.
A Rádio Cidade passou a operar em São Paulo, Brasília, Vitória, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Florianópolis, Porto Alegre, para citar apenas as principais cidades.
O sucesso de público também se refletiu imediatamente na área comercial. Antes da Cidade, anunciar em FM e nada era quase a mesma coisa. Quem pagava três comerciais chegava a ganhar um de graça. Mas, a partir de 1977, esta história muda. Atrás do público jovem vieram os anunciantes. Com eles, o dinheiro. E com o dinheiro, a chance de investir na rádio.
Com a Rádio Cidade o Brasil experimentou uma linguagem nova, assumidamente pop e, em princípio, sem grandes pretensões. Uma forma de se fazer rádio que, em pouco tempo, se tornou um padrão para as rádios voltadas ao público jovem em todo o país. Não demorou para que a concorrência surgisse, mas, no período entre 1977 e 1984, a Rádio Cidade foi imbatível e se firmou como uma das FMs mais fortes do Rio de Janeiro e uma das mais influentes no Brasil.
O tempo da Rádio Cidade, passou. O que era novidade, ficou comum. E no final da década de 1990, com a emissora integrando a rede Rádio Rock (com sede em São Paulo), sua programação se pasteurizou de vez e perdeu a identidade carioca.
Quem já ouviu a Oi FM diz que a rádio não faz feio e que a programação é bem agradável. Pode ser até que, um dia, ela ganhe espaço na memória do rádio do meu carro, mas na minha memória afetiva, nos 102,9 MHZ, vai tocar sempre a Rádio Cidade.
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Editor-executivo do programa Observatório da Imprensa na TV, editor-chefe do telejornal local do SBT no Rio de Janeiro e professor da Faculdade de Comunicação da UERJ